PEC dos Militares representa passo na direção correta
O Globo
Medida combate politização das Forças
Armadas, mas não disciplina polícia nem acesso a cargos civis
Com a retomada dos trabalhos no Congresso, ganhou destaque no Senado a Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC dos Militares. De autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), o texto altera as regras para integrantes da ativa das Forças Armadas concorrerem em eleições. Se aprovada, os militares que decidirem buscar uma vaga no Legislativo ou Executivo passarão para a reserva no momento da candidatura. Dado o histórico do governo Jair Bolsonaro, com militarização de cargos civis, politização dos quartéis e tentativa de golpe, a medida seria um avanço institucional. Mas, embora seja um passo necessário, o alcance precisaria ser ampliado para surtir o efeito pretendido.
A transformação de quartéis e delegacias em
focos de campanha política é problema crescente. Hoje os candidatos se afastam
quando se candidatam e, se perdem, podem voltar. Na última eleição, 1.207
candidatos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se declararam
militares da ativa, policiais militares, policiais civis e bombeiros, 22% acima
de 2018. O problema da PEC é se ater apenas aos integrantes das Forças Armadas,
o menor contingente, com 63 candidaturas em 2022. Como está, ela é inócua contra
a politização das polícias militar e civil.
Em requerimento apresentado no Senado, o
senador Hamilton Mourão (Republicanos -RS) afirmou haver “vícios de
inconstitucionalidade” na PEC dos Militares. Para ele, trata-se de “afronta
direta” aos direitos políticos, “como se membros das Forças Armadas fossem
cidadãos de segunda categoria”. O argumento é descabido. Militares da ativa
dispostos a buscar uma carreira política continuarão completamente
desimpedidos, desde que abram mão da carreira militar. A tentativa de buscar o
mesmo tratamento que o dispensado aos demais servidores federais não leva em
conta que funcionários civis não carregam armas nem batem ponto em quartéis.
As investigações da Polícia Federal sobre a
tentativa de golpe com a participação de ministros militares e integrantes das
Forças Armadas aumentaram o apoio à PEC dos Militares no Senado. O entusiasmo,
porém, parece ter alvo equivocado. Se a lei impusesse as restrições da PEC
desde o início da administração anterior, não teria evitado nenhuma trama
golpista. Os principais suspeitos eram militares reformados com cargos no
Executivo ou integrantes das Forças Armadas. O braço político tinha liderança
civil.
A PEC tampouco teria evitado os escândalos
envolvendo militares de diversas patentes, da ativa e da reserva – do
desastroso combate à pandemia da Covid-19 às joias sauditas. O texto do senador
Jaques Wagner não trata do exercício de cargos civis por militares. A presença
dos oriundos da caserna em cargos comissionados triplicou entre 2013 e 2021.
Até agora, nada impede que a situação se repita. Para resolver a questão, o
ideal seria aprovar outra PEC, já em tramitação, restringindo o acesso de
militares a ministérios e cargos civis no governo.
No momento em que a PF investiga a maior
conspiração contra a democracia desde o fim da ditadura, os senadores têm dever
redobrado de tomar medidas para evitar novos crimes semelhantes. A PEC dos
Militares, apesar do efeito limitado, aponta na direção certa, ao combater a
politização dos quartéis. Além dela, também é necessário disciplinar as
polícias e a presença de militares da ativa em cargos civis.
Proibir celular nas escolas é medida
justificável diante do dano causado
O Globo
Aparelhos distraem alunos e prejudicam
aprendizado — seu uso precisa ser disciplinado
Alunos de escolas públicas e particulares têm
sido obrigados a se adaptar a uma rotina desafiadora: é cada vez maior o número
de estabelecimentos que restringem o uso de celulares em sala de aula e, às
vezes, até fora delas, durante o recreio. O argumento é que os aparelhos
provocam distração, interferem no aprendizado e dificultam a socialização, pois
crianças, adolescentes e jovens preferem ficar grudados nas telas a conversar
com os colegas à moda antiga. O Brasil não inventou nada. Segundo a ONU, um em cada
quatro países adota políticas para restringir celulares nas salas de aula. É o
caso de Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Portugal, Suíça, Holanda e
México.
