quinta-feira, 16 de maio de 2024

Nelson Niero - Lula joga gasolina na fogueira da Petrobras

Valor Econômico

Parece mesmo ilimitada a capacidade de alguns políticos de testar os limites do que é moralmente aceitável

Apesar de ter se tornado quase corriqueira, a troca de comando na Petrobras não é e nem pode ser encarada como um assunto comezinho. Num momento de descrença com o cumprimento das metas fiscais, mexer com a maior companhia do país por faturamento e valor de mercado é como jogar gasolina no fogo.

As ações abriram ontem em queda de mais de 7% na B3, cerca de R$ 36 bilhões de valor de mercado, numa reação dos investidores não só à troca, mas principalmente à indicação de Magda Chambriard, um nome ligado à ex-presidente Dilma Rousseff. Mesmo com proverbial memória curta do brasileiro, no mercado financeiro ninguém se esquece de que a interferência de Dilma nos preços dos combustíveis deu muito mais prejuízo à empresa do que o sistema de corrupção descoberto pela Operação Lava-Jato.

Com os preços da gasolina e do diesel sem reajuste desde outubro, Prates flertava com o perigo, para agradar ao governo. Sem sucesso, sabe-se agora. A empresa pagou um preço no primeiro trimestre, com queda de 20% nas receitas de venda dos dois produtos, o que foi um dos motivos para os resultados, divulgados na segunda-feira, piores do que o esperado pelos analistas - que preferiram não fazer muito caso da ingerência. A situação da empresa é hoje muito mais confortável do que na época de Dilma, com bons indicadores operacionais e de endividamento.

Essa folga deu espaço de manobra para Prates e, no auge de sua curta trajetória como executivo, ele pareceu ter encontrado uma solução mágica para a espinhosa política de preços da estatal, que, pelo seu alto poder de desagradar os políticos de Brasília, tornou a estada no comando da estatal muito mais imprevisível desde que foi implantada no governo de Michel Temer. Foram oito presidentes em oito anos, possivelmente um recorde mundial. Prates foi o 42ª executivo em 70 anos de história, o que dá um mandato de um 1 ano e seis meses em média.

Prates mexeu no vespeiro dos preços, uma exigência de Brasília, e conseguiu com sua habilidade de político convencer o mercado de que havia uma lógica razoável por trás do novo “modelo de precificação”. Os investidores e analistas que acompanham a empresa preferiram acreditar, porque a gestão estava em ordem e os resultados eram bons. E, claro, havia os bilhões em dividendos. Como ignorá-los? Sem contar a questão perene que perturba o sono dos gestores de recursos há anos: como evitar uma estatal problemática, mas gigantesca, cujos papéis representam cerca de 13% do Ibovespa, índice de referência da bolsa? Ficar de fora é muito arriscado, como mostra o desempenho dos papéis. As ações preferenciais subiram 80% em 12 meses até ontem. Na prática, elas carregaram nas costas o Ibovespa, que sobe 17%, num período, digamos, cheio de surpresas. Ontem, o Ibovespa caiu 0,38%, apesar do dia muito positivo no exterior. Se não fosse a Petrobras, subiria 0,55%.

Por via das dúvidas, o mercado agarrou-se em Prates. Enquanto o fiscal tumultuado fazia gestores e economistas repensarem o apoio ao governo - “stoparam”, para usar o farialimês castiço -, a Petrobras parecia ainda um porto seguro, especialmente depois que a crise que ameaçou derrubar Prates há um mês foi supostamente resolvida com a ajuda do Ministério da Fazenda, na disputa com o Ministério das Minas e Energia.

Não estava nada resolvido e, como conta a repórter Andrea Jubé, do Valor, tudo dependia dos humores de Luiz Inácio Lula da Silva, que só estaria esperando, a pedido do ministro Fernando Haddad, o “timing” certo. O mandatário, para quem as empresas brasileiras precisam se conformar aos planos do seu governo, resolveu que o “timing” era agora, no meio da tragédia humanitária que se abate sobre o Rio Grande do Sul. Parece mesmo ilimitada a capacidade de alguns políticos de testar os limites do que é moralmente aceitável.

Segundo o relato de Jubé, Lula foi ouvir, entre tantos possíveis conselheiros, Sergio Gabrielli, que teria indicado Chambriard. É mais uma evidência do apego de Lula pela gestão com olho no retrovisor. Gabrielli comandou a Petrobras de 2005 a 2012, um período marcado pela descoberta do pré-sal e o esquema de corrupção que envolveu PT, PMDB, PP, executivos da empresa e empreiteiras. Chamado para dar depoimento na CPI da Petrobras em 2015, Gabrielli disse que não sabia de nada, mas que os desvios descobertos eram pequenos em relação ao tamanho da empresa. O relatório final da comissão, do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), isentou Gabrielli de envolvimento no esquema de corrupção da estatal, além da então presidente Dilma Rousseff e de Lula.

Prates disse ontem, depois de se despedir dos funcionários na sede da Petrobras, que estava “muito triste”, mas satisfeito por ter “resgatado a empresa”. Não sabe-se exatamente ao que ele se refere, porque o único resgate recente da estatal aconteceu depois que seu partido foi tirado do poder, em 2016, na esteira do escândalo do Petrolão. Desde então, com o reforço dos controles internos e a Lei das Estatais - que continua valendo, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal, apesar da brecha aberta no ano passado para acomodar indicações de Lula, que contraditoriamente também continuam valendo -, a empresa resistiu às tentativas de ingerência e teve os melhores resultados da sua história.

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