Joseph E. Stiglitz
DEU EM O GLOBO
Este deverá ser o pior ano para a economia global desde a Segunda Guerra Mundial, com o Banco Mundial estimando uma contração de até 2%.
Mesmo países em desenvolvimento que fizeram tudo certo — e têm políticas macroeconômicas e regulatórias muito melhores que as dos EUA — estão sentindo o impacto. A China deverá continuar em crescimento mas, em grande parte como resultado de uma queda aguda das exportações, num ritmo muito mais lento que os 11/12% dos últimos anos. A não ser que alguma coisa seja feita, a crise atirará na pobreza mais 200 milhões de pessoas.
A crise global requer resposta global, mas, infelizmente, a responsabilidade pela reação continua em nível nacional. Cada país tenta criar seu pacote de estímulo para reduzir o impacto sobre seus cidadãos, e não o impacto global. Ao calcular o tamanho do estímulo, os países compararão os custos sobre seus orçamentos com os benefícios em termos de aumento do crescimento e do emprego em suas economias. Como alguns dos benefícios (principalmente no caso de pequenas economias abertas) acumularão com outros, os pacotes de estímulo deverão ser menores e menos sofisticados do que poderiam ser. Por esta razão, é necessário um pacote de estímulo globalmente coordenado.
Esta é uma das diversas mensagens importantes a emergir de uma Comissão de Especialistas da ONU sobre a crise global, que eu presido, e que recentemente submeteu seu relatório preliminar às Nações Unidas.
O documento apoia muitas das iniciativas do G-20, mas pede medidas com foco nos países em desenvolvimento.
Por exemplo, enquanto se reconhece que quase todos os países precisam aplicar medidas de estímulo (somos todos keynesianos agora), muitas das nações em desenvolvimento não dispõem dos recursos para isso. Nem as instituições internacionais de financiamento.
Mas, se devemos evitar que entremos em outra crise da dívida, algum — talvez muito — do dinheiro terá que ser doado. No passado, a assistência foi acompanhada por “condições” abrangentes, algumas das quais impunham políticas fiscais e monetárias contracionistas — o oposto do que é necessário hoje — e exigiam desregulamentação financeira, uma das causas primárias da atual crise.
Em muitas partes do mundo, há um forte estigma associado a recorrer ao Fundo Monetário Internacional, por motivos óbvios. E há descontentamento não apenas entre os tomadores, mas também entre fornecedores de recursos. O dinheiro hoje está na Ásia e no Oriente Médio, mas por que esses países deveriam contribuir para organizações nas quais sua voz é limitada e que têm frequentemente executado políticas contrárias a seus valores e crenças? Muitas das reformas para melhorar a governança propostas pelo FMI e o Banco Mundial — afetando, obviamente, a forma como seus dirigentes são escolhidos — finalmente parecem estar na mesa.
Mas o processo de reforma é lento e a crise não vai esperar. É, assim, imperativo que a assistência passe por uma variedade de canais, além, ou ao invés, do FMI, e incluindo instituições regionais.
Novas linhas de financiamento podem ser criadas, com estruturas mais em consonância com o século XXI. Se isso puder ser feito rapidamente (penso que sim), tais linhas poderão ser um canal importante para o desembolso de fundos.
Em sua reunião de novembro de 2008, os líderes do G-20 condenaram fortemente o protecionismo e se comprometeram a evitá-lo. Infelizmente, um estudo do Banco Mundial informa que 17 dos 20 países adotaram novas medidas protecionistas, principalmente os EUA com a provisão “buy American” incluída em seu pacote de estímulo à economia.
Mas há muito se reconhece que subsídios podem ser tão destrutivos quanto tarifas — e até menos justos, já que países ricos têm mais capacidade de concedê-los. Se existiu um campo de negociação equilibrado na economia global, não há mais: os subsídios maciços e os resgates de empresas praticados pelos EUA mudaram tudo, talvez de forma irreversível.
Na verdade, mesmo empresas em países industrializados avançados que não receberam subsídios estão em posição vantajosa. Elas estão em condição de assumir riscos que outras não podem, sabendo que, se falharem, serão salvas. Embora se possa entender os imperativos políticos internos que levaram a subsídios e garantias, os países desenvolvidos precisam reconhecer as consequências globais disso e providenciar assistência compensatória às nações em desenvolvimento.
Uma das mais importantes iniciativas de médio prazo pedidas pela Comissão da ONU é a criação de um conselho global de coordenação econômica, que não somente coordenaria a política econômica, mas também verificaria a existência de problemas pendentes e brechas institucionais.
À medida que a crise se aprofunda, vários países podem, por exemplo, se tornar insolventes. Mas ainda não temos um sistema para lidar com tais problemas.
E o sistema ancorado no dólar como moeda de reserva — espinha mestra do atual sistema financeiro global — está se debilitando. A China manifestou preocupações e o presidente de seu banco central se juntou à Comissão da ONU para pedir um novo sistema global de reserva. A Comissão entende que enfrentar este velho problema — levantado há mais de 75 anos por Keynes — é essencial para que tenhamos uma retomada robusta e estável.
Tais reformas não acontecerão de um dia para o outro. Mas não acontecerão nunca se não começarmos a trabalhar nelas agora.
Joseph E. Stiglitz é economista. © Project Syndicate.