Na cidade do Rio, os celulares estão
proibidos em sala de aula desde agosto. A partir de março, estarão vetados
também no recreio. A decisão foi, segundo a Prefeitura, tomada com base em
relatórios da Organização Mundial da Saúde e da Unesco. O secretário municipal
de Educação,
Renan Ferreirinha, afirma que o uso excessivo de aparelhos eletrônicos
atrapalha a concentração e prejudica a aprendizagem. “É como se o aluno saísse
de sala toda vez que vê uma notificação”, diz. O decreto do Executivo abre
exceções para alunos com deficiência ou condições de saúde que exijam os
dispositivos.
Nas redes estadual e municipal de São Paulo,
o uso do celular costuma ser permitido apenas para atividades pedagógicas.
Escolas particulares no estado também têm procurado restringi-lo em salas de
aula. Um desses estabelecimentos providenciou um suporte ao lado do quadro,
para que os estudantes possam deixar seus telefones enquanto assistem às aulas.
Em julho, um relatório da Unesco recomendou
cautela com o celular em sala de aula. Dados de avaliações internacionais
sugerem uma associação negativa entre o uso excessivo das tecnologias digitais
e o desempenho acadêmico. “Descobriu-se que a simples proximidade de um
aparelho celular era capaz de distrair os estudantes e provocar impacto
negativo na aprendizagem”, diz o documento.
A questão não é o celular em si, mas seu uso.
A tecnologia pode ser forte aliada na educação. Durante a pandemia, o celular
cumpriu papel essencial ao permitir que alunos sem computador ou tablet
acompanhassem aulas on-line. Também não se desconhece o mundo de possibilidades
que o dispositivo abre a qualquer estudante. Pode ser uma ferramenta pedagógica
formidável para alunos e professores, desde que usada com parcimônia.
Mas nem sempre é realista esperar o uso
adequado, uma vez que os aparelhos sempre distrairão os alunos. É saudável
também que crianças e adolescentes possam conversar durante o intervalos das
aulas. A socialização é parte fundamental da rotina das escolas. É verdade que
banir celulares do espaço escolar é uma decisão drástica, que deve ser tomada
levando em conta seu impacto na rotina de diretores, professores e, sobretudo,
dos pais e dos alunos. Mas pode ser plenamente justificável diante do dano
comprovadamente causado pelo abuso do dispositivo.
Calmaria nos ativos dá tempo ao país de fazer
conserto fiscal
Valor Econômico
As altas de juros nos EUA deixaram de ter
fortes efeitos adversos imediatos nos mercados financeiros emergentes. A
elevação das taxas dos títulos do Tesouro americano de 10 anos, que chegaram a
5%, para depois recuarem e, recentemente, voltarem a subir, deixou de provocar
a gangorra nos ativos de países como o Brasil, assim como não se observou uma
corrida em direção ao dólar nem o aumento dos custos de captação de seus bônus
soberanos.
Quem chama a atenção para o fato auspicioso é
Tobias Adrian, chefe do Departamento dos Mercados de Capitais do Fundo
Monetário Internacional, em artigo com dois outros economistas do Fundo. Pelos
seus cálculos, a sensibilidade dos juros nos países emergentes à variação das
taxas dos T-bonds de 10 anos reduziu-se em dois terços, e em dois quintos
quando comparada à de situação parecida como o “taper tantrum” de 2013, quando
o Fed sinalizou que iniciaria um ciclo de alta dos juros, cancelado a seguir.
Os economistas afirmam que o padrão histórico foi quebrado e que os países
emergentes, desta vez, conseguiram se isolar da volatilidade dos juros globais.
