Projeto que tramita em regime de urgência na Câmara faz com que partidos 'driblem' cláusula de barreira, mas engessa alianças para 2022
Pedro Venceslau e Camila Turtelli / O
Estado de S. Paulo
SÃO PAULO E BRASÍLIA - O projeto de lei que
cria o modelo de federações
partidárias e tramita em regime de urgência na Câmara pode forçar a ação conjunta de partidos de oposição e
abrir caminho para fusões
partidárias. Segundo dirigentes e especialistas ouvidos
pelo Estadão, a
mudança, que é vista como uma tábua de salvação para as legendas pequenas,
conta com o apoio “solidário” das siglas de esquerda, mas sofre resistência
entre as médias e do Centrão.
Se for aprovado em plenário, o novo modelo
também vai engessar as articulações em torno das eleições de 2022, já que os blocos que
se formarem terão que apoiar o mesmo candidato presidencial e a governador em
todos os Estados. O tema entrou em debate após o “endurecimento” da cláusula de
desempenho ou de “barreira” – ela funciona com uma espécie de “filtro”.
A cláusula entrou em vigor antes do fim das coligações partidárias proporcionais (ou seja, nas eleições parlamentares), que começaram a valer em 2020. Ela estipula um patamar mínimo de votos para que uma legenda tenha acesso ao Fundo Partidário, tempo de rádio e TV no horário eleitoral e espaços de liderança no Congresso – e cresce progressivamente a cada eleição.
Nas eleições 2018, esse número foi de 1,5%
dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço
dos Estados. Em 2022, esse piso pulará para 2% (o que equivale a eleger 11
deputados). O piso aumenta de forma progressiva até chegar a 3% na eleição de
2030.
O tema é complexo, mas, em resumo, o
objetivo do fim das coligações combinado com a cláusula é justamente reduzir o
número de partidos no Brasil. Hoje existem 35 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
sendo que 28 elegeram representantes há quatro anos.
Na quarta-feira passada, por 429 votos a favor e 18 contra, os parlamentares no plenário concordaram em dar prioridade ao texto do Senado, de autoria de Renan Calheiros (MDB-AL), que permite a dois ou mais partidos se reunir em uma federação para que ela atue como se fosse uma única sigla nas eleições.
Se for aprovado, o projeto prevê que depois
da eleição esse “casamento” tem de durar pelo menos uma legislatura de quatro
anos. Ou seja: os federados serão obrigados a atuar como uma bancada no
Congresso, embora possam manter seus símbolos e programas.
Antes da aprovação, o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do
presidente Jair Bolsonaro, havia recebido um
pedido de deputados do PCdoB para pôr em pauta em regime
de urgência o projeto de lei. Apesar da ideia sofrer resistência dentro do seu
próprio partido e em outros do Centrão, Lira contemplou a demanda.
Judicialização
Conversas sobre a formação de federações já
ocorrem nos bastidores envolvendo o PCdoB e o PSB e a Rede e o PV. “A vantagem é produzir
convergência para uma fusão no futuro. É como se fosse um teste probatório de
um convívio comum de correntes políticas. A fusão seria natural”, disse o
deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
A cientista política Lara Mesquita, pesquisadora do
Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV, avalia que a federação
pode beneficiar a direita, mas a esquerda já tem uma tradição de formar blocos
e atuar junto. Ela ressalta que a federação é nacional e, portanto, as alianças
terão que valer também nas eleições presidenciais. “Esses partidos competem
juntos nos 26 Estados e Distrito Federal, em todas as Assembleias, Câmara e
Senado. Por isso precisa ter organicidade e uma unidade interna para emplacar
uma federação”.
Para Lara, os partidos têm que estar muito
“azeitados”. “É como se fosse uma fusão temporária, com um custo muito mais
baixo de se dissolver no círculo eleitoral posterior.” A pesquisadora pondera
que o projeto ainda não deixou claro como funcionará nas eleições municipais.
Esse é o mesmo questionamento do cientista
político Vitor
Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC. “Em tese,
teria que valer para as eleições municipais, mas esse imbróglio deve ser
judicializado e cair no TSE”, afirmou.
No caso do PCdoB, a aprovação do projeto é
questão de sobrevivência e a permanência no partido do seu principal quadro, o
governador do Maranhão, Flávio Dino, que planeja disputar o
Senado em 2022. Mas o mesmo vale para outras siglas de oposição a Bolsonaro que
atuam na sociedade civil, mas têm poucos deputados: a Rede de Marina Silva, o PSOL de Guilherme Boulos, o Cidadania de Roberto Freire, o Novo de João Amoêdo e o PV de Eduardo Jorge.
Apesar do placar elástico a favor do regime
de urgência para a tramitação da proposta, ainda há muita resistência na
Câmara. “Não vejo um clima favorável. A federação é benéfica para os pequenos
partidos, mas não é tão boa para os médios. E há uma predominância de partidos
médios na Câmara. Não vejo muita chance de prosperar”, disse o deputado Paulo Abi Ackel (MG),
vice-líder do PSDB na Casa.
O tucano votou favoravelmente ao regime de
urgência, mas vê com reservas a ideia. “Não dá para trabalhar a federação de
partidos logo depois de acabar com as coligações. Me parece contraditório votar
o fim das coligações há dois anos e depois permitir algo que só serve para a manutenção
desse quadro partidário”, afirmou.
O cientista político Rodrigo Prando, professor de
sociologia do Mackenzie, compara a cláusula de barreira somada ao fim das
coligações a uma “medicação” do sistema. “A legislação foi muito frouxa com a
criação de partidos. Essa medida foi para acabar com as legendas de aluguel,
mas prejudica também os partidos históricos ou com valores arraigados”,
afirmou.
Siglas de esquerda podem iniciar processo
de fusões
O projeto das federações partidárias conta
com o apoio do PT e PSB como forma de
“solidariedade” e sinalização política para as eleições de 2022, mas é visto
também no campo da esquerda como o início de um processo mais amplo de fusões
partidárias. “Nossa proposta é de um sistema político com um número reduzido de
partidos e uma cláusula de desempenho mais alta, de 5%. Não acho a federação o
melhor formato, mas ela pode ser um embrião de partidos maiores e mais
programáticos”, disse o presidente do PSB, Carlos Siqueira.
Uma das fusões (ou formação de federação
caso o projeto seja aprovado) discutida é justamente entre o PSB e o PCdoB. “A
união com a Rede é uma possibilidade”, disse o presidente do PV, José Luiz Penna.
Para angariar apoio entre partidos fora do
campo da esquerda, os deputados do PCdoB adotaram o discurso que o novo modelo
pode beneficiar todos no espectro ideológico.
“O (presidente
Jair) Bolsonaro pode fazer uma federação do Patriota com o PTB do Roberto Jefferson, por exemplo. Esse é
um mecanismo que não é de direita nem de esquerda”, afirmou o deputado Orlando
Silva (PCdoB-SP).
Os deputados bolsonaristas, porém, não
simpatizam com a ideia. “O tema do sistema eleitoral é fisiológico e não
ideológico. Fortalece os pequenos partidos de esquerda, que são os mais
radicais. Querem acesso ao financiamento público, é o grande motivador”, disse
o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP).
Já o presidente do PSD, Gilberto Kassab, sinaliza que pode apoiar o projeto. “Se ele for engessado, é uma oportunidade para que as pequenas legendas sérias continuem num casamento consolidado de quatro anos”, afirma.
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