Hoje, com mais clareza, posso afirmar ao leitor do Valor que estamos vivendo os últimos capítulos da crise que domina a economia americana - e mundial - há mais de cinco anos. Dois eventos recentes reforçaram essa minha percepção e tornou mais crível a observação que fiz neste espaço há alguns meses: não apostem contra o capitalismo. Em primeiro lugar, a informação de que o ajuste fiscal em curso nos Estados Unidos está sendo mais profundo do que o previsto, com o déficit no primeiro trimestre do ano reduzindo-se para 4% do PIB, em comparação aos 6% ocorrido em 2012. Nesse ritmo de ajuste, já em 2014, o desequilíbrio fiscal americano ficará abaixo dos 3% do PIB.
O presidente Obama está conseguindo fazer esse movimento com a ajuda decisiva de duas instituições de fora do governo: o Partido Republicano na Câmara dos Representantes, que fez aprovar uma Lei que obriga a redução compulsória de gastos, principalmente no orçamento da Defesa e o Federal Reserve [Fed], que com sua política monetária agressiva está permitindo que a economia cresça acima dos 2% ao ano apesar do ajuste nos gastos do governo.
Essa é a combinação dos sonhos de qualquer economista que siga o pensamento Keynesiano em situações como essa por que passa o gigante capitalista americano. As limitações políticas eleitorais, nas democracias de massa modernas, normalmente reduzem a probabilidade de se chegar a essa combinação. Por isto a importância - já percebida pelo presidente Obama - de manter a direita americana clamando por menos despesas e engessando principalmente o orçamento militar.
Neste mundo novo talvez o governo da presidente Dilma erre menos e permita que a economia saia do marasmo
O segundo evento, que reforçou o meu viés otimista, foi a mudança recente na governança de outra economia importante na cena mundial - o Japão. Depois de mais de duas décadas de uma postura política covarde em relação à deflação, a nova liderança japonesa decidiu ir à luta com todas as armas disponíveis para sair dessa armadilha. É preciso entender que isso só foi politicamente possível depois que o Fed deu o exemplo nos Estados Unidos.
Veio da ação corajosa e agressiva do Banco Central americano a legitimidade das ações recentes do Banco do Japão. Isso ficou claro na última reunião do G-"7 quando, sob pressão dos Estados Unidos, a política de combate à deflação, via emissão maciça do yen, foi sancionada pelos países mais ricos do mundo. Apenas ficaram de fora, reclamando das ações japonesas, os alemães com sua eterna fixação na hiperinflação, a China e outros países asiáticos que usaram a força do yen japonês, nas últimas décadas, como instrumento de industrialização.
A história nos ensinou que as economias de mercado criam, em intervalos variáveis, ciclos de desajustes conjunturais que acabam por interromper os períodos de crescimento e bem estar econômicos. Mas não podemos esquecer que o normal é o crescimento - e não crise e recessão - e a história nos mostra isso de maneira clara. Por razões quase sempre ligadas aos defeitos do ser humano ao lidar com as questões econômicas - ambição e ideologia sendo as mais importantes delas - algumas dessas crises se apresentam com um grau de complexidade maior. Entre estas, em função principalmente de erros de gestão da política econômica dos países centrais, algumas se transformam em situações recessivas mais graves.
Nessa verdadeira escala Richter de crises econômicas, a grande Depressão dos anos 30 figura em primeiro e destacado lugar. Afinal ela marcou o início de um desastre político de proporções gigantescas que foi o nascimento do nazismo e da Segunda Guerra Mundial.
A crise de agora tinha tudo para seguir o padrão da grande Depressão. Mas dois fatos principais evitaram que isso acontecesse. O primeiro é que a crise dos anos 30 ensinou a um grande grupo de economistas como se deve lidar com essas situações. O segundo é que, por um acidente histórico, estava no comando do Fed um especialista em situações como a vivida nos Estados Unidos a partir do colapso do mercado subprime de hipotecas. Talvez deva mencionar um terceiro fator, de natureza política, que permitiu a ação do Fed no período que se seguiu à quebra do Banco Lehman Brothers em 2008: a derrota do Partido Republicano e a eleição de um político democrata para a Casa Branca. Com esse movimento, o Tesouro americano tornou-se, na primeira fase do enfrentamento da crise, um parceiro necessário do Fed.
Por isso a importância que dou à redução do déficit americano nos últimos dois anos e a estabilização, que agora pode ser vista a olho nu, da dívida pública dos Estados Unidos. Este ajuste é que cria a ponte entre o presente e o futuro, elemento fundamental para que possamos entrar em um novo ciclo de crescimento sustentável na maior economia do mundo.
Com a economia americana deslanchando novamente tudo fica mais fácil. O crescimento chinês se consolida, criando um segundo pólo de fortalecimento da economia mundial. Se a eles adicionarmos a economia japonesa com algum grau de expansão sustentada chegaremos a um alinhamento de astros que nos levará com certeza a um novo período de dinamismo no mundo global de hoje.
Neste mundo novo talvez o governo da presidente Dilma erre menos na condução de sua política econômica e permita que a economia brasileira saia do marasmo em que se meteu nos últimos dois anos.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Fonte: Valor Econômico
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