- O Estado de S. Paulo
Conexões de conservadores com Bolsonaro
diminuem a percepção de risco quanto à suscetibilidade e a gravidade da covid
Pessoas tendem a superestimar as chances de
experimentar resultados favoráveis ou subestimar as chances de obter resultados
desfavoráveis. Esse comportamento é conhecido como viés de otimismo e se
manifesta em diversos contextos.
Por exemplo, indivíduos tendem a subestimar
o risco de ganhar peso e contrair doenças cardíacas; mesmo quando fumantes,
avaliam como baixo o risco de contrair câncer de pulmão; dirigem de forma
arriscada quando consideram que são baixas as chances de se envolverem em
acidentes.
O comportamento otimista sobre eventos futuros pode até gerar mais felicidade. Estudos apontam que otimismo estimula o sistema imunológico, diminui o risco de sofrer um AVC, propicia mais sucesso no trabalho, gera pessoas mais saudáveis etc. Mas o excesso de otimismo pode ser problemático, pois tende a induzir a comportamentos imprudentes e impedir a adoção de medidas de autoproteção.
Por outro lado, comportamentos de autoproteção
podem afetar a própria percepção de risco. Por exemplo, ciclistas que fazem uso
habitual de capacete tendem a dirigir suas bicicletas de uma forma mais
aventureira.
Será que, no caso da pandemia da covid,
medidas de autoproteção, como o uso de máscaras, estimulariam um otimismo
irreal e, por consequência, um comportamento mais arriscado?
Para responder a essa pergunta, eu e meus coautores da FGV EBAPE (Yan Vieites, Guilherme Ramos, Eduardo Andrade e Amanda Medeiros) pesquisamos, a partir de dois surveys experimentais com o apoio do Estadão, se o uso de máscara durante a pandemia da covid poderia aumentar a propensão das pessoas a se sentirem mais seguras de não contrair a doença e/ou de desenvolvê-la na sua forma mais branda, e, com isso, se expor a mais riscos.
Pessoas que usam máscara mais
frequentemente exibiram viés de otimismo, na medida em que percebem como menor
o risco de serem infectadas (suscetibilidade) em relação a outras pessoas da
mesma idade, gênero e vizinhança. No entanto, o uso de máscara não influenciou
de forma sistemática o otimismo irreal quanto ao risco de desenvolver a doença
de forma mais grave (severidade).
A pesquisa, que deu lastro a artigo que
acaba de ser aceito para publicação no Journal
of Experimental Psychology: Applied, e que contou com a
participação de 4.054 respondentes entre os dias 25/05 e 01/06 de 2020, também
investigou se a ideologia política (esquerda, centro e direita) e a
aprovação/reprovação do governo Bolsonaro exacerbariam o viés de otimismo
diante do uso de máscara.
Como pode ser observado na figura 1, os
respondentes que aprovam a performance do presidente Bolsonaro na pandemia
apresentaram uma percepção comparativa de risco mais baixa, tanto para a
suscetibilidade de contrair a covid e, especialmente, para a severidade da
doença.
Ou seja, os eleitores que aprovam a
performance do presidente são mais irrealisticamente otimistas do que os que o
reprovam. Quanto maior a aprovação de Bolsonaro, maior a probabilidade de
acreditarem que não serão infectados e, se contaminados, experimentariam
resultados menos gravosos da covid.
Essa percepção enviesada dos eleitores que
aprovam Bolsonaro parece ser consistente com a interpretação do próprio
presidente sobre riscos e gravidade da pandemia. Bolsonaro minimizou a doença
desqualificando-a como uma “gripezinha”. Negligenciou a compra de
vacinas e fez defesa ostensiva de uso de medicamentos sem comprovação
científica para o tratamento precoce, estimulando aglomerações, se opondo ao
distanciamento social e não fazendo uso de máscara.
Em suma, conexões de eleitores
conservadores com seu líder desconectado da realidade aguçam o otimismo irreal
em relação à covid.
* Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)
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