Comida,
a principal despesa para a maioria das famílias, continua puxando a inflação,
num ambiente de alto desemprego e condições agravadas pelo fim do auxílio
emergencial. Sem essa ajuda, mais de 60 milhões de pessoas afundaram em
dificuldades, enquanto os preços, já muito inflados, continuaram em alta. O
custo da alimentação subiu 14,81% em 12 meses, mas esse número, já muito ruim,
é apenas uma média. O arroz encareceu 74,14%. O feijão carioca, 18,53%. As
carnes, 22,82%. Mesmo com algum alívio em janeiro, a pressão acumulada é muito
forte. No mês passado a inflação ficou em 0,25% e o custo da alimentação subiu
1,02%. Foram taxas menores que as de dezembro – mas em cima de grandes aumentos
em meses anteriores. Esses dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA).
Convém
levar em conta esses aumentos para avaliar o alívio, real ou aparente, ocorrido
em janeiro. A taxa do mês foi bem menor que as de dezembro (1,35%) e da maior
parte dos meses a partir de julho. Mas apenas dois itens, habitação e
vestuário, ficaram mais baratos que no mês anterior, com recuos de 1,07% e
0,07%. O custo da habitação foi derrubado pela tarifa de eletricidade, com
redução de 5,60%, resultante da passagem da bandeira vermelha para a amarela.
Nos outros sete grandes itens pesquisados houve altas de preços.
O aumento maior e de maior efeito foi o do custo da alimentação, de 1,02%, com impacto de 0,22 ponto na formação do resultado geral (0,25%). Os preços no varejo teriam sido bem mais altos, em janeiro e no segundo semestre de 2020, se produtores e distribuidores tivessem conseguido repassar as altas ocorridas no atacado.
Essas
altas continuam. Na primeira prévia do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M)
de fevereiro os preços ao produtor subiram 2,54%, acumulando variação de 6% no
ano e de 39,10% em 12 meses. Mas o repasse vem sendo contido pelas condições da
demanda final, enfraquecida pelo desemprego e pelas dificuldades das famílias.
Os preços ao produtor formam o principal componente do IGP-M, elaborado pela
Fundação Getúlio Vargas.
No
atacado, os aumentos têm refletido as condições do mercado internacional e a
cotação do dólar, muito pressionada desde o começo de 2020. Os dois fatores
explicam a maior parte da alta de preços das matérias-primas, como o petróleo,
o minério de ferro e os alimentos.
O
dólar tende a subir em relação ao real quando aumenta, no mercado, a
insegurança quanto às contas do governo e à dívida pública. Esse efeito foi
facilmente perceptível, nos últimos dias, durante as discussões, em Brasília,
sobre fórmulas para retomada do auxílio emergencial e sobre a possível violação
do teto de gastos. A indefinição do governo sobre a gestão de suas contas em
2021 tem sido uma importante fonte de dúvidas para o mercado.
Pressionando
o dólar e os preços, a insegurança dos investidores em relação às finanças
federais acaba, indiretamente, complicando a vida dos consumidores,
especialmente dos mais pobres, já prejudicados pelas más condições do mercado
de trabalho e pela perda de renda. Quem conseguiu juntar alguma reserva no ano
passado, graças à ajuda emergencial, tem usado esse dinheiro – se ainda houver
algum – para as compras essenciais.
Os
grandes saques da poupança, no mês passado, são em grande parte explicáveis
pela piora das condições dos mais pobres. Mas também a classe média juntou
alguma poupança em 2020 e pode agora estar usando esse dinheiro.
A
alta de preços, principalmente dos alimentos, assombra as famílias num momento
muito complicado, com o governo incapaz de dizer como vai tocar a política
econômica. No meio do nevoeiro, a inflação avança. Em 2020 o IPCA subiu 4,52% e
ultrapassou o centro da meta oficial, de 4%. Nos 12 meses até janeiro a
variação chegou a 4,56%. Neste ano será preciso um esforço maior de ajuste para
atingir o centro do alvo, rebaixado para 3,75%. Se depender só do Banco
Central, a resposta poderá ser uma alta de juros, um remédio com perigosos
efeitos colaterais para as contas públicas e o emprego.
