• Fique em casa – Editorial | O Estado de S. Paulo
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez o que se espera de um gestor público responsável e estendeu até o dia 22 deste mês a quarentena decretada no Estado para conter a expansão desenfreada dos casos de covid-19. Permanecem abertos apenas os estabelecimentos que prestam serviços essenciais, como supermercados, postos de combustíveis e farmácias. Bares e restaurantes só podem funcionar com serviço de entrega em domicílio. Não há qualquer razão a justificar outra decisão que não a tomada pelo governo paulista. De acordo com as autoridades sanitárias, o País ainda não atingiu o pico de casos de infecção pelo novo coronavírus, previsto para o final de abril, início de maio. Portanto, seria absolutamente temerário flexibilizar as medidas restritivas à circulação de pessoas justamente no Estado que concentra o maior número de casos confirmados e de mortes por covid-19.
A extensão do prazo do isolamento social é igualmente bem-vinda porque, não obstante grande parte dos paulistas ter aderido voluntariamente à medida, observa-se que um número maior de pessoas começa a relaxar quanto ao necessário recolhimento, tanto na capital como no interior. Não se trata daqueles que devem estar nas ruas por dever de ofício. No fim de semana passado, a beleza do pôr do sol visto da praça de mesmo nome, na zona oeste da capital paulista, contrastou com a imagem da aglomeração de pessoas que lá se divertiam em grupos como se um vírus mortal não estivesse em circulação. Um aumento do fluxo de pessoas também foi registrado em outros pontos da cidade, como a Avenida Paulista e o entorno do Parque do Ibirapuera. Em alguns municípios do interior do Estado, onde a quantidade mais reduzida de casos de covid-19 transmite à população uma falsa sensação de normalidade, o descontrole é ainda maior. Os trágicos exemplos de pequenas cidades da Itália e da Espanha, que no início desdenharam do poder de disseminação da Sars-CoV-2 e não adotaram o isolamento, recomendam máxima cautela.
O governo paulista estima que 277 mil pessoas morrerão em decorrência da covid-19 nos próximos seis meses se o isolamento não for respeitado no Estado. Com a estrita observância das medidas restritivas, o número de óbitos cairia para 111 mil. Em ambos os cenários, são números de guerra. No entanto, a redução de 60% entre um e outro dá a medida da responsabilidade social que recai sobre os ombros de cada habitante de São Paulo. “Nenhuma aglomeração, de nenhuma espécie, em nenhuma cidade ou área de São Paulo, será permitida”, afirmou o governador.
Estudo feito pelo Instituto Butantan e pela Universidade de Brasília (UnB), com base em dados de geolocalização de telefones celulares, mostrou que entre os dias 23 de março e 2 de abril o isolamento na capital paulista caiu de 66% para 52,4% da população. “Por meio da triangulação das antenas que recebem sinal de celular, temos condições de observar quem se deslocou por mais de cem ou duzentos metros de casa”, disse o pesquisador Júlio Croda, que participou do estudo. Em que pese a necessidade de preservar a privacidade do indivíduo em monitoramentos deste tipo, o estudo é um instrumento a mais para orientar as decisões governamentais tendo em vista a segurança da coletividade. Durante o anúncio da prorrogação da quarentena no Estado, o governador João Doria não descartou o uso da Polícia Militar para dispersar as aglomerações. “Em um primeiro momento, serão medidas de orientação. Em um segundo momento, coercitivas. Mas espero que isso não seja necessário”, disse Doria. Oxalá não seja mesmo.
Não é hora de baixar a guarda. Não há espaço para a autoconfiança irresponsável. O vírus pode ser mais perverso para certos grupos, mas ninguém está imune a ele. A vida de milhões de paulistas está sob risco. Se poucos começarem a não respeitar o isolamento, como tem ocorrido, muitos cidadãos que o fazem com disciplina e espírito público começarão a questionar o poder de seu sacrifício pessoal para frear a disseminação do contágio, o que seria o prenúncio de uma tragédia inaudita. Portanto, fique em casa.
