quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Maduro aperta o cerco aos partidos de oposição: Editorial/Valor Econômico

A caminho de ser bem-sucedido na total exclusão da oposição doméstica do jogo democrático, o governo de Nicolás Maduro investe contra a diplomacia de países que não concordam com seus princípios autoritários. Sem qualquer aviso prévio, o embaixador brasileiro em Caracas, Ruy Pereira, foi considerado "persona non grata" pela presidente da Assembleia Constituinte venezuelana, Delcy Rodríguez, e não pode mais por os pés no país. Delcy disse que o rompimento seria mantido até que o Brasil restaurasse a normalidade constitucional - para ela, o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe.

Assim que soube do ato de Delcy e antes de declarar reciprocidade, aplicando a mesma medida ao encarregado de negócios venezuelanos no Brasil, Gerardo Maldonado, o Itamaraty emitiu nota em que ressalta corretamente a "falta de disposição para qualquer tipo de diálogo" do governo de Maduro. Os pontapés desferidos no Brasil foram dados sem motivos, em um momento inoportuno, quando há mais uma tentativa de negociação entre o governo e os partidos de oposição na República Dominicana.

Todas as ações conciliatórias acenadas por Maduro são sucedidas por atos que desmentem cabalmente suas intenções. Na semana passada, a Assembleia Constituinte decidiu simplesmente extinguir a prefeitura metropolitana de Caracas, ainda em mãos de opositores. O prefeito Antonio Ledesma foi destituído e preso em 2015.

A investida contra a oposição foi intensificada. Após as eleições para os Executivos estaduais, que deram ampla vitória aos governistas e foi boicotada pela maioria dos partidos de oposição, o governo havia indicado que cogitava impedir as legendas que não concorreram de participar na eleição presidencial, até agora sem data marcada. Com idêntica presteza, a Assembleia Constituinte, na semana passada, declarou a ilegitimidade dessas agremiações - Ação Democrática, Primeira Justiça e Vontade Popular. Com a perda do status legal, os partidos terão de se reinscrever no Conselho Nacional Eleitoral, inteiramente fiel ao governo, e não há motivos para crer que terão melhor sorte.

Maduro concorrerá à reeleição em 2018, mas vários dos líderes mais populares da oposição, incluindo Henrique Capriles, que quase o derrotou no último pleito, em 2016, não poderão enfrentá-lo nas urnas, por terem sido alvo de condenações tendenciosas da Justiça. Há fatídica coerência nos atos de Maduro. Depois de extinguir o poder dado pelo voto à Assembleia Nacional, na qual os opositores conquistaram maioria absoluta, Maduro pôs de pé uma Assembleia Constituinte fantoche para substitui-lo. Agora, liberta-se finalmente das urnas ao promover, ao que tudo indica, uma eleição no velho estilo soviético, em que será sagrado por ampla maioria forjada para mais um mandato.

O Brasil e os demais países do Mercosul afastaram a Venezuela do bloco e não hesitaram em apontar violações ao regime democrático. No entanto, continuam apoiando, com inevitável ceticismo, as tentativas de diálogo entre governistas e oposição. O Brasil insiste em que o governo bolivariano aceite ajuda humanitária para a grave crise de escassez de alimentos e remédios pela qual o país passa, proposta recebida com indiferença no Palácio Miraflores. O embaixador Ruy Pereira havia retornado ao posto especialmente porque ainda possuía trânsito nos círculos de poder e na oposição, e poderia desempenhar algum papel mediador entre os dois países.

Ao ser alvejado pela Assembleia Constituinte, o Brasil perde a possibilidade de influir diretamente sobre o regime bolivariano, ao mesmo tempo em que cresce o número de venezuelanos que cruzam a fronteira brasileira em busca da simples sobrevivência.

O governo incompetente de Maduro busca ganhar tempo, enquanto o país afunda em uma espiral de fome e hiperinflação. O preço do petróleo, a única riqueza venezuelana, subiu 20% em 2017, o que quase zerou o déficit comercial do país, já contido a fórceps pela queda vertiginosa das importações. O resultado é importante diante das estagnadas reservas, de US$ 10 bilhões. É preciso fazer fortes correções no modelo econômico, mas não há a menor chance disso ocorrer no atual governo, que quer se perpetuar no poder e transformar o país em uma imponente ruína.

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