- Valor Econômico
Clima de pouca racionalidade e muita
ideologia fez perderem de vista movimentos fora do ambiente fiscal
Tenho no meu computador pessoal um arquivo
no qual guardo as previsões de analistas de mercado - inclusive as minhas -
feitas em momentos críticos por que passa de tempos em tempos nossa volátil
economia. Faço este exercício já há bastante tempo e ele tem servido como um
protocolo de reflexão para me orientar no futuro.
A crise provocada pela pandemia da covid-19
está sendo o último capítulo desta viagem pelo tempo que registrei com uma
certa disciplina e método por várias décadas. Mas acompanhar e registrar o que
foi escrito a partir de maio do ano passado teve, desta vez, dois desafios
inéditos para mim. O primeiro é que não estou mais na ativa como profissional
de uma instituição financeira, pública ou privada como sempre foi no passado. O
segundo - e certamente o mais importante - é que nunca havia vivido uma
pandemia com as dimensões da que estamos vivendo.
Um dos ensinamentos que acumulei ao longo
do tempo como observador da economia brasileira foi o de catalogar a crise que se
vivia a cada momento em duas categorias: as provocadas por erros na gestão do
ciclo econômico no Brasil e as criadas por fatos externos à nossa economia, mas
que nos atinge duramente. Aprendi com o tempo que esta separação é Paramount
para orientar minhas reflexões e foi o primeiro movimento que fiz agora.
A economia brasileira vinha - pela segunda vez desde 2014 - iniciando uma recuperação cíclica lenta depois de um período longo e profundo de recessão criada por erros e crises de natureza interna. Este período negro na nossa história teve sua origem nos dois últimos anos do segundo mandato do presidente Lula e, de maneira mais intensa, nos desastrosos anos Dilma Rousseff e sua equipe de economistas voluntaristas. Posteriormente a seu impeachment, com a posse de Michel Temer, vivemos o início de um ciclo de crescimento de curto prazo, mas que foi logo abortado pela crise política enfrentada pelo seu governo. Somente com a posse do governo Bolsonaro e sua equipe de economistas ortodoxos é que iniciamos mais uma vez um movimento de recuperação cíclica durante 2020.
Mas o início da pandemia da covid
atingiu-nos de forma dramática, jogando mais uma vez a economia em uma recessão
nunca vista no período posterior à ditadura militar. Sem poder me valer
inicialmente dos registros históricos que tinha acumulado pelo ineditismo do
que estava acontecendo. Juntei-me ao debate que se iniciou entre os economistas
brasileiros - e também em alguns outros países como o Reino Unido - sobre o que
fazer para enfrentar a crise na qual fomos mergulhados pelo vírus.
Rapidamente surgiu deste debate - que
envolvia também a equipe do governo - um protocolo de ações venezianas a ser
implantado com vigor para enfrentar a depressão econômica que se formava. O
custo fiscal destas medidas foi enorme fazendo com que o Tesouro federal
realizasse um déficit primário da ordem de 10% no primeiro ano da pandemia.
Mas mesmo com este esforço hercúleo, o
nosso PIB sofreu uma queda de mais de 4%, aumentando ainda mais a pressão sobre
o déficit fiscal do governo federal pelo aumento dos gastos extraordinários e
pela consequente queda na arrecadação de impostos e contribuições sociais. Sob
extrema pressão a única barreira institucional existente para exercer um
controle externo nos gastos do governo federal - o chamado Teto de Gastos
Primários - ficou ameaçado de ser superado.
Foi a gota d’água para que uma verdadeira
histeria coletiva tomasse conta da comunidade de economistas de mercado e de
seus seguidores na imprensa. Entre março e junho uma onda de pessimismo passou
a dominar os relatórios das principais casas financeiras localizadas na Av.
Faria Lima, principalmente. As discussões sobre o orçamento fiscal para 2021
que se seguiram consolidou entre a maioria dos analistas a sensação de que a
terrível - e muito pouco definida - Dominância Fiscal havia finalmente chegado
à nossa economia.
Neste clima de pouca racionalidade e muita
ideologia perderam de vista movimentos de natureza econômica que aconteciam
fora do ambiente fiscal e que passaram a mover a economia real. O primeiro
deles foi o impacto do aumento da demanda - e dos preços - das commodities em
que o Brasil é hoje seu mais importante “player” via o canal das exportações e
o aumento dos termos de troca de nosso comércio exterior.
Em segundo lugar não perceberam que a taxa
de câmbio do real, ultradepreciada pela fuga de capitais financeiros e retenção
de parte importante dos dólares recebidos pelos exportadores no exterior, havia
levantado uma barreira protetora para a indústria brasileira no seu eterno
combate contra as importações. Finalmente, que o pânico - que também chegou ao
consumidor - levou a um aumento importante da poupança financeira, criando um
colchão para futura volta do consumo.
E sob o domínio irracional do pânico, não
perceberam que os efeitos do diferencial da inflação entre 2020 e 2021 criaria
uma armadilha nos cálculos da arrecadação de impostos e da mensuração do teto
de gastos em 2021. Como disse de forma brilhante o economista Fernando Montero,
da Tullet Corretora, esqueceram que o denominador do cálculo da dívida bruta
seria o PIB nominal de 2021 em substituição ao de 2020. Estava armada a arapuca
numérica para que as projeções do teto da dívida e da arrecadação federal
feitas de maneira equivocada e superficial em junho de 2020, cobrasse agora o
preço das previsões equivocadas e a correção nas expectativas de crescimento em
2021.
Mais uma vez ficam claros os riscos de uma
análise de conjuntura que considere principalmente os marcos ideológicos do
economista e deixe de lado uma análise cuidadosa dos fatos que estão ocorrendo
nos mercados.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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