O estranho decreto de Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo
No dia 27 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro editou decreto instituindo a Política Nacional de Modernização do Estado e o Fórum Nacional de Modernização do Estado. O tema deveria ser da mais alta importância. De fato, é preciso modernizar a máquina estatal, para que seja mais ágil e mais eficiente.
Porém,
justamente pela importância do tema, o Decreto 10.609/2021 é decepcionante. A
maior parte do texto é uma sequência de tautologias, como se a mera menção a
conceitos relacionados à modernização fosse capaz de “aumentar a eficiência e
modernizar a administração pública, a prestação de serviços e o ambiente de
negócios para melhor atender às necessidades dos cidadãos” – que são as
finalidades do decreto.
Chama
a atenção que o Decreto 10.609/2021, repleto de orientações e diretrizes para o
aumento da eficiência estatal, não guarde nenhuma relação com a conduta de
Bolsonaro à frente do Executivo federal. O texto seria cômico, se não fosse
trágico, tendo em vista as dolorosas consequências sobre o País das ações e
omissões do presidente da República.
Tome-se,
como exemplo, o terceiro artigo do decreto. “São diretrizes da Política
Nacional de Modernização do Estado: (i) direcionar a atuação governamental para
a entrega de resultados com foco nos cidadãos; (ii) buscar o alinhamento
institucional entre os atores envolvidos na política de modernização; (iii)
promover um Estado moderno e ágil, capaz de atuar, de forma tempestiva e
assertiva, frente aos desafios contemporâneos e às situações emergenciais”. Ao
todo, são oito diretrizes.
É
constrangedor avaliar a conduta do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia
de covid-19 a partir dessas três diretrizes que ele mesmo propôs. A desconexão
entre o comportamento do presidente da República e o seu decreto não se limita,
no entanto, às três primeiras diretrizes. A sexta orientação é, por exemplo,
“aprimorar as capacidades dos servidores públicos e das instituições” e a
sétima, “ampliar o acesso e a qualidade dos serviços públicos”.
O
governo de Jair Bolsonaro tem enormes dificuldades para cumprir seu dever
primário, que é zelar pela vida e saúde da população. Ao mesmo tempo, lança-se
a propor orientações teóricas, como se fosse realizá-las.
Por
exemplo, a respeito da implementação da Política Nacional de Modernização do
Estado, o decreto estabelece cinco grandes eixos temáticos: melhoria do
ambiente de negócios próspero, ampliação das capacidades do Estado moderno,
evolução dos serviços públicos, cooperação e articulação entre agentes públicos
e privados e, por último, governo e transformação digital do País.
Tudo
isso seria oportuno, se pudesse ser implementado por quem o propõe. Mas não é
condizente assinar um decreto com tal conteúdo enquanto se promove, por
exemplo, a mais irracional rinha contra as vacinas anticovid. O objetivo é
mesmo tornar o Estado mais eficiente e racional?
Ao
atuar assim, com essa abissal distância entre a realidade e as disposições do
decreto, na verdade o presidente Jair Bolsonaro dificulta a modernização do
Estado e se esquiva de promover a tão necessária reforma administrativa. Em vez
de assegurar caminhos e critérios efetivos para que a máquina pública se
modernize, ele está simplesmente criando mais um ato burocrático, fadado a não
produzir nenhum efeito em relação à eficiência do Estado e à melhoria dos
serviços públicos. A respeito de burocracia, o decreto cria ainda o Fórum
Nacional de Modernização do Estado, com várias câmaras temáticas.
Se
há preocupação por modernizar o Estado, o presidente Jair Bolsonaro deveria
começar cuidando da eficiência de seu governo e assumindo suas
responsabilidades constitucionais. Seu desempenho até aqui não o credencia a
dar nenhuma aula sobre modernização do Estado. Outra medida possível é
trabalhar para a aprovação de uma boa reforma administrativa, muito além do
projeto enviado pelo Executivo.
Não
há decreto que, por si, modernize o Estado se, por parte da Presidência da
República, abundam confusões e omissões e escasseia aquela responsabilidade
básica, de cada um fazer a sua parte.
Antes de dinheiro, falta espírito público – Opinião | O Estado de S. Paulo
É excruciante a demora do governo e do Congresso para encontrar as fontes de financiamento para retomar o auxílio emergencial para os milhões de cidadãos destituídos de renda em razão da pandemia de covid-19. O auxílio acabou em dezembro, mas a pandemia não – e lá se vão dois meses e meio sem que o poder público tenha sido capaz de se entender sobre tão urgente demanda.
Do
mesmo modo, causa indignação a notícia de que caiu em 76% o total de leitos
hospitalares para tratamento de covid-19 em São Paulo que são financiados pelo
governo federal. O motivo é tão prosaico quanto assombroso: terminou em 31 de
dezembro a validade da emenda constitucional que criou o chamado “orçamento de
guerra”, que previa recursos extraordinários para o enfrentamento da pandemia.
Sem a emenda, faltou dinheiro.
Nos
dois casos, espanta a incapacidade do governo de Jair Bolsonaro de se antecipar
a problemas com data marcada para acontecer. Ante a óbvia escalada da pandemia
– em Manaus, por exemplo, já se fala em uma “terceira onda” –, é simples
irresponsabilidade deixar de tomar providências tempestivas. A esta altura,
nada disso era imprevisível – ao contrário, o recrudescimento da pandemia foi
antecipado insistentemente pelos cientistas.
Como
o governo é liderado por um presidente inimigo da ciência e indiferente ao
sofrimento de seus governados, nada disso deveria espantar. Enquanto o mundo
civilizado passou boa parte de 2020 na corrida por uma vacina, Bolsonaro e o
intendente que responde pelo Ministério da Saúde dedicaram-se a fazer
propaganda de remédios sem eficácia contra a covid-19 e potencialmente
perigosos, ao mesmo tempo que o presidente questionava a segurança dos
imunizantes. A vacina só se tornou prioritária para o governo quando passou a
ser vista por Bolsonaro como um possível ativo eleitoral.
É
esse desinteresse pela sorte dos brasileiros que preside a discussão bizantina
sobre a volta do auxílio emergencial. “Acho que vai ter uma prorrogação”, disse
Bolsonaro, como se fosse um comentarista político, e não o presidente da
República. Um presidente não “acha” nada: ordena de acordo com a lei. É para
isso que serve o poder que as urnas lhe conferiram em 2018. Se a volta do
auxílio emergencial é indispensável – e é –, então cabe ao presidente mandar
que aconteça o mais rápido possível, tomando as decisões políticas necessárias.
Mas
é precisamente isso o que Bolsonaro não quer fazer, porque tomar decisões
políticas acarretam ônus diversos. Quando era deputado do baixo clero, Bolsonaro
não tinha esse problema: podia exercer sua irresponsabilidade à vontade. Como
presidente, contudo, deve enfrentar o peso de suas escolhas e indicar ao País
uma direção clara.
Talvez
o maior símbolo atual da falta de direção do governo Bolsonaro seja o incrível
atraso da aprovação do Orçamento, que deveria ter sido votado no ano passado.
Sem o Orçamento, não há planejamento possível, algo especialmente grave numa
pandemia.
O
caso da obscena queda do financiamento federal de leitos para tratamento de
covid-19, que atinge vários Estados além de São Paulo, é exemplar: “Não houve
planejamento. O Orçamento de 2021 é o mesmo de 2019. Simplesmente desconsiderou
o Orçamento de 2020, como se a pandemia tivesse terminado em 31 de dezembro”,
disse o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Carlos Lula.
Segundo a Secretaria da Saúde paulista, a situação obrigou os gestores locais a
gastarem mais de uma hora para outra.
Ao
contrário das aparências, nada disso é de improviso. A pandemia serve aos demagogos
como argumento para a irresponsabilidade fiscal, que hipoteca o futuro do País,
mas rende votos. Como o Estado noticiou, os novos comandantes
do Congresso, apadrinhados de Bolsonaro, querem relançar o auxílio emergencial
fora do teto de gastos e sem cortar nenhuma outra despesa. Fala-se de novo em
reeditar a famigerada CPMF como forma de financiar o auxílio. Seria o
coroamento da desfaçatez, mas, a esta altura, já se sabe que o problema não é
falta de dinheiro, mas de espírito público.
Novo auxílio deve respeitar teto de gastos – Opinião | O Globo
Passada a euforia pela vitória, ao pôr os dois aliados na cúpula do Congresso — Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado —, o presidente Jair Bolsonaro já perde apoio entre os mais pobres, como têm constatado as últimas pesquisas. Não é outro o motivo para ele ter pedido urgência na volta do auxílio emergencial, poucos dias depois de ter descartado a ideia. Com o “é para ontem” dito por Bolsonaro, Lira e Pacheco já se mobilizam. Pena que na direção errada.
Restabelecer
uma rede de proteção aos milhões de desempregados e desassistidos que
sobrevivem na informalidade é mesmo uma necessidade diante do recrudescimento
da pandemia, da estagnação econômica e da incompetência crassa do governo na
vacinação. O problema surge quando Lira fala em “excepcionalização temporária”
do Orçamento, de modo a abrir espaço aos recursos necessários.
Trata-se
de um eufemismo para defender que ele seja excluído do teto de gastos, evitando
assim a imposição de cortes orçamentários. É a solução errada. O teto existe
justamente para que sejam feitas escolhas sobre onde aplicar o dinheiro
disponível, que não é infinito. Se o Brasil precisa do auxílio, o certo não é a
“excepcionalização” de coisa alguma, mas sim uma simples decisão que respeite a
lei e os limites fiscais.
Soluções
não faltam. A mais sensata, descartada por Bolsonaro no ano passado, seria
extinguir programas sociais ineficazes, como seguro-defeso e subsídios à cesta
básica. Em artigo recente, o economista Marcos Mendes, do Insper, sugere outras
formas de obter R$ 46 bilhões de modo emergencial. Há dinheiro à disposição em
emendas parlamentares, na revogação de benefícios fiscais, na economia de
recursos em virtude do trabalho remoto e até na devolução da parcela da ajuda
federal de 2020 que ficou no caixa de estados e municípios.
Mas
o que Lira sugere é uma via expressa para o auxílio, fora do teto de gastos.
Também discorda da contrapartida de cortes, pedida acertadamente pelo ministro
da Economia, Paulo Guedes. Será desastroso se isso acontecer numa economia já
atolada em déficits, com dificuldades crescentes para rolar sua dívida.
Guedes,
com a experiência de 2020, em que a decretação de calamidade pelo Congresso
permitiu realizar despesas fora do teto, propõe um auxílio de R$ 200 por três
meses, com foco na população mais vulnerável. Em 2020, a ajuda começou com R$
600, no final do ano foi reduzida à metade e atingiu cerca de 65 milhões.
Custou mais de R$ 300 bilhões ao Erário.
Foram
constatados desvios na distribuição, por isso faz sentido fechar o foco. O “é
para ontem” de Bolsonaro não deve ser entendido como uma ordem sem bom senso
nem preocupação com as contas públicas. Dinheiro existe. Há uma miríade de
ralos por onde ele escoa no setor público. É ingenuidade crer que a leniência
fiscal não cobrará seu preço. Não existe mágica: romper nossa única âncora num
momento de explosão da dívida trará consequências dramáticas à inflação. Não
adianta dar aos pobres dinheiro que logo perderá o valor. Lira, Pacheco e
Bolsonaro deveriam saber disso.
Governo não pode ceder à pressão de grupos por prioridade na vacina – Opinião | O Globo
É cada vez maior a fila dos que tentam furar a fila da vacina. Já há no Ministério da Saúde pelo menos 45 pedidos de grupos que demandam prioridade na vacinação contra a Covid-19. Como mostrou reportagem do GLOBO, a lista é eclética. Reúne entidades como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), órgãos públicos como o Ministério da Economia, trabalhadores dos Correios, personal trainers, aeronautas, pessoal de limpeza, guardas municipais, funcionários de agências reguladoras e até categorias que já estão contempladas, como os professores, mas que querem dar um passinho à frente na fila.
O
país do “você sabe com quem está falando?”, dos cercadinhos exclusivos, das
pulserinhas VIPs e dos privilégios para poucos não resiste a uma fila
preferencial. Esperar para quê? As prioridades já eram muitas, mas o Ministério
da Saúde, por pressão do presidente Jair Bolsonaro, ampliou ainda mais a lista
no mês passado, incluindo trabalhadores da indústria, portuários e 1,24 milhão
de caminhoneiros. Com isso, os grupos prioritários somam 77 milhões — mais de
um terço da população brasileira. Só para atender essas prioridades, são
necessárias 154 milhões de doses, que ainda não existem. Se faltam vacinas até
para os mais vulneráveis, imagine-se quando será vacinado o restante da
população.
As
prefeituras, que tocam na prática o programa de imunização, têm interpretado as
prioridades a seu modo. Prefeitos, secretários, políticos e parentes têm sido
vacinados à frente de idosos, um escândalo. Tudo isso acontece porque há muito
o Ministério da Saúde abriu mão de coordenar o combate à Covid-19. A confusão é
tamanha que o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, deu cinco dias para que o
governo defina uma ordem de preferência entre os grupos prioritários.
A
escala de vacinação não é feita ao acaso, nem aqui nem em lugar algum. Devem
ser vacinados primeiro os mais suscetíveis a contrair formas graves da doença.
Como os profissionais de saúde na linha de frente do combate à Covid-19 e a
população mais idosa.
O
Ministério da Saúde não pode ceder às pressões por regalias na fila da vacina,
por mais poderosos que sejam os padrinhos. É preciso respeitar a ordem de
vacinação e barrar qualquer tentativa de furar a fila. Deve-se seguir o exemplo
da Fiocruz quando as mais altas cortes do país pediram reservas de vacinas.
Simplesmente dizer não.
É
inaceitável dar prioridade a castas, enquanto idosos, muitos com problemas de
locomoção, enfrentam longas filas em postos de saúde ou engarrafamentos
quilométricos nos pontos de drive-thru.
Mais
eficaz do que ficar aumentando indefinidamente a fila preferencial da vacina
seria acelerar o programa de vacinação, até agora com resultados pífios — não
chegamos a 2% da população. É incrível, mas 20 dias depois de iniciada a
campanha — se é que há uma campanha —, o primeiro lote de seis milhões de doses
ainda não foi totalmente usado. Enquanto continuar essa política de
conta-gotas, de dez milhões aqui, mais dez milhões ali, a fila não anda.
Largada queimada – Opinião | Folha de S. Paulo
Bolsonaro
e Doria antecipam lances da disputa de 2022, e esquerda segue perdida
Jair
Bolsonaro está em campanha pela reeleição desde o dia em que assumiu a
Presidência, tornando esse o moto perpétuo de seu governo. Busca manter um
insólito estado de coisas no qual, ao não produzir quase nada de útil, tira o
fôlego dos outros atores políticos.
A
guinada do mandatário rumo ao pragmatismo, que começou com o cortejo ao centrão
para resguardar-se de um processo de impeachment, culminou recentemente em
triunfos nas eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.
Seus
aliados profissionais já tratam de questões de interesse político-eleitoral
imediato, como a prorrogação
do auxílio emergencial, enquanto Bolsonaro adere tardiamente ao
entendimento universal de que a vacinação será a chave para a retomada
econômica.
Adversário
em potencial mais vistoso no pleito de 2022, o governador paulista, João Doria
(PSDB), também participa da movimentação precoce. Fatura com o sucesso de seu
investimento na produção do imunizante Coronavac, caso em que um ativo
eleitoral tem valor indiscutível para a sociedade.
Ao
contrário de Bolsonaro, entretanto, Doria ainda não dispõe de uma rota clara ao
Planalto. Seu partido, notório por suas alas, encontra-se desorganizado após
conduta vexatória na eleição da Câmara.
Ali,
a bancada tucana rachou e boa parte dos 31 membros apoiou o nome de Bolsonaro
para o comando da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Doria identificou o
ex-presidenciável Aécio Neves (MG) como foco do movimento, o que o mineiro
nega, e partiu para o ataque.
Chamou
a cúpula da legenda e pediu coesão contra Bolsonaro, o que foi lido como
uma tentativa
de imposição —a proposta de aliados de que ele presidisse a sigla só
fez aumentar a desconfiança.
Instalou-se
com isso um conflito intestino que poderá custar caro ao governador caso não
seja resolvido de forma expedita. Além disso, o DEM, um parceiro tradicional,
mergulhou em crise ao perder a presidência da Câmara.
Na
esquerda, o outro campo posicionado para 2022, prevalece a pulverização
estimulada por Luiz Inácio Lula da Silva.
O
cacique petista —que ainda não deixou a aposta na vaga possibilidade jurídica
de poder concorrer e quer se preservar— recolocou o nome
do ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad na praça.
O
PT decerto será ator importante no pleito e, sozinho, pode até chegar a um
segundo turno, mas se ressentirá da dificuldade em dialogar com forças fora de
sua órbita tradicional, na qual, ademais, já surgem outros nomes.
Se
não deixar a sombra do lulismo, correrá o risco de ser um adversário ideal para
Bolsonaro.
O enigma de Wuhan – Opinião | Folha de S. Paulo
OMS
desfaz crenças ao não encontrar sinal de que mercado chinês disseminou Covid
A
mais luminosa perspectiva de emancipação aberta pela ciência está no confronto
das hipóteses contra os fatos. Por meio desse teste desfazem-se lendas
alimentadas por desavisados, como as relativas à origem chinesa da Covid-19.
Verdade
que se detectou o foco original da pandemia na região de Wuhan, província de
Hubei. Na segunda quinzena de novembro de 2019 surgiram os primeiros casos de
uma pneumonia atípica grave na cidade, e as suspeitas recaíram sobre um mercado
atacadista de frutos do mar frequentado por dezenas de doentes.
Algumas
bancas vendiam animais terrestres vivos, de várias espécies, e não raro
zoonoses virais começam pela manipulação deles. No entanto uma
comissão da Organização Mundial da Saúde (OMS) enviada para investigar
a origem do coronavírus Sars-CoV-2 concluiu não haver informação bastante a
corroborar tal ligação.
Morcegos
e pangolins chegaram a ser indiciados como fonte silvestre do novo coronavírus,
pois abrigam variedades aparentadas com o Sars-CoV-2. A análise de dezenas de
milhares de amostras animais, porém, não encontrou em Wuhan e noutras
localidades nenhum infectado pelo vírus ou outro com suficiente proximidade
genética.
Além
disso, testes realizados com material humano revelaram vários casos de
contaminação em pessoas que nada tinham a ver com o mercado e moravam longe
dele. Não se comprova, ao menor por ora, a ideia de que a pandemia nasceu do
consumo de animais exóticos.
Concluiu-se
ainda ser extremamente improvável que o coronavírus tenha vazado de algum
centro científico local —que dirá a teoria mirabolante de produção em
laboratório com intenções malignas.
No
Brasil, seguidores de Jair Bolsonaro e o próprio presidente repetiram à
exaustão a expressão discriminatória “vírus chinês”. Pretendiam, com isso,
disseminar seu anticomunismo pueril ao emprestar lastro à ficção conspiratória
de que o Sars-CoV teria sido fabricado para derrubar a economia mundial.
Depois,
alvejaram a vacina da empresa Sinovac e do Instituto Butantan, que chamavam de
“vachina do Doria”. Terminaram obrigados a comprar o imunizante do governo
paulista, quando os fatos provaram que seu negacionismo dera com os burros
n’água.
Nem
é necessária pesquisa científica para reconhecer, na xenofobia, prova
definitiva de falta de inteligência e habilidade diplomática.
IPCA mais baixo pode retardar elevação de juros – Opinião | Valor Econômico
O
estado atual de uma economia freada pela segunda onda da pandemia poderá ainda
perdurar por algum tempo
A inflação arrefeceu em janeiro com o IPCA de 0,25%, abaixo da mediana das expectativas, de 0,32%. Nenhum dos nove grupos do índice apresentou elevação de dezembro para janeiro e houve até deflação de 1,07% na habitação. Os efeitos do auxílio emergencial, já reduzido à metade, parecem ter se esvaído. A segunda onda da pandemia está atingindo com força considerável tanto a produção como o consumo. A perspectiva de um aumento de juros em março perde força, apesar das expectativas do mercado de juros indicarem 70% de chances de uma alta de 0,5 ponto já na próxima reunião do Copom e 30% de uma elevação de 0,5 ponto.
O
vilão da inflação, o setor de alimentos e bebidas, teve desempenho contido, com
recuo de 1,74% para 1,02% em janeiro. A variação dos preços nos demais setores
foi tão ou mais expressiva. Ela caiu pela metade nos artigos residenciais
(0,86% em janeiro), dois terços em transporte (0,4%) e educação (0,13%), foi a
zero em comunicação e tornou-se negativa em habitação e vestuário. O índice do
setor de serviços foi de 0,83% em dezembro a quase zero em janeiro (0,07%).
Relevante
para o futuro, o índice de difusão, o grau de disseminação dos aumentos, foi de
65,5%, ante 72,1% em dezembro. Eliminados os alimentos da conta, houve recuo de
69,4% para 59,3%. A mediana do IPCA apontada no boletim Focus para o primeiro
trimestre do ano, de 1,20%, pode ser frustrada, se a taxa de câmbio se
comportar. A projeção do BC, no Relatório de Inflação de dezembro, está mais
perto da realidade. Para janeiro, a previsão era de 0,27%, ante 0,32% dos
analistas e consultorias. A discrepância é maior em fevereiro - 0,36% e 0,59%,
respectivamente.
O
estado atual de uma economia freada pela segunda onda da pandemia poderá ainda
perdurar por algum tempo. Boa parte das estimativas apontam para uma retração
no trimestre, que pode ser moderada (0,7%, segundo o Focus) ou significativa
(os economistas do Bank of America revisaram a queda de 1% para 2%). O
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, observou que a recuperação,
no início em V, perdeu fôlego. “O crescimento do primeiro trimestre será menor
do que esperávamos, mas o quarto trimestre foi melhor”, observou durante
webinar do Observatory Group.
A
perspectiva para o segundo trimestre, segundo ele, vai depender da vacinação,
cujo ritmo atual “é lento”. A economia deve se tornar mais dinâmica no segundo
semestre. Esse cenário não parece combinar com uma alta dos juros rápida e intensa
ou para uma inflação persistente. “Há muito barulho nos índices de curto
prazo”, disse Campos Neto.
O
passado de baixa inflação conspira contra o IPCA futuro sem, no entanto,
desautorizar a previsão do BC que a elevação dos preços, ainda que mais duradoura
do que o esperado, é provisória. Entram no IPCA em doze meses, agora em 4,56%,
a inflação baixa do início da pandemia - 0,07 em março e deflação em abril e
maio (-0,31% e -0,38%).
O
barulho fiscal, por outro lado, tem atingido a política monetária diretamente,
via elevação da curva de juros e expectativas negativas, na taxa de câmbio. A
alta do dólar, em raro alinhamento com a elevação dos preços das commodities,
potencializou o aumento de preços dos alimentos e de matérias-primas
industriais. É um dos fatores mais ativos agora. No ano, a moeda americana
subiu 3,54% (até segunda-feira), mas no mês houve um recuo de 1,83%. A queda
dos prêmios de risco (CDS) de 12,7% nos poucos primeiros dias de fevereiro é um
sinal de que o câmbio pode perder fôlego.
O
Copom retirou a prescrição futura de sua agenda e resolveu esperar mais até
elevar os juros. Em tabelas da apresentação de Campos Neto, os juros reais
brasileiros são os mais negativos (-2,41%) entre 17 países e blocos, como a
zona do euro. Com os núcleos apontando zona de perigo para a política
monetária, o aumento da Selic entrou no radar do BC, mas não é uma fatalidade.
O cenário de curto prazo se parece razoavelmente com o alternativo traçado no Relatório de Inflação. Ele estimou os efeitos de uma pandemia prolongada, que não reduzisse o hiato do produto (de 3,9% no quarto trimestre de 2020) nos dois primeiros trimestres de 2021. Com essas premissas, o BC projetou inflação de 2,4% no último trimestre do ano. Como ele olha cada vez mais para 2022, uma pequena elevação dos juros já removeria os “estímulos extraordinariamente elevados” da política monetária. Por vários motivos, a alta delineada na curva dos juros parece exagerada enquanto a economia não tiver deixado a pandemia para trás e demonstrar pelo menos razoável vigor.
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