• Ciência e política – Editorial | O Estado de S. Paulo
Com a mesma ênfase que defendeu no passado o uso da malfadada “pílula do câncer”, apesar de não ter formação em medicina, o presidente Jair Bolsonaro vem propondo o uso da hidroxicloroquina como o remédio mais eficaz para conter a pandemia do novo coronavírus. “Há 40 dias venho falando sobre isso. Sempre busquei tratar da vida das pessoas em 1.° lugar, mas também se (sic) preocupando em preservar empregos. Fiz, ao longo desse tempo, contato com dezenas de médicos e chefes de Estados de outros países”, disse ele nessa quarta-feira, após criticar pelo Twitter dois conhecidos médicos que se recusaram a divulgar o que os curou da covid-19.
Além de sugerir que tomaram remédios com base na hidroxicloroquina, Bolsonaro alegou que eles se recusaram a prestar essa informação por assessorarem o governador João Doria, seu adversário político. “Esse segredo não combina com o Juramento de Hipócrates que fizeram. Que Deus ilumine esses dois profissionais, de modo que revelem para o mundo que existe um promissor remédio no Brasil”, concluiu Bolsonaro.
A insistência de Bolsonaro em apresentar a hidroxicloroquina como “remédio promissor” dá a medida do modo como vem se comportando no combate à pandemia da covid-19, privilegiando seus interesses políticos. Ao recomendar o uso desse medicamento “promissor” baseado em seus “contatos com médicos e chefes de Estado”, mostra que não conhece o que é a ciência nem como se desenvolve o trabalho científico. Deixa claro que não sabe que a ciência trabalha com erros e acertos e que a busca de respostas costuma se dar pela elaboração de hipóteses e formulação de novas perguntas.
Todas as vezes em que surgem novas doenças e epidemias, a ciência oferece cenários e sugere medidas de controle enquanto os pesquisadores se esforçam para isolar o vírus em laboratório para compreender a doença e desenvolver vacinas e tratamentos. Esse processo é complexo, exigindo respeito a protocolos, publicações de artigos em revistas especializadas e intensos debates entre pesquisadores, até chegar a um consenso na comunidade científica. O tempo da ciência, pois, é incompatível com o tempo da política.
Na ciência, as pesquisas têm de ser públicas, para que possam ser discutidas, contestadas e aprofundadas. Elas só conseguem avançar, convertendo suas descobertas em bem comum para a humanidade, com base em fundamentos empíricos. Já na política costumam prevalecer decisões açodadas, tomadas com enviesamento ideológico e relevando verdades científicas consolidadas.
Se a relação entre ciência e política já é tensa em tempos normais, nas áreas de ciências biológicas e de saúde essa tensão é ainda maior em tempos de pandemia. Entre outros motivos porque, enquanto os governantes tendem a pensar apenas em sua popularidade e seus projetos eleiçoeiros, os cientistas têm de deixar de lado indagações que fazem em períodos de normalidade para buscar novas fontes de recursos e desenvolver às pressas novos projetos de pesquisa. Como revelam números da Web of Science, compilados pelo professor Peter Schulz, da Unicamp, essas tensões estiveram presentes em todas as vezes que surgiram epidemias relacionadas a cepas mais antigas do coronavírus, desde 2000. Isso porque, ao oferecer informações atualizadas e conhecimento de ponta, a ciência apontou a necessidade de políticas públicas que não estavam entre as prioridades dos governantes. Muitas vezes, além disso, essas tensões são exponenciadas pela tendência de dirigentes populistas de se apropriarem de resultados preliminares de pesquisas para convertê-las em dogmas usados para desqualificar adversários políticos.