Não foram apenas os juros que se moveram em
dissonância. “As taxas de câmbio, o preço das ações e os spreads dos títulos
soberanos flutuaram dentro de uma faixa modesta”, apontam. Mais notável ainda
foi o fato de que os investidores estrangeiros não abandonaram os papéis
soberanos em que estavam aplicados, também em nítido contraste até mesmo com
episódios recentes.
Um dos motivos para isso foi a diferença de
timing e do grau de aperto monetário entre os emergentes e os países avançados.
Os juros médios dos países latino-americanos foram aumentados em 780 pontos
base (7,8 pontos percentuais), enquanto os dos países avançados subiram 400
pontos básicos. No caso dos emergentes latinos, como o Brasil, o aperto
monetário foi tão intenso que o diferencial de juros contribuiu como barreira
para diminuir a volatilidade tanto quando os países desenvolvidos subiram os
juros quanto agora, quando os emergentes estão cortando as taxas e os países
avançados ainda não o fizeram.
Essa maior resistência dos emergentes foi
preparada ao longo do tempo, segundo o estudo, com várias medidas importantes.
Uma delas foi o acúmulo geral e massivo de reservas cambiais, especialmente
depois da crise asiática de 1997. Outra foram os arranjos cambiais em direção à
maior flexibilidade, para o qual o concurso de maiores reservas certamente
auxiliou. Uma terceira foi a construção da dívida pública apoiada na moeda
local, não dolarizada, outra lição que pode ter ficado na memória após a quebra
do México no fim de 1984 e a crise da dívida latino-americana que se seguiu. Os
investidores estrangeiros, com tudo isso, sentiram-se mais confiantes em
aplicar recursos nas moedas domésticas. Por último, a progressiva independência
dos Bancos Centrais contribuiu para elevar a confiabilidade da política
monetária.
A quebra do padrão histórico em relação à
volatilidade dos juros tem relação direta com uma outra ruptura. A maior
elevação dos juros em quatro décadas nos EUA e na Europa não produziu recessões
- a economia americana depois disso tudo ainda cresceu 4,9% no terceiro
trimestre de 2023 e a economia da zona do euro estagnou. E, mesmo com a
manutenção dos juros elevados nos países ricos, as condições financeiras se
tornaram mais benignas, diante da perspectiva de que o afrouxamento monetário
virá no curto prazo.
Isso não significa que os riscos deixaram de
existir. Para os economistas do Fundo, há três desafios. O primeiro: à medida
que os emergentes estão cortando os juros mais rapidamente que o farão os
países ricos, o diferencial de juros começará a pesar desfavoravelmente,
inclinando os investidores estrangeiros a preferir ativos dos mercados maduros.
O alerta é importante porque Fed e Banco Central Europeu, entre outros, estão
enxugando a enorme liquidez construída para enfrentar a pandemia, o que também
afeta o fluxo de recursos para os emergentes.
A rentabilidade de ativos emergentes reflete
esse risco. Segundo Adrian, títulos de alto risco de crédito, com grau
especulativo, renderam praticamente nada em quatro anos em dólar, enquanto seu
retorno foi superior a 10% para papéis da mesma qualidade nos EUA. Em
compensação, a perspectiva de crescimento dos emergentes é maior que a dos
países ricos, e os fluxos para ações e bônus seguem fortes.
Outro risco que ronda os emergentes é uma
mudança no horizonte da política monetária dos países ricos. Se os juros não
caírem, os investidores refarão os preços dos ativos contando com taxas mais
altas por um tempo maior, afetando a rentabilidade de papéis emergentes.
O período de calmaria dá espaço a que o Brasil reduza sua vulnerabilidade fiscal e busque diminuir ao máximo o déficit das contas públicas, tendo como meta o superávit. Como dizem os economistas, “em uma perspectiva ampla, países com planos fiscais críveis no médio prazo... estarão mais bem posicionados para navegar nos períodos de volatilidade das taxas de juros globais”.
