- Folha de S. Paulo
Juro baixo deve obrigar poupador a buscar rentabilidade no setor privado
Apareceu uma pequena novidade na economia. Como se viu na semana que passou, o Banco Central insinuou que a taxa básica de juros deve ficar abaixo de 5% ao ano ainda no final deste 2019 (em julho, estava em 6,5%). Descontada a inflação (em termos reais), a taxa deve ficar abaixo de 1% ao ano.
E daí? Parece ninharia.
Não é bem assim, embora seja difícil prever os efeitos de uma taxa historicamente baixa em uma economia historicamente deprimida e que deve ser muito diferente daquela que mal e mal conhecíamos em 2014. De qualquer modo, embora o país não vá sair da lama, que ainda está pela altura do nariz, talvez volte a respirar pela boca.
Para ser menos abstrato, o novo nível da taxa de juros deve dar um impulso adicional ao investimento em imóveis residenciais, por exemplo.
A atividade vem crescendo cada vez mais rápido desde o início do ano, melhora notável nas vendas, nas concessões de crédito e nas licenças de construção.
Donos e administradores de dinheiro grosso e poupadores em geral terão de procurar rentabilidade para seu patrimônio financeiro.
Terão de procurar alternativas quase sempre de maior risco (o que inclui aplicações de prazo mais longo).
O que farão os fundos de previdência privada e as seguradoras?
Um exemplo da vidinha cotidiana da minoria remediada ou relativamente rica ajuda a ilustrar a situação, que já deve estar óbvia para quem examina seus extratos de banco ou de corretora.
Esses fundos de banco mais comuns, “de renda fixa”, já rendem quase nada, no melhor dos casos (daqueles fundos com taxa de administração de 1%).
Daqui em diante, vão render mesmo nada ou um pouco menos do que isso, em termos reais: essa aplicação mal vai proteger o dinheiro da inflação.
A fim de conseguir 2% ao ano líquidos, em termos reais, seria agora necessário comprar títulos do Tesouro Direto de cinco anos (é só um exemplo, não uma recomendação).
Conseguir rendimento maior será empreendimento mais arriscado —empreendimento é a palavra que interessa.
É possível que, aos poucos, mais fundos (mais poupança) sejam dedicados ao financiamento de médio prazo de empresas e a imóveis e também para ações.
Isso em tese e desde que seja atenuada a expectativa permanente de tumulto ou desastre em que o país vive desde 2015, para não dizer 2013.
Há outros mistérios mais complicados.
Desde a saída da crise, o brasileiro tem poupado mais (mesmo que para abater dívida).
Em relação a meados de 2014, quando o país começava a afundar na recessão, a massa dos rendimentos do trabalho cresceu 3%. O consumo de varejo, porém, ainda é quase 3% menor.
Trata-se apenas de uma fase, de abatimento de dívidas ou de medo do risco de desgraça econômica iminente, pois o país não sai da lama?
A reforma da Previdência, que vai obrigar quase todo mundo a trabalhar mais e a se aposentar com menos, vai incentivar a poupança?
No curto prazo, o assunto de quem poupa vai ser escapar da rentabilidade zero ou quase.
A dúvida então é saber se (ou o quanto) empresas e candidatos a empreendedores vão se animar com essa oferta de dinheiro algo mais barato.
Por vezes, economias deprimidas têm dificuldade de se levantar da cama mesmo com muito remédio monetário, juro baixo. O desgoverno Jair Bolsonaro aumenta o desânimo, de resto.
Ainda assim, é uma novidade que se possa discutir a hipótese de uma pequena melhora no curto prazo (no ano que vem).
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