Fechou-se à meia-noite da sexta-feira passada a chamada janela partidária, lapso temporal em que parlamentares têm autorização legal para praticar a infidelidade partidária e a aberta traição a seus eleitores sem o risco de perder os mandatos. Cerca de 80 dos 513 deputados – ou seja, 16% da composição total da Câmara dos Deputados – aproveitaram-se dessa indecência para mudar de partido, de acordo com levantamento oficial.
A possibilidade de um parlamentar trocar de partido durante o exercício de seu mandato eletivo é uma subversão da democracia representativa consagrada pela Constituição. A filiação partidária é uma das condições de elegibilidade determinadas pela Lei Maior. Ao votar em um candidato a cargo proporcional, o cidadão está votando também na legenda à qual ele está filiado e nos valores que ela representa. A despeito da gelatina ideológica que caracteriza a maior parte dos 35 partidos registrados no TSE, trair essas legendas no meio do mandato é também trair a escolha dos eleitores.
O idealizador da janela partidária diz muito sobre os fins a que se presta a artimanha: o deputado cassado Eduardo Cunha, que está preso preventivamente desde outubro de 2016 por ordem do juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância de Curitiba.
A abertura de uma janela de imunidade para que os parlamentares possam trocar de partido sem sofrer qualquer punição foi pensada para acomodar interesses dos próprios congressistas, não da sociedade que representam. É difícil imaginar que as tratativas para a concretização de uma mudança de legenda sejam pautadas por questões de afinidade ideológica ou programática. Estão mais próximas de arranjos que têm por objetivo beneficiar tanto os parlamentares que buscam partidos que lhes ofereçam melhores condições materiais de obter novos mandatos como as próprias legendas, sempre interessadas em aumentar suas bancadas para daí auferir ganhos na distribuição dos recursos do Fundo Partidário e, agora, do famigerado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), já que um dos critérios para a divisão dos recursos é a proporção de representantes de cada partido no Congresso Nacional.
A janela partidária já é uma excrescência de nosso sistema político. O resultado do troca-troca, em especial, é mais uma evidência, entre tantas outras, do alheamento dos membros do Poder Legislativo aos anseios da sociedade que os elege como representantes.
Não pode ser interpretado de outra forma o fato de PT, PP e MDB terem sido os partidos que saíram mais fortalecidos da janela partidária deste ano. São os partidos que estão na raiz do petrolão, o mais aviltante esquema de corrupção de que se teve notícia no País, repudiado pela grande maioria da população brasileira, que não está cegada pelo ardor da militância acrítica.
Concluídas as trocas, a maior bancada na Câmara dos Deputados, pasme o leitor, é a do PT, com 55 parlamentares. Ainda que o MDB tenha sido a legenda que mais perdeu deputados em número absoluto – são 14 a menos –, termina como a segunda maior bancada da Casa, com 54 representantes. Mesmo número de deputados terá o PP, partido que integra o chamado “centrão”, grupo suprapartidário moldável, do ponto de vista ideológico, ao sabor das conveniências de seus integrantes. O nanico PSL, que tinha apenas três representantes, triplicou sua bancada, passando a ter nove deputados, interessados na campanha de Jair Bolsonaro à Presidência pela legenda.
A bem do interesse público e da saúde de nossa democracia, a possibilidade de troca de partido durante o exercício de mandato eletivo deve voltar a ser vedada, sob pena de perda do mandato. Ela existe porque os partidos são incapazes de atrair cidadãos que simpatizem com seus programas e contribuam para o financiamento das campanhas de seus candidatos. Sem isso, estes dependem exclusivamente de recursos públicos e, para aumentar seu quinhão, fazem pouco-caso da coerência e, menos ainda, da decência.
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