Com a mais que provável vitória da maioria governista na votação de amanhã na Câmara, livrando o presidente Temer da segunda denúncia remanescente da era Janot, começa a tomar corpo a disputa sucessória, com uma novidade fundamental: dificilmente se repetirá a polarização entre PT e PSDB que marcou as últimas seis eleições presidenciais. Temer ainda sonha um sonho improvável: presidir uma recuperação econômica de tal porte que lhe dê condições de ser um eleitor de peso na sua sucessão.
Os dois partidos que dominaram a cena política desde 1994 chegam a mais uma eleição presidencial feridos de morte, buscando alternativas às principais lideranças, dentro ou fora de suas legendas.
O ex-presidente Lula, se conseguir disputar a eleição em 2018, chegará provavelmente sub judice, depois de condenado em segunda instância, pelo TRF-4, e em primeira instância pelo menos mais uma vez. Pode criar um impasse jurídico-político de amplas consequências, pois pela legislação um candidato pode ser impugnado mesmo depois de eleito e diplomado. Mas seria improvável a impugnação de qualquer candidato nessa situação, ainda mais sendo Lula.
O PSDB, sem seu candidato natural, o senador Aécio Neves, derrotado em 2014 por diferença mínima, quase certamente escolherá saída tradicional, que seria o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
O prefeito João Doria seria uma novidade fora dos quadros ortodoxos do partido, mas parece estar perdendo fôlego ao tentar queimar etapas nessa maratona, que tem características diferentes das demais disputas presidenciais, mas exige resistência que o veterano Alckmin está mostrando ter.
A deterioração da política tradicional faz com que surjam nomes fora dos partidos políticos, como o apresentador de TV Luciano Huck e ex-ministros do Supremo como Ayres Britto e Joaquim Barbosa. A legislação brasileira, porém, que não permite candidaturas independentes ou a criação de siglas novas a meses da eleição, como aconteceu com Emanuel Macron na França, ajuda a manter limitações na apresentação dos candidatos.
O jurista Modesto Carvalhosa mantém esperanças de que o STF aprove as candidaturas independentes, caso em que pretende se apresentar como alternativa aos eleitores. Não é por acaso que ele planeja um encontro com Huck, para realçar a necessidade de surgimento de candidaturas fora dos quadros tradicionais da política.
O detalhamento da mais recente pesquisa de opinião do Datafolha ajuda a desmascarar a tese de que o ex-presidente Lula seria imbatível junto ao eleitorado mais pobre. Embora continue na frente nas pesquisas, o eleitor tem posições heterodoxas quando escolhe candidatos sem que Lula apareça na lista. Desde as mais radicais, como escolher Bolsonaro para substituir Lula (6%) ou Lula para substituir Bolsonaro (13%), até as mais lógicas, como Marina Silva ou Ciro Gomes, escolhas que parecem ter mais força de proximidade ideológica, mas que também podem significar mera identificação com ex-ministros dos governos Lula.
Mas, quando se vê que Luciano Huck aparece como opção de 40% a 60% dos eleitores de Lula, fica claro que a questão ideológica tem muito pouco a ver com a escolha. Aqui, a identificação é com medidas assistencialistas de Lula e Huck, sejam elas bolsas governamentais de vários tipos ou presentes dados em programas de televisão.
Assim como o populismo de direita, com Collor, derrotou Lula e Brizola em 1989, e hoje o ex-presidente e o atual senador são farinha do mesmo saco, na eleição de 2018, a mesma tendência política tem candidatos fortes para disputar com Lula ou Ciro Gomes, seja Doria ou Alckmin, Huck ou Bolsonaro.
O governador de São Paulo, com características de ação política de gestos moderados e conservadores, tende a repetir erros já cometidos pelo PSDB em eleições passadas, assumindo posições mais à esquerda, como se isso fosse preciso para derrotar Lula ou seu preposto, que pode ser o ex-prefeito Fernando Haddad ou o líder do MTST Boulos.
O perfil conciliador de Alckmin pode ser atropelado por uma campanha radicalizada, que facilitaria a tarefa de Bolsonaro ou Doria. Uma radicalização de Alckmin soaria tão falsa como o ridículo colete antiprivatizações que usou em 2006 e levou-o, junto com outros erros, a ter menos votos no segundo turno do que no primeiro.
A radicalização política provavelmente dará o tom da campanha e poderá ser ultrapassada pelo populismo. Mas, se o eleitorado se cansar dessa radicalização que transformou a política numa guerra incessante, pode ser que a leveza política de Alckmin ou Marina Silva sirva de contraponto aos radicais de esquerda e direita.
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