O Brasil assiste, nestes dias, às tragédias da epidemia e da educação, e das duas entrelaçadas asfixiando o futuro do país. Mas o presidente da República apresentou ao Congresso Nacional ações que deseja aprovadas como seu legado ao futuro sem a presença desses assuntos. O presidente quer que o Brasil tenha milícias com indivíduos cada vez mais armados, substituindo polícias e Forças Armadas. Ele propõe também reduzir a proteção aos nossos povos indígenas e inocentar previamente policiais que matam civis durante operações.
Ele não põe a educação como prioridade, salvo desobrigar os governos de oferecerem escola e transferir essa responsabilidade para que as famílias possam dar instrução em casa. Ignora 50 milhões de crianças em idade escolar cujas famílias não têm condições de educar os filhos em casa, como era no período medieval, com tutores, e ainda despreza o futuro da nação a ser construído por elas.
A análise das propostas do presidente assusta pela ausência de preocupação com a educação nos dois anos iniciais do governo. A ponto de isentar importações de armas e taxar importação de livros, porque seus ministros dizem que livros são comprados por ricos e armas por pobres. Se tivesse interesse em fazer com que o Brasil desse o salto na educação, ele teria apresentado as propostas já conhecidas, mas é forçoso dizer que seus antecessores também não quiseram pôr em prática. Apresentar uma estratégia para que em alguns anos, ou décadas, o Brasil atinja duas metas: ter um sistema educacional com máxima qualidade e que a educação tenha a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança. Para tanto, seriam necessários alguns passos.
É
preciso concentrar o trabalho do MEC na educação de base. Instalar uma agência para
a proteção da criança e do adolescente capaz de cuidar desse público em todos
os setores como saúde, cultura e bem-estar. Educação é mais que um direito de
cada brasileiro, é também o vetor fundamental do progresso, sobretudo nestes
tempos da economia e segurança nacional baseadas no conhecimento e a justiça
social dependente da distribuição de conhecimento a todos, com a mesma
qualidade.
É
necessário retomar a implantação de um sistema nacional de educação de base,
com proposta de adotar as escolas das cidades sem condições de oferecer a
educação que suas crianças necessitam e merecem. Assumir para o governo federal
a responsabilidade pela educação de base nas cidades que assim desejassem e na
velocidade que os recursos federais permitirem, enviando professores de uma
carreira federal, muito bem remunerados, selecionados com rigor depois de
cuidadosa formação,
todos
com dedicação exclusiva à escola onde estiverem lotados, aceitando substituir a
estabilidade plena por estabilidade com responsabilidade, sujeita à avaliação
periódica.
Nessas cidades, as novas escolas seriam
construídas com as instalações necessárias no padrão das escolas federais,
especialmente as militares federais. Essas escolas iniciariam a evolução das atuais
“aulas teatrais”, do professor com quadro e giz, para “aulas cinematográficas”,
onde o professor utilizaria bancos de dados e de imagens. Todas as escolas das
cidades adotadas teriam horário integral.
É
possível fazer isso em dois anos em algumas cidades pequenas e, em 20 ou 30
anos, em todas as escolas do Brasil para todas as crianças brasileiras. É
possível e é preciso. Os governos anteriores deram passos proativos, mas
tímidos ainda na educação de base.
Ao
longo dos últimos 30 anos, o Brasil foi melhorando sua educação, mas aumentando
quatro brechas que nos fazem melhorar ficando para trás: brecha entre a
educação dos ricos e pobres, entre cidades ricas e cidades pobres, entre os
outros países e o Brasil e entre o que é preciso conhecer e o que é ensinado.
O
atual governo parece decidido a piorar nossa educação. Os governos anteriores optaram
por apenas melhorar, não saltar. O Brasil precisa interromper a marcha insana
do atual governo sacrificando o progresso, a segurança e a sustentabilidade do
país, mas também substituir a melhoria lenta, que nos deixa para trás, e adotar
uma estratégia que permita saltar aos padrões de qualidade das melhores do
mundo, com equidade para todas as crianças.
Para
dar o salto necessário precisamos saltar este governo. Mas a simples
substituição dele não basta se os próximos vierem com a mesma perspectiva de
apenas melhorar nos deixando para trás e com brechas ampliadas.
*Cristovam Buarque, Professor Emérito da Universidade de Brasília
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