Entre nós, infelizmente, enquanto os cientistas continuam cumprindo seu papel, conscientes de que a divulgação de eventuais descobertas neste momento precisa ser criteriosa, Bolsonaro contesta o ministro da Saúde. Critica médicos que integram a equipe de seus adversários. E recorre a outros de sua confiança, para que façam afirmações sobre as quais ainda não há consenso científico.
• O Brasil contra o mundo – Editorial | O Estado de S. Paulo
O exercício da diplomacia também está sendo bastante prejudicado em razão da epidemia de covid-19, que já levou ao cancelamento de diversos encontros multilaterais. Tal restrição ocorre no instante em que as relações internacionais já não estavam numa boa fase, particularmente em razão da emergência do nacionalismo radical capitaneado pelos EUA de Donald Trump.
Assim, a covid-19, antes de ser causa do distanciamento diplomático, começa a servir como “desculpa muito conveniente” para um esfriamento que já era desejado, como notou o ex-embaixador norte-americano Ronald Neumann, presidente da Academia Americana de Diplomacia, ao jornal Japan Times.
Ou seja, no momento em que a cooperação é imprescindível, muitos países se insularam ainda mais, na base do cada um por si, pondo em risco mesmo blocos consolidados, como a União Europeia, ou então a relação histórica entre EUA e alguns de seus aliados tradicionais.
Mas a emergência causada pela pandemia vem obrigando mesmo os EUA a abandonar momentaneamente sua atitude agressiva pelo menos em relação à China. Depois de ter chamado o novo coronavírus de “vírus chinês”, Trump, diante do avanço da covid-19 em seu país, teve de telefonar para o presidente da China, Xi Jinping, para estabelecer “estreita colaboração” – palavras do presidente norte-americano – no combate à epidemia. Não à toa: a China é o principal fabricante mundial de equipamentos e materiais hospitalares necessários para enfrentar o vírus, e os EUA, por sua vez, são hoje o principal foco da epidemia.
Se mesmo a maior economia do mundo entendeu ser necessário adotar o pragmatismo para lidar com a pandemia de covid-19, nada explica que o Brasil, cuja economia é apenas uma fração da norte-americana, se permita provocar os chineses numa hora dessas.
Primeiro, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, disse que “a culpa” pela epidemia “é da China”. Depois, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, numa publicação de teor preconceituoso nas redes sociais, sugeriu que a China se beneficia com a crise. Tudo isso em meio à dificuldade para obter equipamentos médicos chineses para combater a epidemia e diante da necessidade óbvia de manter aberto o mercado chinês para os produtos brasileiros, essencial para a recuperação do País.
Para sorte do Brasil, contudo, o governo Bolsonaro não se limita à ala lunática representada pelos filhos do presidente e pelos ministros “ideológicos”, quando não pelo próprio Bolsonaro. Há uma parte que faz o exato oposto, procurando reforçar as pontes com o exterior, em particular com a China, como lembrou, em entrevista ao Estado, o embaixador Sérgio Amaral.
“De um lado, o governo constrói, com a ministra Tereza Cristina (da Agricultura), o lado do agronegócio. Na área de infraestrutura, o ministro Tarcísio de Freitas desenvolveu projetos grandes que podem aumentar a produtividade”, comentou o embaixador. O problema, diz Sérgio Amaral, é que, “se de um lado o governo constrói, do outro destrói” – e isso num momento de grave retração do comércio mundial, que já vinha ocorrendo antes da epidemia e que agora tende a se acentuar.
Países como o Brasil não podem cometer erros dessa natureza. Até Bolsonaro, a diplomacia brasileira se pautava por nutrir boas relações com todo o mundo, justamente por não ter a força das grandes potências nem poder se permitir fechar portas. Hoje, o alinhamento incondicional aos EUA limita o horizonte comercial brasileiro e ameaça nossa posição até mesmo em mercados já conquistados.
