- Valor Econômico
Despesa cadente com juros pode permitir esforço fiscal menor
Mais do que acalmar os mercados e deixar para trás a Grande Recessão, nos últimos trimestres a economia retomou o crescimento. Persiste entre os analistas, porém, o consenso de que, se o Congresso Nacional não aprovar medidas como a reforma da Previdência, que ajudem a reequilibrar as contas públicas de forma estrutural, o país voltará a enfrentar crises. Por outro lado, há novidades que podem diminuir o esforço fiscal exigido originalmente.
O estrago realizado nas finanças públicas pode ser resumido assim: o resultado primário (que não inclui a despesa com juros) da União, Estados e municípios caiu 4,6 pontos percentuais do PIB entre 2011 e 2017 - de superávit de 2,94% do PIB em 2011 para déficit de 1,69% em 2017, sendo que em 2016 déficit atingiu 2,49% do PIB.
Não se deve subestimar o efeito da recessão prolongada nesse resultado, mas, por outro lado, é preciso lembrar que a economia desandou justamente porque o governo, sob o comando de Dilma Rousseff (2011-2016), aumentou o gasto corrente de maneira inconsequente. Trata-se de um círculo vicioso: Brasília eleva a despesa para frear a suposta desaceleração da economia; por causa disso, o gasto supera a arrecadação e a dívida pública cresce porque o governo precisa de dinheiro para honrar as obrigações; a poupança privada disponível (que financia empresas e governo) diminui e a taxa de juros dos títulos públicos se eleva, provocando alta generalizada dos juros da economia; com isso, as companhias cortam investimentos, as famílias consomem menos e o desemprego escala; diante disso, a arrecadação de impostos se contrai, agravando o déficit público; para enfrentar o problema, Brasília, que lá no início da quadrilha (no sentido drummondiano da palavra) tomou a decisão errada de gastar sem poder, aumenta os impostos para... cobrir o rombo!
Impressionante que ainda haja brasileiros acreditando na ideia de que a solução dos problemas do país esteja no Distrito Federal. Não se produz nada em Brasília, a não ser más ideias - o comentário hiperbólico não é um desrespeito aos brasilienses, mas uma advertência a quem ainda não entendeu a máxima: Brasília não conhece São Paulo e São Paulo, muito menos Brasília.
Capital federal insulada, Brasília é povoada majoritariamente por funcionários públicos. Estes são o setor da sociedade mais próximo do centro do poder, dos legisladores e da instância máxima da Justiça. Isso faz deles o grupo de defesa de interesses específicos mais forte do país. Não se trata de demonizá-los (o titular desta coluna é de uma família de funcionários e se orgulha disso), mas de alertar para uma situação que está na origem dos problemas nacionais.
À medida que Brasília envelheceu, sendo o serviço público sua principal atividade econômica, a burocracia desenvolveu uma característica autóctone, que a distancia cada vez mais do restante do Brasil - do chão da fábrica, dos mercados, das favelas, principalmente, de quem necessita mais do governo.
Muito desse caráter autóctone explica a rigidez do gasto público. A vinculação constitucional, por exemplo, de um percentual das receitas da União a gastos com saúde e educação decorre da força da burocracia. Antes de atender às necessidades da população nessas áreas, fundamentais para a emancipação dos pobres em qualquer sociedade, a vinculação, indutora de níveis alarmantes de ineficiência no setor público, é uma das principais bandeiras do funcionalismo.
É por isso que os funcionários são contrários à redução da carga tributária e da despesa. Eles criam enormes dificuldades para o empreendedorismo e a livre iniciativa; desconfiam sempre do lucro, ignorando que é de lá que sai a riqueza que gera renda, investimento e emprego. Esses conceitos são caros à esquerda, que, ao coadunar com o funcionalismo, se distancia daquela que seria sua principal bandeira: a distribuição de renda. Estabilidade dos servidores no emprego, aposentadoria integral ou quase integral, férias de dois meses de juízes e procuradores, vinculação do piso da Previdência Social ao salário mínimo, existência de quase 150 estatais, entre outros anacronismos, são aspectos que reforçam a rigidez.
Para os analistas, a atual equipe econômica avançou em várias questões, mas não conseguiu mudar o status quo da rigidez do gasto - daí, a ênfase no corte de subsídios, principalmente, do creditício. A recuperação da economia, ainda que lenta, melhorou a arrecadação, mas em ritmo muito inferior ao do boom de 2004-2010. Isso faz com que se projete trajetória explosiva para dívida pública bruta, que saltou de 51% do PIB em 2011 para 75% do PIB em fevereiro de 2018.
Essa realidade exigirá esforço gigantesco da sociedade nos próximos anos, do contrário, o país viverá em crise. Um aspecto, todavia, pode atenuar o desafio fiscal: a queda da taxa de juros neutra, isto é, do nível de juros necessário para estabilizar a inflação e, ao mesmo tempo, permitir que a economia cresça.
Raramente se viu a inflação no Brasil cair e se manter em níveis tão baixos como agora. Isso permitiu ao Banco Central reduzir os juros também de forma inesperada - a taxa Selic está em 6,5% ao ano e pode ter mais dois cortes. Com isso, a taxa neutra real (descontada a inflação) pode recuar de 5% a 6% para 3% a 3,5% ao ano - neste momento, está em 2,5%, o que significa que a política monetária do BC é expansionista.
Daria para fazer a seguinte conta: num cálculo extremamente simplificado, juros reais de 6% sobre uma dívida de 70% do PIB geram despesa de 4,2% do PIB. Supondo-se, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre-FGV, que o PIB cresça 2% ao ano em termos potenciais, é preciso um superávit primário de pelo menos 2% do PIB, aproximadamente, para estabilizar a dívida como proporção do PIB.
Ora, como hoje se projeta déficit primário em torno de 2% do PIB para 2018, há uma distância de quatro pontos percentuais do PIB a percorrer, entre cortes de gastos e aumentos de receitas, para frear a dinâmica explosiva da dívida, observa Schymura, que trata do tema na próxima Carta de Conjuntura.
Espera-se que o juro real neutro possa ficar em torno de 3%. Portanto, um superávit primário de apenas 1% do PIB seria suficiente para evitar a explosão da dívida. "Neste cenário, o 'gap' de resultado primário poderia estar em torno de 2% do PIB, algo que poderia ser preenchido quase que plenamente pela recuperação cíclica da economia e da receita tributária", prevê Schymura.
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