- Folha de S. Paulo
Alguém quer comemorar o fim da pandemia com
uma guerra civil?
O Brasil tem uma grande crise política
contratada para o futuro próximo. Não há nenhuma possibilidade de nossa vida
democrática transcorrer tranquilamente enquanto esperamos por ela. Se quisermos
algum vislumbre de normalidade institucional, é preciso matar a crise na
origem.
O mundo político inteiro sabe que Bolsonaro
sonha com um “6 de janeiro”, algo como a invasão do
Capitólio americano por extremistas de direita, caso perca a
eleição de 2022.
Todos também sabem que, se acontecer aqui,
será pior. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 8 de
março, Eduardo Bolsonaro disse que, se o 6 de janeiro americano “fosse
organizado, teriam tomado o Capitólio e feito reivindicações que já estariam
previamente estabelecidas pelo grupo invasor”.
“Eles teriam um poder bélico mínimo para
não morrer ninguém, matar todos os policiais lá dentro ou os congressistas que
eles tanto odeiam. No dia em que a direita for 10% da esquerda, a gente vai ter
guerra civil em todos os países do ocidente.”
“Matar todos os policiais lá dentro”. Olha
com quem vocês se meteram, meus amigos da
Polícia do Senado.
Bolsonaro sempre foi golpista. Na campanha de 2018, deixou claro que não aceitaria uma derrota pacificamente.
No primeiro semestre de 2020,
organizou manifestações
contra a democracia, liberou a importação de armas para ajudar “a
turma do artigo 142”
e seu filho Eduardo declarou que um golpe não era uma questão de “se”, mas de
“quando”.
Em 2021, tentou aparelhar a cúpula das
Forças Armadas, o que fez com que
os chefes das Forças renunciassem em protesto pela primeira vez
na história. Desde sempre, mente que a eleição de 2018 foi fraudada e já disse
que só aceitará uma vitória de Lula se ela for realizada com voto impresso. O
plano para 2022 já é claro faz tempo: contestar o
resultado das urnas e convocar um golpe.
A diferença é que agora Bolsonaro
finalmente encontrou um problema que, de fato, pode ser resolvido por um golpe
de Estado: seu medo de ser preso.
Jair Bolsonaro tem grandes chances de ser preso
quando deixar a Presidência. A CPI já documentou ao menos 90
mil mortes causadas diretamente por sua recusa de comprar
vacinas. Agora o jornalista Jamil Chade mostrou que Bolsonaro recusou-se a
comprar 43 milhões de doses de vacina do consórcio Covax Facility em 2020, o
que deve jogar o número de brasileiros que Bolsonaro comprovadamente matou bem
pra lá de cem mil.
Já dá uma cadeia boa. A não ser que haja
golpe.
Isto é, o golpismo de Bolsonaro recebeu um
novo estímulo com a exposição de seus crimes pela CPI da
pandemia e agora tem data marcada para se manifestar.
Até lá, que vida política é possível? Qual
o horizonte de acordos entre partes que podem estar guerreando nas ruas em
pouco mais de um ano? Como evitar que a certeza de um golpe em 22 não antecipe
os conflitos para agora? Alguém quer comemorar o fim da pandemia com uma guerra
civil?
Para evitar a crise de 2022, é preciso construir candidaturas que esmaguem Bolsonaro, de preferência já no primeiro turno; é preciso matar no berço o debate sobre sistema de votação para o ano que vem; e é preciso que as Forças Armadas deixem claro que abrirão fogo contra os golpistas. Nada sustentará a democracia melhor do que o medo de morrer de quem pensa em ameaçá-la.
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