Boa arrecadação não autoriza mais gastos
Folha de S. Paulo
Alta na coleta não pode respaldar aumento de
despesas, que coloca em risco as contas públicas e o desenvolvimento do país
A combinação de resistência da atividade
econômica com medidas para ampliar a arrecadação aprovadas no ano passado gerou
alta importante das receitas em janeiro. Mas é preciso cuidado para que esse
crescimento não sirva de artifício para a gastança do governo.
No mês, a soma de impostos, contribuições e
outras receitas chegou
a R$ 280,6 bilhões, um aumento de 6,7% (acima da inflação) ante
o mesmo período de 2023, melhor resultado da série histórica.
Descontado o impacto de receitas não
recorrentes, a alta teria sido de quase 5%, resultado que dá ao governo maior
margem de manobra na gestão do Orçamento de 2024.
Isso porque a maior coleta reduz a
necessidade de contingenciamento para atingir a meta, fixada em lei, de zerar o
déficit nas contas públicas neste ano.
Recorde-se que a ameaça de restrição de
gastos provocou reação
negativa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no final do ano
passado. O presidente disse que não aceitaria cortes no Orçamento, o que na
prática implicaria revisão para pior da meta e, com isso, crescimento mais
acelerado da dívida púbica.
Com maior arrecadação, essa perspectiva fica
adiada e já não se descarta que eventual contingenciamento e revisão de meta
sejam definidos mais adiante, não antes da segunda revisão orçamentária que
ocorrerá em maio.
Contudo o montante coletado não deve dar
margem a complacência. Parte considerável do bom desempenho das receitas não é
recorrente. A tributação do estoque de fundos de investimentos e ativos no
exterior de contribuintes de alta renda, por exemplo, terá impacto maior apenas
neste ano.
Acertos de dívidas de empresas no Carf,
segundo o novo sistema de análise que restaura o voto de desempate para o
governo, também são pontuais, e uma gestão prudente não pode contar com tal
rubrica de forma permanente.
Enquanto isso, os gastos continuam a crescer.
O governo resiste a qualquer debate ou iniciativa mais ampla de revisão de
programas ineficientes e ainda trabalha para ampliar despesas obrigatórias.
Não é realista, no quadro atual, contar com
os superávits indicados no marco fiscal aprovado no ano passado —0,5% e 1% do
PIB em 2025 e 2026, respectivamente.
Em suma, mesmo com resultados auspiciosos
recentes, a
situação das contas públicas é temerária e tende a piorar se o
desempenho da economia fraquejar —menos impostos e maior ansiedade de Lula e do
PT com a aproximação do período eleitoral formariam uma combinação perigosa.
O governo precisa reduzir as despesas, o
quanto antes.
Facções sem fronteiras
Folha de S. Paulo
Urge ação regional para conter o crime
organizado nas prisões da América Latina
Entre 2010 e 2020, a população
carcerária na América Latina aumentou 76%. Mas a mera prisão de
líderes de facções não é suficiente para conter o crime organizado.
Presídios tornaram-se tanto refúgio para
gangues, que conseguem controlar seus negócios ilegais a distância, quanto
centro de recrutamento de novos membros. Presos são obrigados a fazer parte de
uma facção para sobreviver à violência e a condições de vida sub-humanas no
cárcere.
O caso mais recente e dramático é o do
Equador. O país vive o acirramento da crise de segurança pública depois que
Adolfo Macías, líder do grupo Los Choneros, fugiu da prisão no início de
janeiro.
O episódio escancarou as teias de controle do
sistema penitenciário pelo crime organizado e suas relações com o próprio
Estado.
O fenômeno não se restringe ao Equador. No
México, especialistas apontam que mais da metade das 285 penitenciárias do país
são controladas por facções criminosas.
Dados do Ministério da Justiça brasileiro
obtidos pela Folha mostram o avanço do
Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC) em
prisões de quase todos os estados do país.
O Paraguai, que em 2021 não estava entre os
15 primeiros países no Índice Global de Crime Organizado, passou a ocupar a 4ª
posição em 2023 com a presença do PCC.
