- Valor Econômico
Países que souberem otimizar ações para a retomada já com um olhar prospectivo se sairão melhor da crise
Há crescente consenso de que a recessão global provocada pela pandemia da covid-19 será longa e que a recuperação da economia não será em “V”, mas em algo similar ao símbolo da Nike. O formato da recuperação dependerá dos impactos sanitários da pandemia, da extensão da paralisação das atividades econômicas, dos impactos fiscais, dentre outros fatores. Embora todas as atenções neste momento devam estar direcionadas para salvar vidas e para garantir renda para as pessoas necessitadas, há, também, que já se pensar na fase de recuperação da economia e nos temas que nela emergirão.
Um desses temas são os efeitos da pandemia na malha produtiva. Isto porque as empresas passam por dificuldades sem precedentes e até impensáveis poucas semanas atrás. Apesar dos oportunos fundos emergenciais para empresas disponibilizados pelos governos de muitos países da região, a pandemia, ainda assim, vitimizará muitas delas.
Porém, parece razoável considerar que os efeitos da recessão não serão sentidos da mesma forma pelas empresas de distintos setores e com distintas características. Espera-se que empresas da indústria manufatureira e de segmentos dos setores de comércio e serviços estejam entre as mais atingidas, bem como as micro e pequenas empresas. Mas há outros recortes que também explicarão a capacidade de resistência, sobrevivência e adaptação das empresas à crise. E, dentre estes, estão as condições das empresas em temas como estrutura de custos, produtividade, competitividade, capacidade inovadora, tecnologias e modelos de negócios.
Num provável contexto de mortalidade relativamente mais alta de empresas com custos mais elevados e com padrões de produtividade e competitividade mais baixos, observaremos, então, alteração na composição setorial e nos perfis das empresas que seguirão ativas.
Assim, não será exagero esperar que a “empresa representativa” que entrou no túnel da recessão será diferente daquela que sairá dele. A mudança no perfil será reforçada pelas empresas que entrarão no mercado no período pós-crise, que se beneficiarão de lições aprendidas e, provavelmente, iniciarão atividades já com tecnologias e modelos de negócios mais sofisticados.
Este ponto nos leva a um outro tema que possivelmente emergirá no pós-crise. Como a empresa representativa que surgirá no outro lado do túnel empregará relativamente menos trabalhadores, então é provável que haja aumento do desemprego estrutural para além do desemprego em geral. Num contexto de lenta recuperação da economia, aquele aumento deverá vir acompanhado de crescimento da informalidade, pobreza e desigualdade.
A OIT inicialmente estimou que a pandemia elevará o estoque de desemprego em nível global em até 25 milhões de trabalhadores, número que a própria instituição já admitiu estar subestimado. Será, portanto, importante ter em conta a necessidade de ampliar redes emergenciais de proteção social com uma perspectiva de prazo mais longo, fortalecer programas de emprego e ampliar programas de empreendedorismo, capacitação e educação profissional.
Outro tema associado a emprego refere-se às oportunidades de negócios reveladas pela pandemia e que poderão robustecer a fase de recuperação. Trata-se de negócios e investimentos no setor de saúde, equipamentos médicos e hospitalares, telemedicina, educação a distância, novas formas de entretenimento e comunicação, e-commerce, logística e tantos outros com mercados locais, regionais e globais.
Startups da região já estão ativas nessas agendas e apresentando soluções engenhosas e inovadoras para problemas novos e antigos, incluindo respiradores mecânicos, provas e diagnósticos microbiológicos rápidos, serviços de biotecnologia, serviços de geodata, serviços de gestão de dados, soluções digitais para governos e tantos outros negócios.
Um outro tema é o de como criar pontes entre as ações de ajuda ao sistema produtivo e ações que já mirem a próxima fase de expansão econômica, que certamente surgirá mais adiante. Neste sentido, seria oportuno considerar políticas tecnológicas, produtivas e de inovação, acesso à infraestrutura digital, programas de internacionalização de empresas e de acesso a mercados, programas de gestão e programas de apoio a startups como elementos integrantes de pacotes governamentais de recuperação e fortalecimento da economia.
Temas como indústria 4.0, 5G, inteligência artificial e outros que já estavam na agenda de países da região, mas que caminhavam a passos lentos, terão oportunidade de avançar de forma mais ordenada e, assim, contribuir para a competitividade das empresas.
Certamente que outros temas de corte produtivo também merecem atenção e, dentre eles, estão comércio internacional e investimento direto estrangeiro, economia digital, PPPs, meio ambiente e outros que também poderão ter contribuição importante na retomada da economia.
Considerando que a pandemia é um choque exógeno com extraordinários custos sociais e econômicos para praticamente todo o mundo, então é razoável supor que os países que melhor souberem otimizar e potencializar as ações de recuperação econômica já com um olhar prospectivo se sairão melhor da crise, gerarão mais empregos e crescerão de forma mais sustentada.
*Jorge Arbache é vice-presidente de setor privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF)
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