Apesar
das polêmicas, todo governo reduz Estado na economia
Embora
não tenham desmontado inteiramente, até os dias atuais, o modelo nacional
desenvolvimentista que faliu durante a crise da dívida, em 1982, todos os
presidentes, desde então, diminuíram a participação do Estado brasileiro na
economia (ver gráfico abaixo).
Praticamente todos privatizaram ou concederam ao setor privado a gestão de
serviços públicos como rodovias, telefonia e aeroportos, algo, ainda hoje,
impensável para os defensores de um Estado utópico, provedor de bens e serviços
de qualidade.
O
fato de todos os governos terem vendido estatais significa que o modelo de
desenvolvimento exauriu-se, isto é, tornou-se insustentável do ponto de vista
de seu financiamento tanto fiscal (recursos públicos) quanto externo (dívida
bancária). O negacionismo dessa realidade - o pior defeito de um governante -
por setores da burocracia estatal, do empresariado, da classe média e do meio
político à esquerda e à direita produziu nas décadas seguintes a ruína
econômica, traduzida pelo advento da hiperinflação, pela queda brutal da taxa
média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), pela deterioração da
infraestrutura, pela forte contração das taxa de investimento dos setores
público e privado etc.
O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) foi lançado em 1974, no governo Geisel (1974-1979), como resposta à crise internacional provocada pela primeira crise do petróleo. O objetivo, conforme anunciou o então presidente na ocasião, era evitar que a Ilha de Vera Cruz caísse numa recessão.
Bem,
o II PND não foram medidas tópicas, conjunturais, como redução de impostos,
corte de juros ou oferta de crédito oficial subsidiado, mas, sim, um amplo
conjunto de iniciativas, envolvendo o governo, o setor privado e o capital
externo. Foi a maior intervenção do Estado na economia na história deste
território. O objetivo do II PND era dotar o país de infraestrutura comparável
à de nações ricas, de um poderoso setor de bens de produção (nos setores
siderúrgico, de química pesada, metais não ferrosos e minerais não metálicos) e
de energia (petróleo e derivados, energia hidroelétrica e fontes alternativas
como etanol e energia nuclear).
Foram
durante aqueles anos que o número de estatais atingiu o ápice (382, segundo
estudo da OCDE de 2017, realizado a partir de dados fornecidos pelo governo
brasileiro). Toda a estratégia só seria viável se a taxa de juros, o custo dos
quase US$ 100 bilhões que o país tomou emprestado na década de 1970, jamais
subisse aqui e no mercado, “eppur si muove” (mas, ela se move).
Com
a segunda crise do petróleo, deflagrada em 1979, a inflação americana escalou
degraus até chegar a 20% e, para abaixá-la, o Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos) moveu as taxas de juros com a mesma intensidade.
Uma
continha rápida, grosso modo, evidentemente: no início daquela década, o país
chamado Brasil devia pouco mais de US$ 6 bilhões ao exterior e o juro no
mercado internacional era negativo; no início da década de 1980, a dívida
estava em US$ 100 bilhões, e a taxa de referência do Fed, acima de 20%. Que
tal?
A
crise da dívida, “a mãe de todas as crises”, se deu em 1982, quando o
presidente era o general João Baptista Figueiredo, o último da longa ditadura
militar (1964-1985) instaurada por aqui. Já movido pela necessidade de
desidratar o Estado criado pelo II PND, Figueiredo instituiu o Programa Nacional
de Desburocratização (Decreto n 83.740/79), liderado por Hélio Beltrão e o que
mais fez pela “causa”, e criou a Secretaria Especial de Controle das Empresas
Estatais (SEST).
“Foi
a primeira manifestação concreta de uma preocupação com o gigantismo estatal,
com o claro objetivo de introduzir uma primeira agenda de reforma do Estado”,
diz Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho, especialista no tema das privatizações,
tendo trabalhado na modelagem de algumas operações quando trabalhou no BNDES.
“A primeira Comissão de Especial de Desestatização foi criada em 1981 [Decreto
Presidencial 86215/1981] e fixou normas para transferência e desinvestimentos
das empresas controladas, identificando na ocasião 140 prontas para serem
vendidas.”
No
governo Sarney (1985-1990), o tema privatização começou a ser discutido e, pela
primeira vez, associou-se a venda de estatais à redução do endividamento
público interno e externo (via conversão de dívida). Até hoje, alguns críticos
fazem muxoxo em relação a isso, esquecendo-se de um fato importante: aquela
miríade de estatais foi criada às custas do endividamento interno e externo do
país. Nada mais justo e razoável que o dinheiro arrecadado com a venda seja
destinado à amortização da dívida.
O
governo Sarney tentou, com a edição de vários decretos, ampliar o alcance do
programa de venda das empresas, observa Chrysostomo, mas foi muito pressionado
por grupos de interesses privados a não privatizar nada.
“O Brasil vem realizando diversas desestatizações há mais de 30 anos, incluindo-se modelos de venda de controle, vendas de participação minoritária, concessões públicas e parcerias público-privadas (administrativas ou patrocinadas), presentes em todos os entes da federação”, conta Chrysostomo, que trata do assunto no livro “Reforma do Estado no Brasil” (Atlas, 2020), organizado pelo economista Fabio Giambiagi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário