quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A inflação está na mesa – Opinião | O Estado de S. Paulo

Comida, a principal despesa para a maioria das famílias, continua puxando a inflação, num ambiente de alto desemprego e condições agravadas pelo fim do auxílio emergencial. Sem essa ajuda, mais de 60 milhões de pessoas afundaram em dificuldades, enquanto os preços, já muito inflados, continuaram em alta. O custo da alimentação subiu 14,81% em 12 meses, mas esse número, já muito ruim, é apenas uma média. O arroz encareceu 74,14%. O feijão carioca, 18,53%. As carnes, 22,82%. Mesmo com algum alívio em janeiro, a pressão acumulada é muito forte. No mês passado a inflação ficou em 0,25% e o custo da alimentação subiu 1,02%. Foram taxas menores que as de dezembro – mas em cima de grandes aumentos em meses anteriores. Esses dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Convém levar em conta esses aumentos para avaliar o alívio, real ou aparente, ocorrido em janeiro. A taxa do mês foi bem menor que as de dezembro (1,35%) e da maior parte dos meses a partir de julho. Mas apenas dois itens, habitação e vestuário, ficaram mais baratos que no mês anterior, com recuos de 1,07% e 0,07%. O custo da habitação foi derrubado pela tarifa de eletricidade, com redução de 5,60%, resultante da passagem da bandeira vermelha para a amarela. Nos outros sete grandes itens pesquisados houve altas de preços.

O aumento maior e de maior efeito foi o do custo da alimentação, de 1,02%, com impacto de 0,22 ponto na formação do resultado geral (0,25%). Os preços no varejo teriam sido bem mais altos, em janeiro e no segundo semestre de 2020, se produtores e distribuidores tivessem conseguido repassar as altas ocorridas no atacado.

Essas altas continuam. Na primeira prévia do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) de fevereiro os preços ao produtor subiram 2,54%, acumulando variação de 6% no ano e de 39,10% em 12 meses. Mas o repasse vem sendo contido pelas condições da demanda final, enfraquecida pelo desemprego e pelas dificuldades das famílias. Os preços ao produtor formam o principal componente do IGP-M, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas.

No atacado, os aumentos têm refletido as condições do mercado internacional e a cotação do dólar, muito pressionada desde o começo de 2020. Os dois fatores explicam a maior parte da alta de preços das matérias-primas, como o petróleo, o minério de ferro e os alimentos.

O dólar tende a subir em relação ao real quando aumenta, no mercado, a insegurança quanto às contas do governo e à dívida pública. Esse efeito foi facilmente perceptível, nos últimos dias, durante as discussões, em Brasília, sobre fórmulas para retomada do auxílio emergencial e sobre a possível violação do teto de gastos. A indefinição do governo sobre a gestão de suas contas em 2021 tem sido uma importante fonte de dúvidas para o mercado.

Pressionando o dólar e os preços, a insegurança dos investidores em relação às finanças federais acaba, indiretamente, complicando a vida dos consumidores, especialmente dos mais pobres, já prejudicados pelas más condições do mercado de trabalho e pela perda de renda. Quem conseguiu juntar alguma reserva no ano passado, graças à ajuda emergencial, tem usado esse dinheiro – se ainda houver algum – para as compras essenciais.

Os grandes saques da poupança, no mês passado, são em grande parte explicáveis pela piora das condições dos mais pobres. Mas também a classe média juntou alguma poupança em 2020 e pode agora estar usando esse dinheiro.

A alta de preços, principalmente dos alimentos, assombra as famílias num momento muito complicado, com o governo incapaz de dizer como vai tocar a política econômica. No meio do nevoeiro, a inflação avança. Em 2020 o IPCA subiu 4,52% e ultrapassou o centro da meta oficial, de 4%. Nos 12 meses até janeiro a variação chegou a 4,56%. Neste ano será preciso um esforço maior de ajuste para atingir o centro do alvo, rebaixado para 3,75%. Se depender só do Banco Central, a resposta poderá ser uma alta de juros, um remédio com perigosos efeitos colaterais para as contas públicas e o emprego. 

O estranho decreto de Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo

No dia 27 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro editou decreto instituindo a Política Nacional de Modernização do Estado e o Fórum Nacional de Modernização do Estado. O tema deveria ser da mais alta importância. De fato, é preciso modernizar a máquina estatal, para que seja mais ágil e mais eficiente.

Porém, justamente pela importância do tema, o Decreto 10.609/2021 é decepcionante. A maior parte do texto é uma sequência de tautologias, como se a mera menção a conceitos relacionados à modernização fosse capaz de “aumentar a eficiência e modernizar a administração pública, a prestação de serviços e o ambiente de negócios para melhor atender às necessidades dos cidadãos” – que são as finalidades do decreto.

Chama a atenção que o Decreto 10.609/2021, repleto de orientações e diretrizes para o aumento da eficiência estatal, não guarde nenhuma relação com a conduta de Bolsonaro à frente do Executivo federal. O texto seria cômico, se não fosse trágico, tendo em vista as dolorosas consequências sobre o País das ações e omissões do presidente da República.

Tome-se, como exemplo, o terceiro artigo do decreto. “São diretrizes da Política Nacional de Modernização do Estado: (i) direcionar a atuação governamental para a entrega de resultados com foco nos cidadãos; (ii) buscar o alinhamento institucional entre os atores envolvidos na política de modernização; (iii) promover um Estado moderno e ágil, capaz de atuar, de forma tempestiva e assertiva, frente aos desafios contemporâneos e às situações emergenciais”. Ao todo, são oito diretrizes.

É constrangedor avaliar a conduta do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia de covid-19 a partir dessas três diretrizes que ele mesmo propôs. A desconexão entre o comportamento do presidente da República e o seu decreto não se limita, no entanto, às três primeiras diretrizes. A sexta orientação é, por exemplo, “aprimorar as capacidades dos servidores públicos e das instituições” e a sétima, “ampliar o acesso e a qualidade dos serviços públicos”.

O governo de Jair Bolsonaro tem enormes dificuldades para cumprir seu dever primário, que é zelar pela vida e saúde da população. Ao mesmo tempo, lança-se a propor orientações teóricas, como se fosse realizá-las.

Por exemplo, a respeito da implementação da Política Nacional de Modernização do Estado, o decreto estabelece cinco grandes eixos temáticos: melhoria do ambiente de negócios próspero, ampliação das capacidades do Estado moderno, evolução dos serviços públicos, cooperação e articulação entre agentes públicos e privados e, por último, governo e transformação digital do País.

Tudo isso seria oportuno, se pudesse ser implementado por quem o propõe. Mas não é condizente assinar um decreto com tal conteúdo enquanto se promove, por exemplo, a mais irracional rinha contra as vacinas anticovid. O objetivo é mesmo tornar o Estado mais eficiente e racional?

Ao atuar assim, com essa abissal distância entre a realidade e as disposições do decreto, na verdade o presidente Jair Bolsonaro dificulta a modernização do Estado e se esquiva de promover a tão necessária reforma administrativa. Em vez de assegurar caminhos e critérios efetivos para que a máquina pública se modernize, ele está simplesmente criando mais um ato burocrático, fadado a não produzir nenhum efeito em relação à eficiência do Estado e à melhoria dos serviços públicos. A respeito de burocracia, o decreto cria ainda o Fórum Nacional de Modernização do Estado, com várias câmaras temáticas.

Se há preocupação por modernizar o Estado, o presidente Jair Bolsonaro deveria começar cuidando da eficiência de seu governo e assumindo suas responsabilidades constitucionais. Seu desempenho até aqui não o credencia a dar nenhuma aula sobre modernização do Estado. Outra medida possível é trabalhar para a aprovação de uma boa reforma administrativa, muito além do projeto enviado pelo Executivo.

Não há decreto que, por si, modernize o Estado se, por parte da Presidência da República, abundam confusões e omissões e escasseia aquela responsabilidade básica, de cada um fazer a sua parte.

Antes de dinheiro, falta espírito público – Opinião | O Estado de S. Paulo

É excruciante a demora do governo e do Congresso para encontrar as fontes de financiamento para retomar o auxílio emergencial para os milhões de cidadãos destituídos de renda em razão da pandemia de covid-19. O auxílio acabou em dezembro, mas a pandemia não – e lá se vão dois meses e meio sem que o poder público tenha sido capaz de se entender sobre tão urgente demanda.

Do mesmo modo, causa indignação a notícia de que caiu em 76% o total de leitos hospitalares para tratamento de covid-19 em São Paulo que são financiados pelo governo federal. O motivo é tão prosaico quanto assombroso: terminou em 31 de dezembro a validade da emenda constitucional que criou o chamado “orçamento de guerra”, que previa recursos extraordinários para o enfrentamento da pandemia. Sem a emenda, faltou dinheiro.

Nos dois casos, espanta a incapacidade do governo de Jair Bolsonaro de se antecipar a problemas com data marcada para acontecer. Ante a óbvia escalada da pandemia – em Manaus, por exemplo, já se fala em uma “terceira onda” –, é simples irresponsabilidade deixar de tomar providências tempestivas. A esta altura, nada disso era imprevisível – ao contrário, o recrudescimento da pandemia foi antecipado insistentemente pelos cientistas.

Como o governo é liderado por um presidente inimigo da ciência e indiferente ao sofrimento de seus governados, nada disso deveria espantar. Enquanto o mundo civilizado passou boa parte de 2020 na corrida por uma vacina, Bolsonaro e o intendente que responde pelo Ministério da Saúde dedicaram-se a fazer propaganda de remédios sem eficácia contra a covid-19 e potencialmente perigosos, ao mesmo tempo que o presidente questionava a segurança dos imunizantes. A vacina só se tornou prioritária para o governo quando passou a ser vista por Bolsonaro como um possível ativo eleitoral.

É esse desinteresse pela sorte dos brasileiros que preside a discussão bizantina sobre a volta do auxílio emergencial. “Acho que vai ter uma prorrogação”, disse Bolsonaro, como se fosse um comentarista político, e não o presidente da República. Um presidente não “acha” nada: ordena de acordo com a lei. É para isso que serve o poder que as urnas lhe conferiram em 2018. Se a volta do auxílio emergencial é indispensável – e é –, então cabe ao presidente mandar que aconteça o mais rápido possível, tomando as decisões políticas necessárias.

Mas é precisamente isso o que Bolsonaro não quer fazer, porque tomar decisões políticas acarretam ônus diversos. Quando era deputado do baixo clero, Bolsonaro não tinha esse problema: podia exercer sua irresponsabilidade à vontade. Como presidente, contudo, deve enfrentar o peso de suas escolhas e indicar ao País uma direção clara.

Talvez o maior símbolo atual da falta de direção do governo Bolsonaro seja o incrível atraso da aprovação do Orçamento, que deveria ter sido votado no ano passado. Sem o Orçamento, não há planejamento possível, algo especialmente grave numa pandemia.

O caso da obscena queda do financiamento federal de leitos para tratamento de covid-19, que atinge vários Estados além de São Paulo, é exemplar: “Não houve planejamento. O Orçamento de 2021 é o mesmo de 2019. Simplesmente desconsiderou o Orçamento de 2020, como se a pandemia tivesse terminado em 31 de dezembro”, disse o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Carlos Lula. Segundo a Secretaria da Saúde paulista, a situação obrigou os gestores locais a gastarem mais de uma hora para outra.

Ao contrário das aparências, nada disso é de improviso. A pandemia serve aos demagogos como argumento para a irresponsabilidade fiscal, que hipoteca o futuro do País, mas rende votos. Como o Estado noticiou, os novos comandantes do Congresso, apadrinhados de Bolsonaro, querem relançar o auxílio emergencial fora do teto de gastos e sem cortar nenhuma outra despesa. Fala-se de novo em reeditar a famigerada CPMF como forma de financiar o auxílio. Seria o coroamento da desfaçatez, mas, a esta altura, já se sabe que o problema não é falta de dinheiro, mas de espírito público.

