- Folha de S. Paulo
Veremos quem no Supremo está à altura desse nome e da complexidade do país
Dias Toffoli revela-se um ministro perdido em distrações. Tomara que seja isso, para não ser algo pior.
Nunca viu Jair Bolsonaro “atuar em ondas de ódio, pelo contrário”. Continua, até hoje, sem saber de coisas como “vou acabar com os petralhas” e “no meu governo, oposição vai pra cadeia ou pra fora”.
Não viu o endosso de Jair à proposta indireta de Carlos, ambos em público, de que “a democracia atrasa as reformas”. Na advertência “ainda não usei a borduna”, de Bolsonaro, não viu mais do que “retórica”.
Tamanho desencontro com a altivez da presidência do Supremo só faz duvidar de que o tribunal “sempre decidirá em favor da democracia, da liberdade de expressão e do respeito às instituições”.
O problema é que, antes de depender do Exército, o que ainda há do Estado de Direito depende sobretudo do Supremo. Até aqui, Dias Toffoli tem empurrado para incerto futuro várias decisões influentes no rumo dessa pequena democracia. Empurrões que adiam sem resolver.
Na bem-feita entrevista a Miriam Leitão (GloboNews), quando deu aquelas e outras não respostas, o próprio Dias Toffoli expôs a beira de precipício em que o Supremo está. Logo, estamos também, em nossa angustiante dependência daquelas 11 pessoas a quem fomos entregues.
Toffoli tanto expôs como se expôs. Em recente decisão, a Segunda Turma do Supremo anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil: a sentença condenatória foi emitida sem que o réu se defendesse das acusações mais recentes, o que configurou a negação de um direito fundamental.
A mesma ausência de palavra final do acusado se deu em vários processos da Lava Jato, com sentenças de Sergio Moro.
Diz Toffoli que o julgamento de um desses casos, previsto para novembro, “seja qual for a decisão”, vai assegurar que “o processo seja feito sem risco de uma eventual anulação no futuro”.
Ainda assim, o Supremo estará no centro de gorda polêmica. E o Estado de Direito também.
Em temas da crise política, a maioria dos 11 ministros tem se curvado à opinião das camadas bem situadas da população. Se não o fizer mais uma vez, como a Segunda Turma não fez, condenações da Lava Jato serão anuladas e alguns serão soltos, se presos sem outros processos ou sentenças.
A reação dos que se importam com as condenações como fim, e não com meios ilegais de obtê-las, é esperável como fato, não é previsível na dimensão que dependerá da “mídia”.
A decisão de aceitar o caso Bendine como único, e dar como válidas as demais sentenças antecipadas, derrubaria o preceito fundamental de que “ninguém será condenado sem o pleno direito de defesa”.
O que só é garantido se a cada acusação, até a última, for dada a oportunidade de defesa. Se esse direito se esvai, é o Estado de Direito que perde um componente vital. É uma despedida da democracia —sonho e sofrimento.
Nesse e nos demais julgamentos problemáticos, o regime estará em jogo. Sem as garantias a que Dias Toffoli não correspondeu.
Veremos quem no Supremo está à altura desse nome e da complexidade a que o país foi lançado, pelos aventureiros do impeachment e pelos ambiciosos do pré-sal.
LEIA LIVRO
Os escritos do historiador José Murilo de Carvalho sobre a relação, ou a falta de, entre os militares e a política vêm de longe, em crescente qualidade de percepção e de formulação.
Mais do que reedição revista, “Forças Armadas e Política no Brasil” (ed. Todavia) traz uma atualização valiosa, com capítulo próprio, e dois textos novos à altura dos antecessores.
Outro livro muito adequado para os esforços da nossa perplexidade. Tanto mais que recomendado pela muito recomendável historiadora Heloisa Starling.
Nenhum comentário:
Postar um comentário