Nesse sentido, o Itamaraty, como enfatizou Sérgio Amaral, está sendo incapaz de coordenar os interesses dos Ministérios na área externa, exatamente porque também está imerso na ideologia deletéria que move Bolsonaro e seus assessores aloprados. Por isso, quando acabar a epidemia, vaticina o diplomata, “o Brasil sairá enfraquecido”, carente de reformas e com um governo movido a complexo de perseguição: “O mundo não está contra o Brasil, nós é que estamos contra o mundo”.
• Tentativa e erro – Editorial | Folha de S. Paulo
Sem estudos, países tateiam na intensidade das restrições contra o coronavírus
Ainda não se dispõe de resposta auspiciosa para os que perguntam quando o pesadelo da pandemia do coronavírus estará superado e a vida voltará ao normal.
Países que pareciam estar lidando bem com a crise, mantendo a curva epidemiológica sob relativo controle sem sacrificar demais a circulação de pessoas e a economia, como Singapura, Japão e Suécia, já se preocupam com as estatísticas mais recentes e anunciam medidas de restrição mais drásticas.
A própria China, que começa a relaxar o cerco sobre as áreas mais atingidas, age com extrema cautela. O receio é que o vírus volte a ter transmissão sustentada, dando início a um segundo surto epidêmico.
Os europeus Áustria, Dinamarca, Noruega, República Tcheca e Bélgica previram retomadas graduais de atividades após a Páscoa, e a Eslováquia reabriu parte do comércio. Mesmo nessas nações, cujos sistemas de saúde não ficaram sobrecarregados, a cautela predomina.
Não é simples conter uma pandemia. A melhor forma de fazê-lo consiste em desenvolver uma vacina, e alguns dos melhores cientistas do mundo trabalham nisso. Não há garantia, porém, de que conseguirão achá-la rapidamente e produzi-la em escala comercial.
Sem isso, epidemias de grande porte tendem a só acabar depois que determinada parcela da população já tiver sido infectada e desenvolvido imunidade contra o patógeno. À medida que a proporção de imunes aumenta, diminui a probabilidade de uma pessoa infectada encontrar uma suscetível para transmitir-lhe a doença.
A certa altura, chega-se à chamada imunidade de rebanho. Não sabemos, porém, quando a teremos.
Faltam bons estudos epidemiológicos sobre o Sars-CoV-2. A quantidade de pessoas que um doente típico infecta —a informação mais importante a ser obtida— foi inicialmente estimada em algo entre 1,4 e 3,9, mas trabalhos mais recentes sugerem números mais elevados.
Também se desconhece a proporção de pacientes assintomáticos para cada infectado que identificamos. Se elevada, como sugeriu um modelo de pesquisadores da Universidade Oxford, a distância para a imunidade de rebanho cai.
A boa notícia é que estão em curso trabalhos que prometem oferecer algumas dessas respostas, indispensáveis para um bom planejamento tanto das necessidades hospitalares como de um eventual relaxamento das restrições.
Alguns desses estudos, como o conduzido em Heinsberg, na Alemanha, devem trazer resultados preliminares já nos próximos dias.
Até o devido conhecimento, resta aos governos de todo o mundo guiarem-se por prudência e flexibilidade para rever orientações a partir da experiência acumulada.
• Escândalo tucano – Editorial | Folha de S. Paulo
Relato grave de propina em concessão rodoviária mancha legado do PSDB paulista
Constitui mérito inegável dos governos consecutivos do PSDB em São Paulo as ótimas condições das rodovias do estado. Esse legado vem sendo maculado, ao longo dos último anos, por sucessivos escândalos de corrupção envolvendo a malha viária paulista.
O caso mais rumoroso até aqui se deu nas obras do Rodoanel. No ano passado, Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa (empresa viária do estado), foi condenado por ilícitos em obras do trecho sul do empreendimento paulista.
Quanto ao setor norte, investigações da Operação Lava Jato apontaram desvios da ordem de R$ 625 milhões. Ex-secretário de Logística e Transportes do governo Geraldo Alckmin, Laurence Casagrande chegou a ser detido em decorrência de suspeitas de corrupção e se tornou réu na Justiça Federal.
