segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Fernando Gabeira - A guerra que mata e os jogos verbais

O Globo

Apesar do discurso de frente ampla, a esquerda apresenta uma política bem mais próxima de uma visão partidária

A frase que Lula disse na Etiópia repercutiu fortemente durante toda a semana. Tão fortemente que não há muito mais o que falar, exceto extrair algumas lições sobre nossa pátria amada, salve, salve.

Ouvi um repórter anunciar que a reunião do G20 trataria de três temas: as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza e o embate diplomático entre Brasil e Israel. Meu Deus, pensei, como podem colocar no mesmo plano duas guerras reais, com gente morrendo ou sendo mutilada, com uma disputa verbal entre duas chancelarias?

Claro que o G20 não abordou o tema, mas o tom das reportagens deixa bem claro como superestimamos as situações em que o Brasil é protagonista.

Duas repercussões políticas também me impressionaram. De um lado, deputados propondo o impeachment de Lula por causa de sua frase. De outro, a declaração de Celso Amorim de que a fala de Lula sacudiu o mundo e potencialmente ajudaria a acabar com a guerra.

Há quem espere consenso a partir de uma discussão racional na política. Sou dos que acreditam que isso é impossível. A realidade é um conflito insolúvel entre valores, e só a aceitação da diversidade nos prepara, ainda assim modestamente, para a vida em comum.

Sinto que o Brasil polarizado está condenado a duas políticas externas radicais. No período Bolsonaro, havia uma crença de que o Ocidente estava ameaçado pelo marxismo cultural e de que era preciso seguir Donald Trump, o salvador dos valores ocidentais. Aquecimento global, feminismo, o que chamam de ideologia de gênero — tudo isso era arquitetado para destruir a civilização e desintegrar as famílias patriarcais.

Apesar do discurso de frente ampla, a esquerda apresenta, por seu lado, uma política bem mais próxima de uma visão partidária que uma perspectiva nacional. O mundo está dividido entre Sul Global e Norte rico, e o presidente precisa viajar incessantemente para defender os pobres.

O curioso é que o caminho do meio é cheio de saídas que as duas correntes desprezam. O Brasil é signatário de uma Declaração de Dublin em 2022, precisamente protegendo populações civis de bombardeios. A declaração é um avanço civilizatório. O país poderia, com base nisso, criticar tanto Israel quanto a Rússia.

Nesse universo político a que estamos condenados no Brasil, a Rússia está blindada. Putin é intocável para uma esquerda que o vê como adversário dos Estados Unidos e ainda encara a Rússia com a aura de uma revolução que aconteceu no início do século passado e não deixou vestígios, a não ser as atrocidades de Stálin e o corpo de Lênin no mausoléu.

Mas Putin é também admirado pela extrema direita, que o vê como defensor de valores tradicionais, inclusive um implacável perseguidor do povo gay na Rússia. Enfim, estamos condenados ao desequilíbrio, passando pano para autoritários como Putin, Viktor Orbán, Nicolás Maduro e Daniel Ortega.

Não há saída para isso num país polarizado, apesar dos acenos em tempos eleitorais. Ainda assim, precisamos garantir em nossa imagem internacional um respeito pelo sofrimento real que a guerra produz.

A guerra na Faixa de Gaza passa por um momento especial, a possibilidade de um ataque a Rafah. Mais de 1 milhão de civis estão concentrados ali. Não têm para onde fugir, pois o espaço que Israel propõe é muito pequeno para tanta gente.

Mais do que nunca, é preciso uma grande unidade entre as pessoas que querem a paz. Além de todas as críticas já repisadas por sua frase, Lula poderia pensar nisso. Ele provocou uma divisão entre as pessoas que criticam mortes de civis em Gaza, querem não só um cessar-fogo, mas também defendem a solução de dois Estados.

Precisamos de um consenso, ainda que pontual. A luta continua e, apesar dos excessos verbais, da batalha de postagens, das acusações mútuas e de toda essa agitação em redes sociais, a realidade continua áspera, e a guerra continua matando. Hora de olhar para a frente, direto no coração de tragédia.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

■■" Neste universo político no Brasil, a Rússia está blindada. Putin é intocável para uma esquerda que o vê como adversário dos Estados Unidos e ainda encara a Rússia com a aura de uma revolução que aconteceu no início do século passado e não deixou vestígios, a não ser as atrocidades de Stálin e o corpo de Lênin no mausoléu.

Mas Putin é também admirado pela extrema direita, que o vê como defensor de valores tradicionais, inclusive um implacável perseguidor do povo gay na Rússia. Enfim, estamos condenados ao desequilíbrio, passando pano para autoritários como Putin, Viktor Orbán, Nicolás Maduro e Daniel Ortega. " ■■
. Fernando Gabeira.

■■■■Enquanto vige a polarização entre dois populistas inimigos da democracias e do liberalismo, que fazem o mundo civilizado, o Brasil vai sendo condenado ao buraco.

■Nos últimos 20 anos o Brasil parou ou RETROCEDEU.

■O Brasil retrocedeu em::
●EDUCAÇÃO (É uma das piores do mundo, embora o Brasil gaste mais com educação que os países bem posicionados:: e o caso mais grave nesta área é a Bahia);
●SEGURANÇA (É o país proporcionalmente com mais homicídios e a violência geral só empata e não perde para os paises mais violentos, incluindo os que estão em guerra:: e o caso maus grave em segurança também é a Bahia);
●ECONOMIA (O Marcus Pestana, em artigo aqui, mostrou que o déficit primário em 2023 foi de 2,1% e, apenas para estabilizar, sem mudar a trajetória da dívida para melhorar os fatores, o Brasil precisaria de superávit de 1,4%. Ou seja:: o Brasil precisa avançar em política fiscal gigantescos 3,5% do PIB. Pobre Roberto Campos, certamente um dos economistas mais bem preparados do mundo e um brasileiro bem sério, em meio a brincalhões, incompetentes e corruptos bem delinquentes, como Lula, Arthur Lira e Bolsonaro e, no entanto, é xingado pelo PT, PCdoB e PSOL);
●POlÍTICA INTERNACIONAL (Deixamos de ser um país que praticava uma política externa equilibrada, consciente, não ideológica e que pelo menos por isso tinha algum peso e respeito do mundo e, com o PT e Jair Bolsonaro, passamos a ser um país de apoio a ditadores e até de terroristas)...

=》Vou para por aqui, mas a 1ª solução para o Brasil, não deve restar dúvida para ninguém saudável e preocupado de verdade com o país, é afastar a soma de delinquentes e malucos que polarizam nossa política.

ADEMAR AMANCIO disse...

Existe apenas um lado perigoso.

marcos disse...

Existem dois e quem diverge, mente. MAM