DEU EM O GLOBO
Este deverá ser o pior ano para a economia global desde a Segunda Guerra Mundial, com o Banco Mundial estimando uma contração de até 2%.
Mesmo países em desenvolvimento que fizeram tudo certo — e têm políticas macroeconômicas e regulatórias muito melhores que as dos EUA — estão sentindo o impacto. A China deverá continuar em crescimento mas, em grande parte como resultado de uma queda aguda das exportações, num ritmo muito mais lento que os 11/12% dos últimos anos. A não ser que alguma coisa seja feita, a crise atirará na pobreza mais 200 milhões de pessoas.
A crise global requer resposta global, mas, infelizmente, a responsabilidade pela reação continua em nível nacional. Cada país tenta criar seu pacote de estímulo para reduzir o impacto sobre seus cidadãos, e não o impacto global. Ao calcular o tamanho do estímulo, os países compararão os custos sobre seus orçamentos com os benefícios em termos de aumento do crescimento e do emprego em suas economias. Como alguns dos benefícios (principalmente no caso de pequenas economias abertas) acumularão com outros, os pacotes de estímulo deverão ser menores e menos sofisticados do que poderiam ser. Por esta razão, é necessário um pacote de estímulo globalmente coordenado.
Esta é uma das diversas mensagens importantes a emergir de uma Comissão de Especialistas da ONU sobre a crise global, que eu presido, e que recentemente submeteu seu relatório preliminar às Nações Unidas.
O documento apoia muitas das iniciativas do G-20, mas pede medidas com foco nos países em desenvolvimento.
Por exemplo, enquanto se reconhece que quase todos os países precisam aplicar medidas de estímulo (somos todos keynesianos agora), muitas das nações em desenvolvimento não dispõem dos recursos para isso. Nem as instituições internacionais de financiamento.
Mas, se devemos evitar que entremos em outra crise da dívida, algum — talvez muito — do dinheiro terá que ser doado. No passado, a assistência foi acompanhada por “condições” abrangentes, algumas das quais impunham políticas fiscais e monetárias contracionistas — o oposto do que é necessário hoje — e exigiam desregulamentação financeira, uma das causas primárias da atual crise.
Em muitas partes do mundo, há um forte estigma associado a recorrer ao Fundo Monetário Internacional, por motivos óbvios. E há descontentamento não apenas entre os tomadores, mas também entre fornecedores de recursos. O dinheiro hoje está na Ásia e no Oriente Médio, mas por que esses países deveriam contribuir para organizações nas quais sua voz é limitada e que têm frequentemente executado políticas contrárias a seus valores e crenças? Muitas das reformas para melhorar a governança propostas pelo FMI e o Banco Mundial — afetando, obviamente, a forma como seus dirigentes são escolhidos — finalmente parecem estar na mesa.
Mas o processo de reforma é lento e a crise não vai esperar. É, assim, imperativo que a assistência passe por uma variedade de canais, além, ou ao invés, do FMI, e incluindo instituições regionais.
Novas linhas de financiamento podem ser criadas, com estruturas mais em consonância com o século XXI. Se isso puder ser feito rapidamente (penso que sim), tais linhas poderão ser um canal importante para o desembolso de fundos.
Em sua reunião de novembro de 2008, os líderes do G-20 condenaram fortemente o protecionismo e se comprometeram a evitá-lo. Infelizmente, um estudo do Banco Mundial informa que 17 dos 20 países adotaram novas medidas protecionistas, principalmente os EUA com a provisão “buy American” incluída em seu pacote de estímulo à economia.
Mas há muito se reconhece que subsídios podem ser tão destrutivos quanto tarifas — e até menos justos, já que países ricos têm mais capacidade de concedê-los. Se existiu um campo de negociação equilibrado na economia global, não há mais: os subsídios maciços e os resgates de empresas praticados pelos EUA mudaram tudo, talvez de forma irreversível.
Na verdade, mesmo empresas em países industrializados avançados que não receberam subsídios estão em posição vantajosa. Elas estão em condição de assumir riscos que outras não podem, sabendo que, se falharem, serão salvas. Embora se possa entender os imperativos políticos internos que levaram a subsídios e garantias, os países desenvolvidos precisam reconhecer as consequências globais disso e providenciar assistência compensatória às nações em desenvolvimento.
Uma das mais importantes iniciativas de médio prazo pedidas pela Comissão da ONU é a criação de um conselho global de coordenação econômica, que não somente coordenaria a política econômica, mas também verificaria a existência de problemas pendentes e brechas institucionais.
À medida que a crise se aprofunda, vários países podem, por exemplo, se tornar insolventes. Mas ainda não temos um sistema para lidar com tais problemas.
E o sistema ancorado no dólar como moeda de reserva — espinha mestra do atual sistema financeiro global — está se debilitando. A China manifestou preocupações e o presidente de seu banco central se juntou à Comissão da ONU para pedir um novo sistema global de reserva. A Comissão entende que enfrentar este velho problema — levantado há mais de 75 anos por Keynes — é essencial para que tenhamos uma retomada robusta e estável.
Tais reformas não acontecerão de um dia para o outro. Mas não acontecerão nunca se não começarmos a trabalhar nelas agora.
Joseph E. Stiglitz é economista. © Project Syndicate.
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