Novo auxílio deve respeitar teto de gastos – Opinião | O Globo

Passada a euforia pela vitória, ao pôr os dois aliados na cúpula do Congresso — Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado —, o presidente Jair Bolsonaro já perde apoio entre os mais pobres, como têm constatado as últimas pesquisas. Não é outro o motivo para ele ter pedido urgência na volta do auxílio emergencial, poucos dias depois de ter descartado a ideia. Com o “é para ontem” dito por Bolsonaro, Lira e Pacheco já se mobilizam. Pena que na direção errada.

Restabelecer uma rede de proteção aos milhões de desempregados e desassistidos que sobrevivem na informalidade é mesmo uma necessidade diante do recrudescimento da pandemia, da estagnação econômica e da incompetência crassa do governo na vacinação. O problema surge quando Lira fala em “excepcionalização temporária” do Orçamento, de modo a abrir espaço aos recursos necessários.

Trata-se de um eufemismo para defender que ele seja excluído do teto de gastos, evitando assim a imposição de cortes orçamentários. É a solução errada. O teto existe justamente para que sejam feitas escolhas sobre onde aplicar o dinheiro disponível, que não é infinito. Se o Brasil precisa do auxílio, o certo não é a “excepcionalização” de coisa alguma, mas sim uma simples decisão que respeite a lei e os limites fiscais.

Soluções não faltam. A mais sensata, descartada por Bolsonaro no ano passado, seria extinguir programas sociais ineficazes, como seguro-defeso e subsídios à cesta básica. Em artigo recente, o economista Marcos Mendes, do Insper, sugere outras formas de obter R$ 46 bilhões de modo emergencial. Há dinheiro à disposição em emendas parlamentares, na revogação de benefícios fiscais, na economia de recursos em virtude do trabalho remoto e até na devolução da parcela da ajuda federal de 2020 que ficou no caixa de estados e municípios.

Mas o que Lira sugere é uma via expressa para o auxílio, fora do teto de gastos. Também discorda da contrapartida de cortes, pedida acertadamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Será desastroso se isso acontecer numa economia já atolada em déficits, com dificuldades crescentes para rolar sua dívida.

Guedes, com a experiência de 2020, em que a decretação de calamidade pelo Congresso permitiu realizar despesas fora do teto, propõe um auxílio de R$ 200 por três meses, com foco na população mais vulnerável. Em 2020, a ajuda começou com R$ 600, no final do ano foi reduzida à metade e atingiu cerca de 65 milhões. Custou mais de R$ 300 bilhões ao Erário.

Foram constatados desvios na distribuição, por isso faz sentido fechar o foco. O “é para ontem” de Bolsonaro não deve ser entendido como uma ordem sem bom senso nem preocupação com as contas públicas. Dinheiro existe. Há uma miríade de ralos por onde ele escoa no setor público. É ingenuidade crer que a leniência fiscal não cobrará seu preço. Não existe mágica: romper nossa única âncora num momento de explosão da dívida trará consequências dramáticas à inflação. Não adianta dar aos pobres dinheiro que logo perderá o valor. Lira, Pacheco e Bolsonaro deveriam saber disso.

Governo não pode ceder à pressão de grupos por prioridade na vacina – Opinião | O Globo

É cada vez maior a fila dos que tentam furar a fila da vacina. Já há no Ministério da Saúde pelo menos 45 pedidos de grupos que demandam prioridade na vacinação contra a Covid-19. Como mostrou reportagem do GLOBO, a lista é eclética. Reúne entidades como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), órgãos públicos como o Ministério da Economia, trabalhadores dos Correios, personal trainers, aeronautas, pessoal de limpeza, guardas municipais, funcionários de agências reguladoras e até categorias que já estão contempladas, como os professores, mas que querem dar um passinho à frente na fila.

O país do “você sabe com quem está falando?”, dos cercadinhos exclusivos, das pulserinhas VIPs e dos privilégios para poucos não resiste a uma fila preferencial. Esperar para quê? As prioridades já eram muitas, mas o Ministério da Saúde, por pressão do presidente Jair Bolsonaro, ampliou ainda mais a lista no mês passado, incluindo trabalhadores da indústria, portuários e 1,24 milhão de caminhoneiros. Com isso, os grupos prioritários somam 77 milhões — mais de um terço da população brasileira. Só para atender essas prioridades, são necessárias 154 milhões de doses, que ainda não existem. Se faltam vacinas até para os mais vulneráveis, imagine-se quando será vacinado o restante da população.

As prefeituras, que tocam na prática o programa de imunização, têm interpretado as prioridades a seu modo. Prefeitos, secretários, políticos e parentes têm sido vacinados à frente de idosos, um escândalo. Tudo isso acontece porque há muito o Ministério da Saúde abriu mão de coordenar o combate à Covid-19. A confusão é tamanha que o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, deu cinco dias para que o governo defina uma ordem de preferência entre os grupos prioritários.

A escala de vacinação não é feita ao acaso, nem aqui nem em lugar algum. Devem ser vacinados primeiro os mais suscetíveis a contrair formas graves da doença. Como os profissionais de saúde na linha de frente do combate à Covid-19 e a população mais idosa.

O Ministério da Saúde não pode ceder às pressões por regalias na fila da vacina, por mais poderosos que sejam os padrinhos. É preciso respeitar a ordem de vacinação e barrar qualquer tentativa de furar a fila. Deve-se seguir o exemplo da Fiocruz quando as mais altas cortes do país pediram reservas de vacinas. Simplesmente dizer não.

É inaceitável dar prioridade a castas, enquanto idosos, muitos com problemas de locomoção, enfrentam longas filas em postos de saúde ou engarrafamentos quilométricos nos pontos de drive-thru.

Mais eficaz do que ficar aumentando indefinidamente a fila preferencial da vacina seria acelerar o programa de vacinação, até agora com resultados pífios — não chegamos a 2% da população. É incrível, mas 20 dias depois de iniciada a campanha — se é que há uma campanha —, o primeiro lote de seis milhões de doses ainda não foi totalmente usado. Enquanto continuar essa política de conta-gotas, de dez milhões aqui, mais dez milhões ali, a fila não anda.

Largada queimada – Opinião | Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Doria antecipam lances da disputa de 2022, e esquerda segue perdida

Jair Bolsonaro está em campanha pela reeleição desde o dia em que assumiu a Presidência, tornando esse o moto perpétuo de seu governo. Busca manter um insólito estado de coisas no qual, ao não produzir quase nada de útil, tira o fôlego dos outros atores políticos.

A guinada do mandatário rumo ao pragmatismo, que começou com o cortejo ao centrão para resguardar-se de um processo de impeachment, culminou recentemente em triunfos nas eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.

Seus aliados profissionais já tratam de questões de interesse político-eleitoral imediato, como a prorrogação do auxílio emergencial, enquanto Bolsonaro adere tardiamente ao entendimento universal de que a vacinação será a chave para a retomada econômica.

Adversário em potencial mais vistoso no pleito de 2022, o governador paulista, João Doria (PSDB), também participa da movimentação precoce. Fatura com o sucesso de seu investimento na produção do imunizante Coronavac, caso em que um ativo eleitoral tem valor indiscutível para a sociedade.

Ao contrário de Bolsonaro, entretanto, Doria ainda não dispõe de uma rota clara ao Planalto. Seu partido, notório por suas alas, encontra-se desorganizado após conduta vexatória na eleição da Câmara.

Ali, a bancada tucana rachou e boa parte dos 31 membros apoiou o nome de Bolsonaro para o comando da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Doria identificou o ex-presidenciável Aécio Neves (MG) como foco do movimento, o que o mineiro nega, e partiu para o ataque.

Chamou a cúpula da legenda e pediu coesão contra Bolsonaro, o que foi lido como uma tentativa de imposição —a proposta de aliados de que ele presidisse a sigla só fez aumentar a desconfiança.

Instalou-se com isso um conflito intestino que poderá custar caro ao governador caso não seja resolvido de forma expedita. Além disso, o DEM, um parceiro tradicional, mergulhou em crise ao perder a presidência da Câmara.

