segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Deborah Bizarria - O que motiva os protestos

Folha de S. Paulo

Não são apenas os fatores econômicos que levam as pessoas a se manifestarem

A partir da manifestação convocada por Jair Bolsonaro (PL) para este domingo (25), na avenida Paulista, dei-me conta de que políticos e lideranças sociais têm conseguido levar cada vez mais pessoas às ruas. Na última década, o Brasil tem testemunhado um aumento no número e na escala de protestos. Desde 2013, vimos movimentos estudantis, greves e protestos contra e a favor dos governantes do momento ou em torno de outras figuras políticas destacadas.

Esse panorama não é exclusividade brasileira, conforme apontado pelo estudo de Davide Cantoni e outros autores, que contou com assistência do pesquisador brasileiro William Radaic. A pesquisa analisou dados sobre 1,2 milhão de eventos de protesto em 218 países, cobrindo um período de 1980 a 2020. Esse volume de informação não só destaca sua onipresença como fenômeno mundial como aponta para a complexidade de suas causas e consequências. Através da análise estatística e do exame de literatura existente, desvendaram os padrões subjacentes aos atos, explorando tendências temporais, padrões geográficos e a relação com variáveis econômicas e sociais.

Os resultados revelaram padrões empíricos significativos que, juntos, fornecem uma compreensão mais profunda sobre os protestos não só no Brasil mas no mundo. Primeiramente, verificou-se uma mudança de curso durante a Primavera Árabe, um período em que tanto democracias quanto regimes autoritários vivenciaram um aumento nos movimentos.

Observou-se que grandes eventos políticos podem catalisar ondas de protesto que, através das redes sociais, ultrapassam as fronteiras nacionais e remodelam o cenário político em outras localidades.

Isso ressalta o caráter "contagioso" dos protestos, pelo qual a ação em um país pode inspirar movimentos similares em outros, destacando a interconexão global das causas sociais e políticas.

Economia x Valores

Contra a intuição comum, os resultados mostraram que o desempenho econômico de um país não está diretamente ligado à frequência de manifestações. Em vez disso, são os valores individuais que mais influenciam a decisão de aderir ou não a esse tipo de evento.

Esse achado reforça a ideia de que as motivações para protestar vão além da mera insatisfação econômica, englobando uma gama mais ampla de fatores ideológicos e culturais relacionados à identidade individual.

Nesse sentido, podemos refletir sobre como o Brasil se insere nesse contexto global de protestos. Embora saibamos que fatores econômicos podem ter influenciado alguns atos, em especial o "Fora Dilma", vale prestar atenção no peso dos valores e do senso de pertencimento, conforme relatado na pesquisa.

O apelo de figuras carismáticas, como o próprio Jair Bolsonaro, se dá pela conexão com pessoas que não se sentem representadas pelas instituições vigentes a partir de alguns princípios. Fica o questionamento: como podemos atender parte desses valores sem cair numa armadilha antidemocrática?

Olhar para experiências e evidências estrangeiras pode ajudar na construção de soluções.

 

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