É
bastante óbvio que a vacinação em massa e a transferência de renda aos
indivíduos mais vulneráveis ao impacto da pandemia são temas urgentes da
política pública. Não faltaram alertas. Mesmo assim, falta foco e há muito
improviso.
A
retomada da economia depende desses assuntos, interligados - quanto mais lenta
a vacinação, maior a necessidade de socorrer os mais pobres. Não se trata
apenas de garantir recursos orçamentários, mas de ter bons desenhos de
políticas públicas.
O
governo falha nas duas frentes. A julgar pelo andar da carruagem, teremos a
pior combinação possível: o aumento do endividamento público financiando
medidas pouco eficazes.
A
reação à pandemia foi relativamente rápida do lado econômico, mas não nos
preparamos para uma crise que ainda terá mais capítulos, em boa medida pelos
próprios erros do governo. Pessoalmente, defendi uma gestão mais cautelosa e
com foco especial na saúde, pois conter a doença ajudaria a limitar o contágio
na economia.
A crise prometia ser longa e o quadro fiscal já era frágil. A escolha, no entanto, foi outra. Como resultado, a saúde padeceu e ficou a fatura de um custo fiscal mais elevado na comparação mundial.
Há
muitas incertezas sobre quando atingiremos a “imunidade de rebanho” pela
vacinação. Para começar, não há evidências claras sobre qual a taxa de
imunidade para a Covid-19. Especialistas falam em 60%-80%, o que significa a
necessidade de eficácia das vacinas nesse intervalo.
No
entanto, as estimativas não consideram as novas cepas e assumem a vacinação
aleatória, o que não ocorre por razões estratégicas e morais – são prioridade
os profissionais de saúde e os idosos.
Seria
importante testagem em massa para mapear as novas cepas, algo improvável.
Quanto
mais demorar a vacinação, maior a ocorrência de mutações. Trata-se, pois, de
uma “corrida entre vacinação e novas mutações”, nas palavras de Julio Croda.
A
tarefa vai além de adquirir vacinas e materiais tempestivamente – não se sabe
ao certo esses números. Envolve logística, planejamento e treinamento de
profissionais da saúde para reduzir perdas físicas e técnicas na vacinação.
As
perdas físicas (frasco ainda fechado) estão mais associadas a problemas de
logística, como acondicionamento, e as perdas técnicas (frasco aberto) decorrem
principalmente do manejo.
O
Ministério da Saúde adotou como parâmetro uma taxa de 5% de perda no Plano
Nacional de Imunização, mas parece otimista em demasia. São poucas as pesquisas
disponíveis sobre perdas em vacinação no Brasil, mas elas indicam taxas muito
superiores às recomendadas pela OMS de 5% para frascos de dose única e 25% para
dose múltipla - é o caso das vacinas da Covid-19 -, pois uma vez aberto o
frasco, o prazo para a vacinação é bastante curto.
Uma
pesquisa feita em 2015-17 por Scheila Mai e coautores para a região
metropolitana de Porto Alegre - o 6o maior IDH entre as capitais – obteve taxa
média de perda de 45,8%, sendo 29,1% para vacinas com dose única e 56,7% para
dose múltipla. Outros estudos mostram grande heterogeneidade entre estados.
Imagine as perdas em regiões mais carentes.
Esse
difícil quadro sugere que não voltaremos rapidamente à normalidade. Isso em
meio à exaustão de políticas anticíclicas fiscal e monetária. A dívida pública
elevada e crescente já contamina o ambiente macroeconômico, como no
comportamento do dólar, e o Banco Central externou recentemente o desconforto com
a baixa taxa de juros atual.
Os
políticos têm apontado a necessidade de estender o auxílio emergencial, por
coerência ou por se preocuparem com a queda de aprovação do governo. Aqui
também há improviso de um governo que preferiu procrastinar, talvez temendo o
desgaste junto a investidores por conta de mais gastos por iniciativa do
Executivo.
O
resultado é que não há estudo embasado tecnicamente para definir o valor e o
público alvo. Depois dos excessos no programa anterior, tornou-se necessário
focalizar melhor em quem realmente precisa. O governo deveria ter aperfeiçoado
o Cadastro Único, por meio de convênios com os entes subnacionais, e encontrado
fontes de recurso no orçamento.
Saídas
existem, como aponta Marcos Mendes, mas condicionadas a reformas. Desperdiçamos
tempo valioso.
Há um deserto a ser atravessado, e estamos sem provisões
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