O crime organizado é uma atividade cada vez
mais transnacional. O narcotráfico no Equador, por exemplo, é ligado a cartéis
mexicanos, colombianos e dos Balcãs.
A desarticulação das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (Farc) fez com que grupos dissidentes se
espalhassem por outros países, como Venezuela e Brasil, e diversificassem seus
negócios com investimentos no garimpo ilegal, o que tem levado ao aumento
da violência na região amazônica.
A coordenação regional de esforços é,
portanto, fundamental. Só prender facções tem sido inócuo.
É preciso compartilhar inteligência policial, combater as relações entre Estado e crime organizado, desmantelar mercados ilegais e, para evitar novos recrutamentos, reduzir o encarceramento de presos de menor periculosidade.
Uma agenda para o crescimento do País
O Estado de S. Paulo
Há muito a ser feito, mas há um diagnóstico
claro sobre os problemas que o País precisa encarar para impulsionar o
crescimento. Gastar melhor talvez seja o maior de nossos desafios
O desempenho da economia brasileira tem
surpreendido os analistas há algum tempo, e não foi diferente no ano passado.
De acordo com o Monitor do PIB (Produto Interno Bruto), apurado pelo Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), o País encerrou o
ano de 2023 com um crescimento de 3%. Ainda que seja um resultado positivo, o
indicador não reflete a percepção sobre o real estado da economia, e não é por
acaso.
Apurado com base nas mesmas fontes de dados e
metodologia utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) para o cálculo oficial das Contas Nacionais, o Monitor mostra que 30%
desse desempenho se deveu à agropecuária, especialmente à soja cultivada na
Região Centro-Sul do País. “Esse contexto mostra forte concentração setorial e
regional e evidencia que o crescimento econômico não foi sentido de modo
uniforme no País”, informou a FGV.
Indústria e serviços até tiveram resultados
positivos no ano passado, mas muito mais tímidos. O que preocupa é a baixa
velocidade do crescimento da economia na passagem do terceiro para o quarto
trimestre, de 0,1%; a certeza de que o agronegócio não repetirá o fantástico
desempenho que teve neste ano; e a redução dos investimentos, de 3% em relação
a 2022.
Diante desse quadro, a FGV projeta que o País
deve crescer apenas 1,4% neste ano, enquanto a previsão do mercado é de 1,6%,
segundo a mediana das expectativas do último Boletim Focus, divulgado pelo
Banco Central (BC). Porém, nem mesmo o Ministério da Fazenda arrisca um
desempenho muito melhor e estima um avanço de 2,2%.
Independentemente do número que vier a ser
alcançado, está claro, pelas projeções, que o País crescerá num ritmo muito
aquém de suas necessidades e potencialidades. Ao Estadão, a economista e sócia
da consultoria Tendências Alessandra Ribeiro calculou que o PIB deve avançar
2,4%, em média, nos próximos dez anos. Para proporcionar uma redução mais
efetiva e expressa das desigualdades, o crescimento médio teria de superar os
3%, segundo ela.
É um desafio e tanto, considerando que isso
só ocorreu duas vezes nos últimos dez anos – em 2013 e em 2021. Por outro lado,
tampouco é impossível, sobretudo porque há um diagnóstico sobre os problemas
que impedem a economia de crescer de maneira vigorosa: baixo nível de
investimento, má qualidade da educação e produtividade estagnada. Se não é
fácil revertê-los no curto prazo, é fato que o País não tem alternativa, já que
não pode mais contar com fatores que nos auxiliaram no passado, como o bônus
demográfico e o êxodo rural.
Há uma relação clara entre a produtividade do
trabalhador brasileiro e o nível de educação formal. A produtividade é baixa
porque o trabalhador não tem qualificação, e a qualificação é ruim porque,
antes dela, o ensino deixou a desejar. A poupança para alunos do ensino médio
pode ajudar nesse aspecto, uma vez que a evasão escolar nessa etapa do ensino é
muito elevada.
