Valor Econômico
Parece mesmo ilimitada a capacidade de alguns políticos de testar os limites do que é moralmente aceitável
Apesar de ter se tornado quase corriqueira, a
troca de comando na Petrobras não é e nem pode ser encarada como um assunto
comezinho. Num momento de descrença com o cumprimento das metas fiscais, mexer
com a maior companhia do país por faturamento e valor de mercado é como jogar
gasolina no fogo.
As ações abriram ontem em queda de mais de 7% na B3, cerca de R$ 36 bilhões de valor de mercado, numa reação dos investidores não só à troca, mas principalmente à indicação de Magda Chambriard, um nome ligado à ex-presidente Dilma Rousseff. Mesmo com proverbial memória curta do brasileiro, no mercado financeiro ninguém se esquece de que a interferência de Dilma nos preços dos combustíveis deu muito mais prejuízo à empresa do que o sistema de corrupção descoberto pela Operação Lava-Jato.
Com os preços da gasolina e do diesel sem
reajuste desde outubro, Prates flertava com o perigo, para agradar ao governo.
Sem sucesso, sabe-se agora. A empresa pagou um preço no primeiro trimestre, com
queda de 20% nas receitas de venda dos dois produtos, o que foi um dos motivos
para os resultados, divulgados na segunda-feira, piores do que o esperado pelos
analistas - que preferiram não fazer muito caso da ingerência. A situação da
empresa é hoje muito mais confortável do que na época de Dilma, com bons indicadores
operacionais e de endividamento.
Essa folga deu espaço de manobra para Prates
e, no auge de sua curta trajetória como executivo, ele pareceu ter encontrado
uma solução mágica para a espinhosa política de preços da estatal, que, pelo
seu alto poder de desagradar os políticos de Brasília, tornou a estada no
comando da estatal muito mais imprevisível desde que foi implantada no governo
de Michel Temer. Foram oito presidentes em oito anos, possivelmente um recorde
mundial. Prates foi o 42ª executivo em 70 anos de história, o que dá um mandato
de um 1 ano e seis meses em média.
Prates mexeu no vespeiro dos preços, uma
exigência de Brasília, e conseguiu com sua habilidade de político convencer o
mercado de que havia uma lógica razoável por trás do novo “modelo de
precificação”. Os investidores e analistas que acompanham a empresa preferiram
acreditar, porque a gestão estava em ordem e os resultados eram bons. E, claro,
havia os bilhões em dividendos. Como ignorá-los? Sem contar a questão perene
que perturba o sono dos gestores de recursos há anos: como evitar uma estatal
problemática, mas gigantesca, cujos papéis representam cerca de 13% do
Ibovespa, índice de referência da bolsa? Ficar de fora é muito arriscado, como
mostra o desempenho dos papéis. As ações preferenciais subiram 80% em 12 meses
até ontem. Na prática, elas carregaram nas costas o Ibovespa, que sobe 17%, num
período, digamos, cheio de surpresas. Ontem, o Ibovespa caiu 0,38%, apesar do
dia muito positivo no exterior. Se não fosse a Petrobras, subiria 0,55%.
Por via das dúvidas, o mercado agarrou-se em
Prates. Enquanto o fiscal tumultuado fazia gestores e economistas repensarem o
apoio ao governo - “stoparam”, para usar o farialimês castiço -, a Petrobras
parecia ainda um porto seguro, especialmente depois que a crise que ameaçou
derrubar Prates há um mês foi supostamente resolvida com a ajuda do Ministério
da Fazenda, na disputa com o Ministério das Minas e Energia.
Não estava nada resolvido e, como conta a
repórter Andrea Jubé, do Valor, tudo dependia dos humores de Luiz Inácio
Lula da Silva, que só estaria esperando, a pedido do ministro Fernando Haddad,
o “timing” certo. O mandatário, para quem as empresas brasileiras precisam se
conformar aos planos do seu governo, resolveu que o “timing” era agora, no meio
da tragédia humanitária que se abate sobre o Rio Grande do Sul. Parece mesmo
ilimitada a capacidade de alguns políticos de testar os limites do que é
moralmente aceitável.
Segundo o relato de Jubé, Lula foi ouvir,
entre tantos possíveis conselheiros, Sergio Gabrielli, que teria indicado
Chambriard. É mais uma evidência do apego de Lula pela gestão com olho no
retrovisor. Gabrielli comandou a Petrobras de 2005 a 2012, um período marcado
pela descoberta do pré-sal e o esquema de corrupção que envolveu PT, PMDB, PP,
executivos da empresa e empreiteiras. Chamado para dar depoimento na CPI da
Petrobras em 2015, Gabrielli disse que não sabia de nada, mas que os desvios
descobertos eram pequenos em relação ao tamanho da empresa. O relatório final
da comissão, do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), isentou Gabrielli de envolvimento
no esquema de corrupção da estatal, além da então presidente Dilma Rousseff e
de Lula.
Prates disse ontem, depois de se despedir dos funcionários na sede da Petrobras, que estava “muito triste”, mas satisfeito por ter “resgatado a empresa”. Não sabe-se exatamente ao que ele se refere, porque o único resgate recente da estatal aconteceu depois que seu partido foi tirado do poder, em 2016, na esteira do escândalo do Petrolão. Desde então, com o reforço dos controles internos e a Lei das Estatais - que continua valendo, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal, apesar da brecha aberta no ano passado para acomodar indicações de Lula, que contraditoriamente também continuam valendo -, a empresa resistiu às tentativas de ingerência e teve os melhores resultados da sua história.
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