O que inviabiliza o sucesso da política econômica é o fantasma da inflação. Vitimou a política econômica na fase FHC, não deixou aproveitar melhor o surto de crescimento internacional de 2004 a 2008 na fase Lula, frustrou o crescimento na primeira metade da fase Dilma e ameaça sua última metade.
É o medo que domina o governo de que a inflação se eleve e saia do controle, com a volta da hiperinflação ocorrida até 1994.
A inflação atinge a todos, reduzindo o poder de compra, e é mais cruel para as camadas de menor renda, que têm menos condições de se defender da alta de preços.
Portanto, seu enfrentamento é prioridade de qualquer governo. Mas como enfrentá-la?
A falsa solução. O pensamento dominante é o uso da Selic como o remédio para conter a inflação, mesmo sendo hoje a mais alta do mundo junto com a Índia e, se ocorrer nova elevação, quando nenhum país aumenta juros desde setembro, essa aberração será maior. A pesada conta desse aumento é paga pelo contribuinte.
Existem políticas adequadas para enfrentar a inflação, como: a) a desoneração de produtos de consumo popular; b) redução e controle dos preços monitorados pelo governo; c) encarecimento do crédito por medidas macroprudenciais; d) estímulos à oferta por empréstimos com melhores condições e; e) controle de preços dos insumos no início das cadeias produtivas.
É mais provável que uma elevação da taxa Selic prejudique mais a oferta do que a demanda, pois onera as empresas no custo financeiro e no capital de giro, o que pressiona preços, e não mexe na demanda, pois o alto spread bancário anula a eficácia da política monetária, fazendo com que a alteração da Selic pouco efeito tenha sobre a taxa de juro da economia, a do tomador.
Outro argumento usado é que o Banco Central (BC), ao usar a Selic, orienta as expectativas dos agentes econômicos para a fixação dos preços. Esse argumento perde força ante a prática consolidada de que as expectativas são formadas pelo comportamento da inflação passada.
Além disso, segundo o BC, uma alteração da Selic leva de seis meses a um ano para surtir efeito. Nesse período, tanta coisa pode acontecer que torna impossível caracterizar o eventual efeito, especialmente quando se considera, como mencionado, o elevado spread bancário.
Determinantes do IPCA. Estatisticamente, a inflação medida pelo IPCA pode ser obtida pela expressão: IPCA= 36% C + 40% N + 25% M, onde: "C" são os itens comercializáveis, "N" os não comercializáveis e "M" os monitorados pelo governo. Vamos a eles.
Comercializáveis. São todos os bens sujeitos à concorrência externa. A evolução dos seus preços depende do mercado internacional, que desde a crise de 2008 passa por acirrada concorrência. Nos últimos dois anos, esses preços ficaram no centro da meta de inflação, de 4,5%. Há de reparar que, desde meados do ano passado, o IPCA sem os alimentos gira por volta de 4% (!), abaixo, portanto, do centro da meta.
O vilão são os alimentos in natura, que cresceram nos últimos doze meses 55% (!), quando nos doze meses encerrados em março do ano passado tinham tido deflação de 5,3% (!).
Não comercializáveis. Os serviços integram majoritariamente esse grupo e não estão sujeitos à concorrência externa. De 1997 até 2004 evoluíram abaixo da inflação, com média anual de 4,7%. Apartir de 2005, passaram a ser o vilão da inflação, com crescimento médio anual de 6,8%. A razão é maior demanda que oferta de serviços pelo acelerado crescimento da classe C.
Para conter os preços no curto prazo, alguns, inclusive economistas não ortodoxos, defendem a política suicida de elevar o desemprego. Lamentável! Se aumentar o desemprego, o resultado seria certamente a estagnação, com graves repercussões sociais.
Enquanto não aumentar a oferta de serviços, atraída pela procura em expansão, não será possível evoluir os preços dos não comercializáveis abaixo do centro da meta de inflação.
Monitorados. Esses preços evoluíram acima da inflação desde 1995 até 2006, com média anual de 13,9% (!). A sociedade teve de aguentar isso, que é um subproduto da privatização malfeita, com elevação forte de tarifas.
Naquele período, os preços monitorados foram o vilão da inflação. A partir de 2007 tiveram crescimento médio anual de 3,8%, agindo como freio à inflação. O que mais contribuiu para isso foi a Petrobrás, sacrificada para conter a inflação, subsidiando os preços dos combustíveis.
Com isso, o governo fragilizou a empresa, ignorando seus objetivos estratégicos e ainda a obrigou a compras com forte conteúdo local e participação de 30% nos investimentos em parceria no pré-sal. A crítica não é nos objetivos que foram determinados pelo governo à empresa, mas à inviabilização de atingi-los pela política desastrosa de preços imposta.
Câmbio. É, há vários anos, o principal inimigo da competitividade das empresas e responsável pelo crescente e ameaçador rombo nas contas externas. Enquanto nos países que comandam o comércio internacional há luta feroz pela desvalorização cambial de suas moedas, a qui se dorme no berço esplêndido, mantendo artificialmente valorizado o real, com medo da inflação.
Interessante observar que o produto importado procura penetrar o mercado ajustando seu preço. Assim, caso o governo resolva posicionar o câmbio em R$ 2,40, desvalorizando o atual em 20%, o exportador para o Brasil pode reduzir o preço em dólares caso tenha margem para isso. Como os preços aqui são elevados em relação a outros países, é provável que isso possa ocorrer, dada a superoferta internacional. E, nesse icaso, a inflação não ocorreria. Prova é que, em 2011, o câmbio médio foi de R$ 1,67 e a inflação, de 6,5%. Em i2012, o câmbio médio foi de R$1,96, desvalorizando 16,7%, mas a inflação, em vez de subir, caiu a 5,8%.
Controle na nascente. Creio que vale discutir e clarear os preços dos insumos praticados pelas empresas que estão no início das cadeias produtivas. Se estiverem acima do nível internacional, contaminam todos os preços da economia, geram preços mais elevados e eliminam a competitividade das empresas a jusante. Será que não está aí o problema central dos preços elevados do País? Não tenho resposta, mas vale clarear.
Caso haja preços acima do nível internacional para os insumos a montante das cadeias produtivas, medidas como desoneração desses insumos, aliada com redução/eliminação do Imposto de Importação de seus concorrentes, devem ser feitas imediatamente e, caso ainda persistam preços acima do internacional, como último recurso, o controle de preços desse insumos.
É necessário não se deixar levar pelo fantasma da inflação nem cair no falso remédio da alta da Selic. As alternativas de enfrentamento da inflação permitem melhor articulação e eficácia no seu controle, sem danos às empresas e à sociedade. É preciso usá-las e romper com o samba de uma nota só da Selic.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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