Agora, graves suspeitas recaem sobre o sistema Anchieta-Imigrantes, que liga a região metropolitana à Baixada Santista.
Em um acordo cível assinado no começo desta semana com o Ministério Público paulista, a Ecovias, empresa que administra o complexo, afirmou que todos os 12 contratos de concessão rodoviária firmados com o governo paulista a partir de 1998 foram fraudados por meio de um cartel.
Segundo a companhia, o grupo, formado por outras 11 empresas, pagou propina a agentes públicos e abasteceu o caixa dois de campanhas políticas, num esquema mantido até 2015. No período, estiveram à frente do estado Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin.
A Ecovias e as demais empresas, de acordo com os relatos ao Ministério Público, formaram consórcios para disputar as licitações com o objetivo de simular uma competição, já que nem todas possuíam reais condições de assumir as rodovias envolvidas nos certames
Como parte do acordo, a concessionária comprometeu-se a pagar R$ 650 milhões ao estado de São Paulo. Terá ainda de apresentar provas das irregularidades.
Os detalhes da ação são desconhecidos, já que o acordo é mantido em sigilo e, para valer, ainda precisa ser homologado tanto pelo Conselho Superior do Ministério Público paulista como pela Justiça.
Não há dúvida, porém, de que o acúmulo de escândalos envolvendo as gestões tucanas, os quais se espraiam também pelo setor metroferroviário, vão demolindo a imagem de eficiência e zelo na gestão dos recursos públicos que o partido se esforçou para construir.
• Comércio global despenca com choques na economia – Editorial | Valor Econômico
Saldo comercial, estimado em US$ 33,5 bilhões, pode ficar muito abaixo disso
Os indicadores antecedentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontaram uma queda das atividades jamais vista nas principais economias avançadas e emergentes em março. Os efeitos do combate ao coronavírus retiraram a capacidade preditiva do índice - não é possível ver muito longe, não se sabe quando a pandemia será vencida e os números atuais apenas refletem um presente tenebroso. A Organização Mundial do Comércio apresentou ontem dois cenários e no melhor deles o comércio internacional declinará 13% em 2020. No pior, 31,9%.
O primeiro impacto das medidas contra a covid-19 foi terrível. Em relação ao ritmo anterior da economia, China e Índia tiveram recuo de 18%, o Brasil, de 21%, os Estados Unidos, de 25%. A Alemanha é um dos países que se saem pior, com queda de 30%. Na comparação de março em relação ao mesmo mês de 2019, segundo a OCDE, todos os países membros já estão com evolução negativa, segundo os indicadores antecedentes. O PIB brasileiro do primeiro trimestre ainda não saiu, mas, pelo indicador da OCDE, ele será negativo, já que houve piora crescente de janeiro a março.
A Europa, praticamente estagnada no último trimestre do ano passado, entrará em recessão forte, e não se sabe quando sairá dela. O PIB da Alemanha, o motor do crescimento europeu, cairá 20% no segundo trimestre, a maior queda desde 1970, duas vezes superior à retração de 2008. A França vê seu PIB encolher 1,5% a cada duas semanas de quarentena. A estimativa para o primeiro trimestre é de que o PIB mingue 6%, mais até do que durante as jornadas de 1968 e o pior resultado desde a Segunda Guerra Mundial.
A covid-19 quebrou o paradigma alemão. Pela primeira vez em muitos anos, o país terá déficit primário, dada a magnitude do pacote de socorro à economia anunciado: -4,7% do PIB. Sua dívida pública dará um salto de 10 pontos, de 60% para 70% do PIB.