Na esquerda, o outro campo posicionado para 2022, prevalece a pulverização estimulada por Luiz Inácio Lula da Silva.

O cacique petista —que ainda não deixou a aposta na vaga possibilidade jurídica de poder concorrer e quer se preservar— recolocou o nome do ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad na praça.

O PT decerto será ator importante no pleito e, sozinho, pode até chegar a um segundo turno, mas se ressentirá da dificuldade em dialogar com forças fora de sua órbita tradicional, na qual, ademais, já surgem outros nomes.

Se não deixar a sombra do lulismo, correrá o risco de ser um adversário ideal para Bolsonaro.

O enigma de Wuhan – Opinião | Folha de S. Paulo

OMS desfaz crenças ao não encontrar sinal de que mercado chinês disseminou Covid

A mais luminosa perspectiva de emancipação aberta pela ciência está no confronto das hipóteses contra os fatos. Por meio desse teste desfazem-se lendas alimentadas por desavisados, como as relativas à origem chinesa da Covid-19.

Verdade que se detectou o foco original da pandemia na região de Wuhan, província de Hubei. Na segunda quinzena de novembro de 2019 surgiram os primeiros casos de uma pneumonia atípica grave na cidade, e as suspeitas recaíram sobre um mercado atacadista de frutos do mar frequentado por dezenas de doentes.

Algumas bancas vendiam animais terrestres vivos, de várias espécies, e não raro zoonoses virais começam pela manipulação deles. No entanto uma comissão da Organização Mundial da Saúde (OMS) enviada para investigar a origem do coronavírus Sars-CoV-2 concluiu não haver informação bastante a corroborar tal ligação.

Morcegos e pangolins chegaram a ser indiciados como fonte silvestre do novo coronavírus, pois abrigam variedades aparentadas com o Sars-CoV-2. A análise de dezenas de milhares de amostras animais, porém, não encontrou em Wuhan e noutras localidades nenhum infectado pelo vírus ou outro com suficiente proximidade genética.

Além disso, testes realizados com material humano revelaram vários casos de contaminação em pessoas que nada tinham a ver com o mercado e moravam longe dele. Não se comprova, ao menor por ora, a ideia de que a pandemia nasceu do consumo de animais exóticos.

Concluiu-se ainda ser extremamente improvável que o coronavírus tenha vazado de algum centro científico local —que dirá a teoria mirabolante de produção em laboratório com intenções malignas.

No Brasil, seguidores de Jair Bolsonaro e o próprio presidente repetiram à exaustão a expressão discriminatória “vírus chinês”. Pretendiam, com isso, disseminar seu anticomunismo pueril ao emprestar lastro à ficção conspiratória de que o Sars-CoV teria sido fabricado para derrubar a economia mundial.

Depois, alvejaram a vacina da empresa Sinovac e do Instituto Butantan, que chamavam de “vachina do Doria”. Terminaram obrigados a comprar o imunizante do governo paulista, quando os fatos provaram que seu negacionismo dera com os burros n’água.

Nem é necessária pesquisa científica para reconhecer, na xenofobia, prova definitiva de falta de inteligência e habilidade diplomática.

IPCA mais baixo pode retardar elevação de juros – Opinião | Valor Econômico

O estado atual de uma economia freada pela segunda onda da pandemia poderá ainda perdurar por algum tempo

A inflação arrefeceu em janeiro com o IPCA de 0,25%, abaixo da mediana das expectativas, de 0,32%. Nenhum dos nove grupos do índice apresentou elevação de dezembro para janeiro e houve até deflação de 1,07% na habitação. Os efeitos do auxílio emergencial, já reduzido à metade, parecem ter se esvaído. A segunda onda da pandemia está atingindo com força considerável tanto a produção como o consumo. A perspectiva de um aumento de juros em março perde força, apesar das expectativas do mercado de juros indicarem 70% de chances de uma alta de 0,5 ponto já na próxima reunião do Copom e 30% de uma elevação de 0,5 ponto.

