- O Globo
Bolsonaro já ameaçou tirar o Brasil da ONU. É difícil que ele repita a bravata na terça, mas seu discurso pode agravar o desgaste do país no exterior
Em agosto de 2018, Jair Bolsonaro expôs sua visão particular das Nações Unidas. “Não serve para nada a ONU. É um local de reunião de comunistas”, afirmou. Em visita à Academia Militar das Agulhas Negras, onde assistiu a uma formatura de cadetes, o então candidato fez uma promessa: “Se eu for presidente, saio da ONU. Não serve pra nada essa instituição”.
É difícil que ele repita a bravata na terça-feira, quando debutará na Assembleia Geral. Mesmo assim, seu discurso tem potencial para agravar o desgaste do Brasil no exterior.
No último dia 11, o chanceler Ernesto Araújo ofereceu uma palinha do que pensa o governo. Em visita a Washington, ele esbravejou contra o “globalismo”, o “climatismo” e uma penca de pensadores mortos, como Jacques Lacan e Michel Foucault. Incluiu na lista a filósofa Rosa Luxemburgo, fuzilada por milícias de extrema-direita há exatos cem anos.
Em outra passagem, Araújo criticou os vegetarianos e disse que se vê num “apocalipse zumbi”. É como se sentem diplomatas mais experientes diante do Itamaraty da “nova era”.
“O Brasil tem um patrimônio diplomático construído ao longo de décadas. Agora ele está sendo posto a perder por uma guinada radical à extrema direita”, diz o embaixador aposentado Roberto Abdenur.
Ele se diz apreensivo com a estreia de Bolsonaro na ONU. “Estou muito preocupado com o discurso, porque temo que ele opte por uma linha de confrontação. Está se configurando um panorama muito negativo para o Brasil, que pode resultar em graves prejuízos políticos e econômicos”, alerta.
Com medo de protestos, o presidente já cancelou uma viagem a Nova York. Desta vez, terá que enfrentar os descontentes com a sua política antiambiental. Eles são cada vez mais numerosos: na sexta, a Greve Global pelo Clima tomou as ruas de 150 países. Os incêndios na Amazônia foram lembrados em dezenas de idiomas.
Amanhã, a ONU promoverá uma cúpula especial sobre a crise climática. Com a credibilidade em baixa, o Brasil não foi incluído entre as 60 delegações que usarão a palavra. Melhor assim. Um discurso negacionista causaria ainda mais desgaste à imagem do país.
Na quinta passada, Bolsonaro mostrou que não está alheio ao que o espera. “Tá na cara que eu vou ser cobrado”, admitiu, referindo-se à grita internacional contra as queimadas.
O presidente prometeu que “ninguém vai brigar com ninguém”, mas insistiu na tese de uma conspiração mundial contra o Brasil. “Vou enfrentar as críticas, vou enfrentar os chefes de Estado dos países que estão nessa campanha”, desafiou.
O embaixador Abdenur sugere que ele adote um tom menos belicoso. “O Brasil precisa se mostrar aberto ao diálogo com outros países. Existe uma preocupação legítima com a Amazônia, com a questão indígena e com os direitos humanos”, observa.
Essa preocupação não é coisa de “comunistas”, como sugere o presidente. Na última semana, 230 fundos de investimento pediram ao governo que adote medidas eficazes para proteger a Amazônia. Eles administram uma fortuna estimada em R$ 65 trilhões, cerca de dez vezes o PIB do Brasil.
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