Valor Econômico
Alta forte do rendimento é a grande força motriz por trás da expansão do consumo privado e dos serviços
O crescimento do PIB no primeiro trimestre teve como dois dos principais destaques o consumo das famílias, pelo lado da demanda, e os serviços, pelo lado da oferta, impulsionados pelo avanço significativo da renda. A força do mercado de trabalho e as transferências do governo, por meio de benefícios previdenciários e assistenciais, deram mais uma vez impulso à economia no período de janeiro a março. O PIB cresceu 0,8% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, com alta de 1,5% do consumo das famílias e de 1,4% dos serviços.
O economista-chefe da corretora Tullett
Prebon, Fernando Montero, tem ressaltado a importância da renda das famílias
para o crescimento do PIB. Para ele, é a “grande força motriz” do desempenho
atual da economia. Montero gosta de enfatizar a evolução da chamada Renda
Nacional Disponível Bruta das Famílias, um agregado calculado pelo Banco
Central (BC). Em sua versão restrita, o indicador reúne rendimentos do
trabalho, benefícios previdenciários e transferências de programas sociais,
excluindo recursos de aluguéis e aplicações financeiras, além de descontar os
gastos com impostos. Nos três meses até abril, essa medida de renda das
famílias cresceu 6,4% em relação ao mesmo período de 2023, descontada a
inflação, diz Montero, ex-secretário-adjunto de Política Econômica da Fazenda.
No primeiro trimestre, a alta ficou em 7% nessa base de comparação.
“É uma taxa muito significativa, de um
agregado que ocupa mais de metade do PIB”, afirma ele, para quem não é sem
motivo que “o consumo das famílias e o seu espelho em serviços se destacam numa
perspectiva de mais longo prazo”. Nos 12 meses até abril, a renda disponível
das famílias no conceito restrito atinge R$ 6 trilhões.
O bom momento do mercado de trabalho é parte
da explicação do crescimento da renda. Nos três meses até abril, o rendimento
médio de todos os trabalhos aumentou 4,7% em relação a igual intervalo do ano
passado, já descontada a inflação. Nesse período, a massa de renda cresceu 7,9%
acima dos índices de preços.
Além disso, as transferências do governo têm
avanço expressivo. O salário mínimo, que corrige 60% dos benefícios da
Previdência, passou a subir acima da inflação. O piso salarial também reajusta
os Benefícios de Prestação Continuada (BPC, para idosos de baixa renda e
pessoas com deficiência).
O resultado do PIB do primeiro trimestre
mostrou ainda uma queda forte da taxa de poupança doméstica, que recuou de
17,5% do PIB nos primeiros três meses de 2023 para 16,2% do PIB no mesmo
período deste ano, uma notícia ruim para a economia. Um país que poupa pouco
tem mais dificuldades para financiar o investimento.
Para tentar identificar quem reduziu a
poupança, Montero avalia a variação dos componentes do PIB em relação ao mesmo
intervalo do ano anterior. Na comparação com o primeiro trimestre de 2023, por
exemplo, o consumo das famílias cresceu 4,4%, um ritmo inferior aos 7% da alta
da renda disponível das famílias no conceito restrito do BC, descontada a
inflação. Para Montero, é provável que a diminuição da poupança tenha vindo do
setor público, pelas elevadas transferências, e talvez das empresas, pela recomposição
dos rendimentos do trabalho acima da produtividade, e não das famílias, uma vez
que, em relação ao primeiro trimestre de 2023, as rendas desse grupo subiram
mais do que os seus gastos.
“Identificar quem despoupou é importante. Se
são as famílias, a política monetária está frouxa. Se é o setor público, é a
política fiscal que está frouxa. Se é o excedente operacional das empresas,
talvez seja ainda recomposição das perdas do trabalho no PIB da pandemia, com
devolução de margens ou, mais complicado, pressão do hiato do produto [por
falta de ociosidade na economia]”, aponta Montero. Se a renda está tão forte e
o PIB não avança mais e a inflação não está muito pressionada, é porque a política
monetária é mesmo contracionista para segurar todo esse expansionismo, diz ele.
Nesse ambiente, é essencial ter espaço para reduzir os juros. O impulso fiscal
terá que passar por alguma reversão - ou o país vai para um déficit primário de
3% do PIB?, pergunta Montero - e o mercado de trabalho passará por uma
desaceleração, por não ter vida própria, segundo ele.
Montero destaca que a economia precisará
desse terreno no médio e longo prazo. “Se haverá esse espaço, dependerá das
expectativas de inflação e do fiscal. Hoje, com desancoragem das expectativas,
incertezas e essas rendas nas costas, o BC poderá endurecer o discurso.” A
Selic está hoje em 10,5% ao ano, e a avaliação dominante é que haverá apenas
mais um corte da taxa, de 0,25 ponto percentual. Nos 12 meses até abril, o
déficit primário (exclui gastos com juros) do setor público consolidado ficou
em 2,4% do PIB. Para 2024, o consenso do mercado é que esse rombo fique em 0,7%
do PIB. O pagamento de precatórios feito em dezembro de 2023, de R$ 93 bilhões,
sairá do acumulado em 12 meses no fim deste ano.
O crescimento impulsionado pela renda perderá
fôlego, num cenário em que o mercado de trabalho, em especial, deverá
desacelerar em algum momento. Para que a economia avance de modo sustentado, é
fundamental abrir espaço para a redução dos juros, o que passa pela redução das
incertezas fiscais. O afrouxamento das metas de resultado primário para 2025 e
para os anos seguintes e o esgotamento do ajuste pelo lado da receita
pressionam o câmbio, com o dólar na casa de R$ 5,30, levam os juros de longo
prazo acima de 6%, descontada a inflação, e contribuem para a alta das
expectativas para os índices de preços. Somada a um cenário externo menos
favorável para os emergentes, com a perspectiva de que os juros americanos vão
recuar menos do que se esperava, a indefinição sobre as contas públicas
impedirá quedas adicionais e sustentadas dos juros domésticos. Sem isso, o
investimento não vai decolar, e o crescimento da economia perderá força.
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