Manter as crianças na escola, no entanto, é
apenas um primeiro passo. Como pontuou o professor do Insper e coordenador da
Cátedra Ruth Cardoso, Naercio Menezes, não será possível sustentar a economia
enquanto apenas a elite tem acesso a uma educação de qualidade, acessível
somente a quem pode frequentar escolas particulares – com raras e célebres
exceções, especialmente no Ceará.
Em relação ao investimento, é preciso apostar
em projetos de lei que favoreçam o ambiente de negócios e no fortalecimento das
agências reguladoras. Com uma infraestrutura sofrível e investimentos que mal
cobrem a depreciação e a manutenção dos ativos, o País não pode se dar ao luxo
de flertar com a insegurança jurídica e a revisão intempestiva de contratos.
A promulgação da reforma tributária pode
contribuir para estimular investimentos no médio e longo prazos, mas juros mais
baixos só serão viáveis se o governo estiver de fato comprometido com as metas
fiscais e com a busca do equilíbrio estrutural das contas públicas. Gastar
melhor – e naquilo que realmente importa – talvez seja o maior e o mais urgente
de nossos desafios.
Pelo fim do prêmio aos juízes delinquentes
O Estado de S. Paulo
Dentre as perversões próprias do
patrimonialismo judiciário, a mais ultrajante é a ‘pena’ de aposentadoria
compulsória por delitos graves. O Congresso precisa pôr fim a essa infâmia
A igualdade de todos perante a lei é o pilar
fundamental que sustenta todas as instituições do Estado de Direito.
Paradoxalmente, a corporação incumbida de aplicar a lei igualmente a todos e
punir todos os seus infratores é justamente aquela que mais distorce, desfigura
e burla a lei a seu favor para concentrar renda, acumular privilégios e
blindar-se de punições. Este é um dos maiores sintomas da corrupção
institucional do Estado brasileiro. Nenhum Poder evidencia mais a subversão do
Direito para consolidar a injustiça do que a própria Justiça.
No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, o teto salarial da magistratura é 15 vezes maior que o rendimento médio dos brasileiros. Na Europa é só 4 vezes maior. Mas, peritos em violar o teto constitucional, juízes (e, na esteira, promotores) engordam seus contracheques se autoconcedendo todo tipo possível e imaginável de auxílios, gratificações e indenizações que se somam a 60 dias de férias e aposentadoria integral. Não surpreende que os juízes ocupem o 0,1% que se encontra no topo da pirâmide social nem que o Judiciário brasileiro seja um dos mais caros do mundo.
Mas o caso mais venal dessa perversão
institucionalizada da moralidade pública – por conjugar, a um tempo,
desigualdade de renda, privilégio legal e impunidade – talvez seja a “pena
disciplinar” máxima prevista na Lei Orgânica da Magistratura por infração ou
delito grave: aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo
de serviço. No âmbito administrativo, é esse o castigo mais duro a juízes que,
por exemplo, descumpriram seus deveres, praticaram tráfico de influências,
venderam sentenças ou participaram ativamente de organização criminosa.
Segundo levantamento da revista piauí, entre
2005 e 2019 o Conselho Nacional de Justiça “puniu” com aposentadoria 35 juízes
de primeira instância, 22 desembargadores e 1 ministro do Superior Tribunal de
Justiça por delitos como venda de liminares e sentenças a bicheiros e
narcotraficantes, estelionato e desvio de recursos públicos. Nesse período, os
58 magistrados receberam, sem trabalhar, vencimentos totais de R$ 137,4
milhões, o suficiente para pagar 1.562 aposentados pelo INSS.
Recentemente, um juiz do TRT da 2.ª Região
foi aposentado aos 41 anos por assédio sexual a quase 30 mulheres. Em casos
como esse, que envolvem crime, o juiz ainda poderá num futuro remoto ser
expulso e perder os proventos após sentença judicial transitada em julgado. Até
lá, seguirá gozando do dolce far niente à custa do contribuinte e, se e quando
for expulso, nada será ressarcido. Nos outros casos, de juízes punidos por
infrações administrativas, eles receberão religiosamente uma renda vitalícia de
R$ 32 mil, podendo ganhar mais com outras atividades.
