- O Globo
Apesar de todos os sinais em sentido contrário, este governo ainda pode dar certo. Não será fácil, é verdade, já que o presidente precisa seguir sem demora algumas orientações fundamentais, e como se sabe ele detesta orientações. A primeira e mais urgente premissa é interromper imediatamente o discurso belicoso da campanha que o levou para dentro do Palácio. Pode parecer simples, porque para isso basta uma decisão pessoal, mas não é para Bolsonaro, que passou toda sua vida parlamentar em permanente estado de guerra.
Outra medida vital é suspender a litigância com Supremo e Congresso. Em conflitos entre Poderes ninguém ganha. Em seguida, o governo deve se apoiar em seus bons ministros, como Paulo Guedes, Tereza Cristina e Tarcísio de Freitas. E se livrar o quanto antes de encrenqueiros como Abraham Weintraub e Ricardo Salles. Alguém falou de Ernesto Araújo, mas este pode ficar, porque se o presidente mudar seu discurso, ele se adapta rapidamente.
Para seu governo funcionar e tocar a pauta com a qual foi eleito, o presidente precisa calar seus filhos. E os filhos devem entender que calados ajudam muito mais ao pai do que falando besteiras pelos cotovelos. Não significa impedi-los de fazer política, claro que não. Este é um direito que lhes cabe, como a todos os brasileiros. Mas que se limitem à política partidária, uma vez que não têm amparo legal, autoridade ou competência para fazer política de governo.
É recomendado ainda que o presidente use a internet e as redes sociais de maneira ajuizada e de modo positivo. As redes podem ajudá-lo a governar e a atrair simpatizantes para seus programas. Do jeito que as tem usado, ele mantém aglutinados apenas os que jamais se dispersariam, e afugenta a maioria dos que um dia se posicionaram ao seu lado. Alguns auxiliares no Planalto dizem que ele age como uma galinha, que cisca para fora, e acham que ele ciscaria para dentro se usasse o Twitter de maneira inteligente.
Bolsonaro também deve controlar suas crises de ciúmes. Seria bom se ele entendesse que seu governo ganha quando um ministro ou um outro auxiliar mostra brilho próprio, destaca-se e apresenta resultados. O líder mais inteligente é o que consegue se cercar de auxiliares ainda mais inteligentes do que ele. Essa é uma das melhores receitas para o sucesso, e foi com ela que o sociólogo Fernando Henrique construiu o Plano Real, o mais bem sucedido plano econômico da História do Brasil.
Do outro lado, ajudaria também se as pessoas deixassem de sentir que o fim do mundo está chegando. O jornalista Tonico Ferreira me mandou a seguinte frase que separou do livro “21 lições para o século XXI”, de Yuval Noah Harari: “O primeiro passo é baixar o tom das profecias apocalípticas e passar de uma postura de pânico para uma de perplexidade. O pânico é uma forma de prepotência. Deriva da sensação pretensiosa de que sei que o mundo está indo ladeira abaixo. A perplexidade é mais humilde e, portanto, mais perspicaz”.
Verdade, há muita gente em pânico, mas a maior parte do país está apenas perplexa diante de um governo que esbraveja mais do que opera. Mesmo com o modo pânico em off, por vezes é muito difícil, inclusive para aqueles que querem apoiar o governo, encontrar motivação para isso. Só o presidente é capaz de mudar esse estado de espírito. Cabe a ele decidir como governará e se de fato governará. Se não mudar, esse será conhecido como o desgoverno Bolsonaro.
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