A OMC vê um panorama sombrio imediato e para o futuro traçou dois cenários, um otimista e outro, pessimista. Haverá queda de dois dígitos do comércio internacional em todos os países relevantes. Para isso, projetou para 2020 e 2021 o comportamento do PIB de regiões, que estão na base das perspectivas para o desempenho do comércio. O cenário otimista pressupõe fortes declínios imediatos com uma recuperação que ganha força no segundo semestre e promove altas igualmente fortes nas trocas com o exterior em 2021. No pessimista, as quedas são ainda maiores no curto prazo e a recuperação torna-se prolongada e incerta - ainda em decorrência possível de novos surtos da covid-19 no decorrer do tempo.
As Américas do Sul e Central terão a maior queda do PIB real a taxa de câmbio de mercado: 4,3% no cenário otimista, 11% no pessimista. A Europa vem a seguir, com recuo de 3,5% e 10,8%, um pouco à frente dos Estados Unidos, com 3,3% e 9%.
A América do Sul e Central é a região que terá o maior tombo nas importações, com variação do cenário otimista ao pessimista entre -22,2% a -43,8%. A diminuição de suas exportações será menor, mas igualmente significativa: -12,9% e -31,3%. De todas as regiões, a América do Norte é que perderá mais exportações (-17,1%) e a segunda em diminuição das importações.
A redução do comércio será tão mais intensa quanto maior for a participação nas cadeias globais de valor, especialmente na de automóveis e eletrônicos. Na Ásia, Europa e Estados Unidos, as exportações perderão mais vigor que as importações. Na América do Sul, pouco integrada globalmente, ocorrerá o contrário, com queda maior das compras externas. Da mesma forma, os países da região não são grandes exportadores de serviços, setor gravemente afetado pelas defesas levantadas contra a covid-19. Em tese, isto permitiria que os saldos comerciais não sofram redução violenta ou que o setor externo contribua positivamente para o PIB.
Mas esta não é a realidade de muitos dos países da região. O Brasil é um exportador relevante de commodities, que estão em baixa, várias delas com poucas chances de recuperação diante da prostração da economia global, como petróleo e metais. Para venda de manufaturas, os mercados encolherão, caso dos EUA e Europa. Antes do mundo entrar em parada súbita para deter a covid-19, o Banco Central reviu para baixo o desempenho comercial e projetou saldo de US$ 33,5 bilhões. É bastante provável que ele fique muito abaixo disso.
• Salvamento dos estados requer cuidados especiais – Editorial | O Globo
É inaceitável que o custo da irresponsabilidade fiscal seja repassado para a sociedade
Entre os problemas econômicos que a crise deflagrada pelo coronavírus agrava, o das finanças dos estados e municípios chega a ser tão ou mais complexo do que o das contas públicas federais, devido ao fator político. De forma simplificada, pode-se dar o exemplo da reforma da Previdência, necessária pelo menos desde os anos 1980, mas nunca realizada diante da resistência de corporações de servidores e de outros grupos também com grandes espaços de poder no Congresso.
Mas, em decorrência da pressão da própria crise econômica e de uma negociação política bem conduzida, aprovou-se uma reforma aceitável em um ano, e o país ganhou tempo para digerir a necessidade de outra mais à frente. Porém, pela multiplicidade de interesses regionais, não se pôde estender as mudanças para o resto da Federação, o que parecia até mais fácil.
Na questão dos estados (e grandes municípios), a crise força a que Executivo e Legislativo deem uma resposta à acelerada desestabilização do caixa dos governos regionais. De forma rápida e protegida de qualquer maior contaminação por interesses políticos que pensem em se aproveitar da operação bilionária de salvamento da nação que o Tesouro empreende, para se desvencilhar de passivos que foram acumulados pela irresponsabilidade fiscal de governadores e prefeitos. Uma operação perfeita de socialização de prejuízos e de lavagem de malfeitos nas finanças públicas.
A pandemia começou na Ásia quando o chamado “Plano Mansueto”, inspirado no nome do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, para melhorar o Programa de Recuperação Fiscal — que ajudou o Rio de Janeiro a não quebrar, mas o estado não faz o ajuste necessário —, já tinha os contornos básicos para em breve ir ao plenário da Câmara. Veio o maremoto do coronavírus — a onda da saúde começou a quebrar, e o tsunami econômico já produz os primeiros estragos —e a Câmara, com seu presidente Rodrigo Maia, fez certo ao adiar a votação do Plano Mansueto, para no seu lugar ser negociada uma versão “light” do programa, com a finalidade socorrer os estados nestes três meses em que o país deverá estar em queda livre.
Sensato, porque não se misturam os horizontes de tempo. Estados e municípios, como a União — mas esta pode emitir títulos da dívida pública — precisam ter compensadas as perdas nos tributos. No ICMS (estados) e no ISS, Imposto Sobre Serviços (municípios), estimam-se cortes na arrecadação de 30% a 40%. Nas negociações que continuarão hoje, delibera-se sobre a suspensão de aumentos dos servidores nestes três meses, por óbvio; moratória de dívidas com bancos públicos; aval do Tesouro para empréstimos etc. Será mais uma conta alta para a sociedade digerir. Ela não pode é ser ampliada porque governadores, prefeitos e respectivas bancadas negligenciaram no passado e desejam agora passar ao Erário o custo de sua negligência.
• Entregar dinheiro àqueles que mais precisam é a tarefa decisiva da Caixa – Editorial | O Globo
Governo dispensou ajuda de estados, prefeituras, ONGs e da rede bancária privada
É decisiva para a Caixa Econômica Federal a tarefa de entregar R$ 600, durante três meses, a todas as pessoas que estão à margem do sistema bancário nacional.
Não se sabe exatamente quantos são os brasileiros sem banco, as estimativas oscilam entre 20 milhões e 45 milhões de excluídos do universo de serviços financeiros basicamente prestados por duas dezenas de instituições públicas e privadas.
O governo impôs à Caixa, que aceitou, o desafio de alcançar sozinha todos os mais vulneráveis, em apertado cronograma, na crise provocada pela pandemia.
Nas primeiras 24 horas o banco estatal informou ter recebido mais de 25 milhões de inscrições no programa de auxílio emergencial. Eles terão uma conta gratuita aberta na Caixa, pela qual vão receber a renda mínima temporária.
Esse volume de resposta automática daqueles que têm permanecido invisíveis nas estatísticas oficiais indica a extensão do desalento em parte da população sem alternativas de renda no curto prazo para sobrevivência.
Mostra, também, a dimensão do obstáculo que governo e Caixa precisam superar, em poucos dias, para evitar um eventual fiasco social, com graves consequências.
Tudo indica que houve um razoável planejamento operacional, refletido no número de inscrições no primeiro dia e reafirmado pela autoconfiança demonstrada em público pelo presidente do banco, Pedro Guimarães.
Um dos aspectos cruciais desse desafio de “bancarização” imediata de dezenas de milhões de agentes econômicos informais é o da tecnologia — há registros de pessoas que precisaram de até 14 horas para concluir o processo de inscrição no programa.
Deve-se manter cauteloso otimismo sobre essa iniciativa governamental para alcançar os mais pobres, dispensando a ajuda de estados, prefeituras, organizações sociais e, de forma mais direta, da rede bancária privada.
Aparentemente, o governo optou por criar um tipo de cadastro exclusivo, centralizado em Brasília, e operado pela rede da Caixa com os seus correspondentes bancários.
Com isso, abriu mão da chance de liderança de um mutirão institucional para fazer o dinheiro chegar, muito rapidamente, aos bolsos de quem mais precisa, inclusive nos lugares mais remotos do país.
Pode-se discutir as razões da opção política de dispensar a cooperação até de quem é especializado no trabalho direto e cotidiano com os sem-banco, como prefeituras e ONGs. A emergência da pandemia, no entanto, impõe um voto de confiança.
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