Enquanto para o trabalhador comum uma
aposentadoria média do INSS de R$ 1,7 mil (na melhor das hipóteses, de R$ 7,5
mil) será uma conquista de 40 anos de trabalho e contribuição, para os juízes
delinquentes essa quantia será só uma fração irrisória do “castigo” dado por
seus colegas de toga.
Nos últimos dias de seu mandato no Senado, o
agora ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino protocolou uma proposta
de emenda à Constituição que elimina a pena de aposentadoria e prevê a expulsão
de juízes que cometeram delitos graves. O estatuto valerá também para outros
servidores que ocupam cargos vitalícios, como promotores e militares. “Se um
servidor público civil pratica um ato de corrupção, ele é processado
administrativamente e é demitido, perde o cargo. Praticamente 99% dos
servidores públicos se submetem a essa lógica”, disse Dino. “Não há
vitaliciedade que se sobreponha à moralidade administrativa.”
Esse não é o primeiro projeto do gênero, e os
outros sepultados nos escaninhos do Congresso despertam o temor de que não será
o último. Se desta vez vier a ser aprovado, eliminará o mais ultrajante dos
privilégios da magistratura. Mas ele é só um, só uma fração irrisória do todo.
Mesmo eliminado, a sociedade precisará pressionar seus representantes eleitos
para erradicar os outros 99%.
A condescendência do Cade
O Estado de S. Paulo
Passividade ante decisões sobre Petrobras
contradiz papel de autoridade concorrencial
Quando a Petrobras firmou com o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em junho de 2019, o compromisso de
vender 8 de suas 13 refinarias, o acordo foi descrito pela diretoria do órgão
como um momento histórico. Tratava-se de um pacto inédito que atendia aos dois
principais aspectos da defesa concorrencial: repressão ao abuso de posição
dominante e prevenção de condutas.
Foi, como é notório, um acordo desenhado pela
própria Petrobras, interessada em fazer caixa para reduzir o alto
endividamento. De quebra, extinguiria inquérito administrativo aberto no Cade
no ano anterior para investigar suposto abuso de posição dominante em refino.
De fato, controlando 98% da capacidade das refinarias nacionais, a Petrobras
praticava havia anos – e ainda pratica – um quase monopólio.
A Petrobras escolheu as refinarias que queria
manter, todas no mercado produtor e consumidor do Sudeste, e iniciou o processo
de venda das demais. As negociações empacaram, por diferentes motivos,
inclusive a pandemia, e apenas três unidades foram efetivamente vendidas. O
resumo da história é que o governo mudou, a estratégia da Petrobras idem e o
acordo com o Cade foi desfeito.
Em recente entrevista ao Broadcast/Estadão,
Diogo Thompson, um dos novos conselheiros do Cade, considerou um “bom sinal” a
empresa pedir oficialmente a revisão do acordo e ponderou que vender ativos não
é a única solução. Antes mesmo do julgamento do pedido, o presidente da
Petrobras, Jean Paul Prates, anunciara para este semestre a recompra da
refinaria de Mataripe, a única de grande porte a ser privatizada neste
processo.
De todo esse vaivém, o que mais chama a
atenção é a atitude passiva do Cade, que existe para garantir a livre
concorrência do mercado e evitar ou, ao menos, controlar atos de concentração.
Não para impedir posições dominantes que, por si sós, não caracterizam abuso de
poder econômico e concorrencial, mas para tentar manter minimamente equilibrada
a disputa por mercados consumidores.
É um órgão que deveria assumir o papel de
condutor das negociações, e não aceitar o papel de mero carimbador. A Cartilha
do Cade ressalta que a autarquia não é uma agência reguladora, mas sim “uma
autoridade de defesa da concorrência”, com responsabilidade de julgar e punir
administrativamente pessoas físicas e empresas que infrinjam a ordem econômica.
É necessário que faça valer esta autoridade.
A rigor, o monopólio da Petrobras deveria ter
começado a ser extinto com a quebra do monopólio do petróleo, no fim dos anos
1990. O fato é que, a despeito da abertura do mercado e do efetivo aumento de
participação de outras empresas, tanto multinacionais como novatas nacionais de
menor porte, o controle de fato permanece com a Petrobras, em alguns segmentos
impossibilitando a concorrência. E a ausência de competição, como se sabe,
costuma castigar, em última instância, o consumidor.
Vinte e seis anos depois da quebra do monopólio do petróleo, passa da hora de repensar a concorrência neste mercado – papel que, em circunstâncias normais, cabe ao Cade.
O drama da dengue continua
Correio Braziliense
Pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) descobriram um complicador no combate à transmissão do vírus
Não bastasse o crescimento exponencial dos
números da dengue, e aqui inclui-se a quantidade de mortes provocadas pela
doença no Brasil — 151 ao todo —, algumas peculiaridades têm tirado o sono de
cientistas e infectologistas que lidam com o mosquito Aedes aegypti,
transmissor não só da dengue como da zika e da chikungunya.
Pesquisadores da Universidade Federal de
Goiás (UFG) descobriram um complicador no combate à transmissão do vírus. A
partir da análise de ovos de mosquitos de sete regiões de Goiânia, perto de
matas e bosques, coletados em placas e armadilhas instaladas pela Vigilância
Sanitária, o que se observou, com a eclosão das larvas, é que, ao se
transformarem em pupas e, posteriormente, até a eclosão do mosquito, mais de
1.500 fêmeas de Aedes aegypti — portanto, transmissoras das três doenças —
tiveram mosquitos que já nasceram infectados. Antes, o que se pensava é que o
mosquito somente transmitiria zika ou chikungunya se picasse uma pessoa
infectada.
Embora nenhum dos insetos tenha nascido com
dengue, parte apresentou o vírus da chikungunya e outra parte o vírus da zika,
mesmo sem que tenha havido qualquer contato com humanos contaminados. O que
ocorre é que agora os pesquisadores comprovaram que pode haver transmissão
direta, de mãe para filho, sem que haja um "intermediário", no caso o
hospedeiro infectado.
A verdade é que não há uma estratégia
eficiente — a não ser o fumacê ou a introdução da Wolbachia (técnica que
consiste em modificar o mosquito em laboratório, com a inserção da bactéria que
bloqueia o vírus da dengue) — capaz de acabar de vez com a proliferação do
mosquito. Não que essas iniciativas não sejam louváveis — são fruto de anos e
anos de pesquisa —, mas, se houvesse uma espécie de "coquetel
molotov", que pudesse dizimar toda a comunidade de Aedes, com certeza,
muitas mortes poderiam ter sido evitadas.
Os números não deixam mentir. Somente o
estado de São Paulo tem 92,6 mil casos confirmados de dengue este ano, o que
corresponde ao dobro do registrado na unidade da Federação no mesmo período do
ano passado (45 mil). O Distrito Federal também não fica atrás, com 38 mortes
por dengue este ano, o maior número do país.
Além disso, depositar esperança em uma vacina
que, inicialmente, será aplicada em crianças de 10 a 14 anos, mesmo assim
depois de duas doses, com uma diferença de três meses entre as duas, é para o
futuro, como diz a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Agora, é tentar mitigar o
prejuízo, que não será dos menores.
O Ministério da Saúde fez uma projeção de que o país deve ultrapassar 4,2 milhões de infecções até o fim do ano, superando, inclusive, em 149% o pior ano da série histórica: 2015. Até o momento, seis estados (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Acre, Goiás, Espírito Santo e Santa Catarina) e o Distrito Federal decretaram emergência em saúde, assim como três capitais — Rio de Janeiro, Florianópolis e Belo Horizonte. Mais estados provavelmente virão a reboque. E a melhor dica continua sendo evitar água parada. Simples assim.
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