segunda-feira, 20 de maio de 2013

Nem Eduardo, nem Marina - Renato Janine Ribeiro

Não entram aqui minhas simpatias pessoais. Mas, à fria análise, parece que, no ano que vem, a Presidência da República irá para o PT e o PSDB, sem chances para outros pretendentes. Isso pela simples razão de que só esses dois partidos se prepararam para governar o país, para exercer a hegemonia em nossa política.

Proponho sair da pequena crônica, que beira a fofoca. Sim, está difícil Marina obter as 500 mil assinaturas que viabilizariam seu partido, a Rede. Sim, interessa ao governo dificultar sua criação, e à oposição facilitá-la. Sim, o governo não quer que novos partidos ampliem seu horário na televisão, e a oposição o quer. Sim, para 2014 palanques nos Estados e minutos na TV valem muito. Sim, Eduardo Campos e Marina Silva são nomes que abrilhantam qualquer disputa eleitoral.

Mas nenhum deles representa, hoje, um projeto articulado para o Brasil.

Construir uma hegemonia política não é trivial. (Aprendi a usar esta expressão, "não é trivial", com os cientistas. Ela não quer dizer só o óbvio - que é algo difícil, exigente e que sai do usual. Quer dizer, também, algo que faz brilharem seus olhos, que eles desejam, em que apostam as fichas). O PSDB e o PT têm anos de estrada nesta tarefa. Suas trajetórias foram distintas, mas ambos dispõem de algo importante: capilaridade. Estão representados no Brasil inteiro. Têm militantes e simpatizantes em todos os municípios. Eventualmente, podem atuar por procuração, por partidos interpostos. O PMDB gaúcho já ocupou o lugar que seria o dos tucanos no Rio Grande do Sul. O antigo PFL ajudava o PSDB a captar votos à direita. Por sua vez, o PT conta com o PCdoB e outros pequenos partidos de esquerda, e contou com o apoio ou a intermediação do PSB para aumentar seus eleitores. Mas a liderança dos dois partidos que nos deram os três mais recentes presidentes da República é inconteste.

É claro que aí alguém perguntará: e o PMDB? Está em toda a parte. Sua capilaridade é a mais longeva que temos. Mas não basta deitar raízes pelo Brasil inteiro. É preciso - além disso - ter propostas. Os dois partidos hegemônicos têm o que dizer, concretamente, a qualquer grupo social ou político do País. Outros, não. Podem usar seus votos populares e suas bancadas para negociar o poder. Não conseguem, porém, disputá-lo. O PMDB é o gigante de nossos pequenos partidos. Tem capilaridade porque renunciou a ter projeto - ao contrário de PT e PSDB que, sem projetos, perderiam os cabelos. Nossa política se assenta neste sábio tripé: dois partidos amplos com projetos, que disputam o poder, mais um partido amplo sem projeto e que dá governabilidade ao vitorioso.

A construção dos dois partidos tomou tempo. O PT foi mais demorado. Nasceu em 1981, começou com poucos deputados, em 1989 já disputava a presidência da República mas só chegou a essa esfera de poder aos 21 anos, em 2002. O PSDB foi mais rápido. Criado em 1988, em 1994 já elegia o presidente do Brasil. Compreende-se. O Partido dos Trabalhadores representava uma iniciativa diferente, praticamente inédita, até em termos mundiais: quantos são, hoje, os grandes partidos trabalhistas, empenhados em mudanças sociais maiores e que não sejam marxistas? O Labour Party britânico se moderou, o Partido do Congresso indiano não é essencialmente dos trabalhadores. Num país conservador, em que nos primeiros anos da Nova República eram frequentes crimes contra trabalhadores do campo, o PT teve uma dura missão. Ainda mais porque o PSDB dava todos os sinais de que sempre venceria, em capilaridade, o PT. Era surpreendente como, no governo FHC, o partido do governo tinha um discurso, um projeto para praticamente cada grupo social - enquanto o PT falava a poucos, dos inúmeros setores em que se divide a sociedade. Hoje, parece que se inverteu a situação. O melhor exemplo disso é a recente cooptação do campeão da pequena empresa, velho adversário do PT, parceiro dos tucanos no governo do Estado mais rico do país, pelo governo federal. Um ano atrás, por sinal, eu dizia nesta coluna que o empreendedorismo, que deveria ser uma causa importante de um novo liberalismo, estava em mãos do PT. Pois é. Um novel aliado do PT vai lidar com o projeto de espirito empreendedor para todos. O desafio de Aécio é recuperar a capilaridade, com proposta, que o PSDB teve, em tempos de Fernando Henrique.

Há riscos num presidente sem partido forte, sem capilaridade? Collor que o diga; ou melhor, o Brasil, que viveu os resultados negativos de sua eleição. Foi um pleito solteiro, em que o desconhecido governador de Alagoas pôde aparecer em sucessivos programas eleitorais e granjear, do nada, grande popularidade. Hoje, já não há eleição solteira. Elas se dão em dois lotes, um presidencial-estadual, outro municipal. Não há como disputar a presidência sem se aliar a candidatos ao Congresso e aos governos estaduais. Isso requer capilaridade. Isso fortalece as instituições. Podemos ter um sistema eleitoral difuso e até confuso, mas ele restringe a disputa presidencial a quem tenha, se vitorioso, condições de governar. O que não está errado. Pois, sem alianças políticas, sem parceiros claros na sociedade, como se há de governar? É essa a dificuldade de Eduardo Campos e Marina Silva. A diferença, hoje, é que essa dificuldade, em vez de prejudicar o futuro governo de um deles, já prejudica suas candidaturas. Estar bem espalhado pelo país e ter o que dizer ao país todo. Ter cabelos longos (e ideias também longas) é condição para se eleger, não só para governar. Precisarão ainda comer muito feijão, Eduardo e Marina, para se tornarem competitivos.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

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