O vilão da inflação, o setor de alimentos e bebidas, teve desempenho contido, com recuo de 1,74% para 1,02% em janeiro. A variação dos preços nos demais setores foi tão ou mais expressiva. Ela caiu pela metade nos artigos residenciais (0,86% em janeiro), dois terços em transporte (0,4%) e educação (0,13%), foi a zero em comunicação e tornou-se negativa em habitação e vestuário. O índice do setor de serviços foi de 0,83% em dezembro a quase zero em janeiro (0,07%).

Relevante para o futuro, o índice de difusão, o grau de disseminação dos aumentos, foi de 65,5%, ante 72,1% em dezembro. Eliminados os alimentos da conta, houve recuo de 69,4% para 59,3%. A mediana do IPCA apontada no boletim Focus para o primeiro trimestre do ano, de 1,20%, pode ser frustrada, se a taxa de câmbio se comportar. A projeção do BC, no Relatório de Inflação de dezembro, está mais perto da realidade. Para janeiro, a previsão era de 0,27%, ante 0,32% dos analistas e consultorias. A discrepância é maior em fevereiro - 0,36% e 0,59%, respectivamente.

O estado atual de uma economia freada pela segunda onda da pandemia poderá ainda perdurar por algum tempo. Boa parte das estimativas apontam para uma retração no trimestre, que pode ser moderada (0,7%, segundo o Focus) ou significativa (os economistas do Bank of America revisaram a queda de 1% para 2%). O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, observou que a recuperação, no início em V, perdeu fôlego. “O crescimento do primeiro trimestre será menor do que esperávamos, mas o quarto trimestre foi melhor”, observou durante webinar do Observatory Group.

A perspectiva para o segundo trimestre, segundo ele, vai depender da vacinação, cujo ritmo atual “é lento”. A economia deve se tornar mais dinâmica no segundo semestre. Esse cenário não parece combinar com uma alta dos juros rápida e intensa ou para uma inflação persistente. “Há muito barulho nos índices de curto prazo”, disse Campos Neto.

O passado de baixa inflação conspira contra o IPCA futuro sem, no entanto, desautorizar a previsão do BC que a elevação dos preços, ainda que mais duradoura do que o esperado, é provisória. Entram no IPCA em doze meses, agora em 4,56%, a inflação baixa do início da pandemia - 0,07 em março e deflação em abril e maio (-0,31% e -0,38%).

O barulho fiscal, por outro lado, tem atingido a política monetária diretamente, via elevação da curva de juros e expectativas negativas, na taxa de câmbio. A alta do dólar, em raro alinhamento com a elevação dos preços das commodities, potencializou o aumento de preços dos alimentos e de matérias-primas industriais. É um dos fatores mais ativos agora. No ano, a moeda americana subiu 3,54% (até segunda-feira), mas no mês houve um recuo de 1,83%. A queda dos prêmios de risco (CDS) de 12,7% nos poucos primeiros dias de fevereiro é um sinal de que o câmbio pode perder fôlego.

O Copom retirou a prescrição futura de sua agenda e resolveu esperar mais até elevar os juros. Em tabelas da apresentação de Campos Neto, os juros reais brasileiros são os mais negativos (-2,41%) entre 17 países e blocos, como a zona do euro. Com os núcleos apontando zona de perigo para a política monetária, o aumento da Selic entrou no radar do BC, mas não é uma fatalidade.

O cenário de curto prazo se parece razoavelmente com o alternativo traçado no Relatório de Inflação. Ele estimou os efeitos de uma pandemia prolongada, que não reduzisse o hiato do produto (de 3,9% no quarto trimestre de 2020) nos dois primeiros trimestres de 2021. Com essas premissas, o BC projetou inflação de 2,4% no último trimestre do ano. Como ele olha cada vez mais para 2022, uma pequena elevação dos juros já removeria os “estímulos extraordinariamente elevados” da política monetária. Por vários motivos, a alta delineada na curva dos juros parece exagerada enquanto a economia não tiver deixado a pandemia para trás e demonstrar pelo menos razoável vigor.

Nenhum comentário: