segunda-feira, 10 de junho de 2024

Sergio Lamucci - O avanço da renda das famílias e o crescimento

Valor Econômico

Alta forte do rendimento é a grande força motriz por trás da expansão do consumo privado e dos serviços

O crescimento do PIB no primeiro trimestre teve como dois dos principais destaques o consumo das famílias, pelo lado da demanda, e os serviços, pelo lado da oferta, impulsionados pelo avanço significativo da renda. A força do mercado de trabalho e as transferências do governo, por meio de benefícios previdenciários e assistenciais, deram mais uma vez impulso à economia no período de janeiro a março. O PIB cresceu 0,8% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, com alta de 1,5% do consumo das famílias e de 1,4% dos serviços.

O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, tem ressaltado a importância da renda das famílias para o crescimento do PIB. Para ele, é a “grande força motriz” do desempenho atual da economia. Montero gosta de enfatizar a evolução da chamada Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias, um agregado calculado pelo Banco Central (BC). Em sua versão restrita, o indicador reúne rendimentos do trabalho, benefícios previdenciários e transferências de programas sociais, excluindo recursos de aluguéis e aplicações financeiras, além de descontar os gastos com impostos. Nos três meses até abril, essa medida de renda das famílias cresceu 6,4% em relação ao mesmo período de 2023, descontada a inflação, diz Montero, ex-secretário-adjunto de Política Econômica da Fazenda. No primeiro trimestre, a alta ficou em 7% nessa base de comparação.

“É uma taxa muito significativa, de um agregado que ocupa mais de metade do PIB”, afirma ele, para quem não é sem motivo que “o consumo das famílias e o seu espelho em serviços se destacam numa perspectiva de mais longo prazo”. Nos 12 meses até abril, a renda disponível das famílias no conceito restrito atinge R$ 6 trilhões.

O bom momento do mercado de trabalho é parte da explicação do crescimento da renda. Nos três meses até abril, o rendimento médio de todos os trabalhos aumentou 4,7% em relação a igual intervalo do ano passado, já descontada a inflação. Nesse período, a massa de renda cresceu 7,9% acima dos índices de preços.

Além disso, as transferências do governo têm avanço expressivo. O salário mínimo, que corrige 60% dos benefícios da Previdência, passou a subir acima da inflação. O piso salarial também reajusta os Benefícios de Prestação Continuada (BPC, para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência).

O resultado do PIB do primeiro trimestre mostrou ainda uma queda forte da taxa de poupança doméstica, que recuou de 17,5% do PIB nos primeiros três meses de 2023 para 16,2% do PIB no mesmo período deste ano, uma notícia ruim para a economia. Um país que poupa pouco tem mais dificuldades para financiar o investimento.

Para tentar identificar quem reduziu a poupança, Montero avalia a variação dos componentes do PIB em relação ao mesmo intervalo do ano anterior. Na comparação com o primeiro trimestre de 2023, por exemplo, o consumo das famílias cresceu 4,4%, um ritmo inferior aos 7% da alta da renda disponível das famílias no conceito restrito do BC, descontada a inflação. Para Montero, é provável que a diminuição da poupança tenha vindo do setor público, pelas elevadas transferências, e talvez das empresas, pela recomposição dos rendimentos do trabalho acima da produtividade, e não das famílias, uma vez que, em relação ao primeiro trimestre de 2023, as rendas desse grupo subiram mais do que os seus gastos.

“Identificar quem despoupou é importante. Se são as famílias, a política monetária está frouxa. Se é o setor público, é a política fiscal que está frouxa. Se é o excedente operacional das empresas, talvez seja ainda recomposição das perdas do trabalho no PIB da pandemia, com devolução de margens ou, mais complicado, pressão do hiato do produto [por falta de ociosidade na economia]”, aponta Montero. Se a renda está tão forte e o PIB não avança mais e a inflação não está muito pressionada, é porque a política monetária é mesmo contracionista para segurar todo esse expansionismo, diz ele. Nesse ambiente, é essencial ter espaço para reduzir os juros. O impulso fiscal terá que passar por alguma reversão - ou o país vai para um déficit primário de 3% do PIB?, pergunta Montero - e o mercado de trabalho passará por uma desaceleração, por não ter vida própria, segundo ele.

Montero destaca que a economia precisará desse terreno no médio e longo prazo. “Se haverá esse espaço, dependerá das expectativas de inflação e do fiscal. Hoje, com desancoragem das expectativas, incertezas e essas rendas nas costas, o BC poderá endurecer o discurso.” A Selic está hoje em 10,5% ao ano, e a avaliação dominante é que haverá apenas mais um corte da taxa, de 0,25 ponto percentual. Nos 12 meses até abril, o déficit primário (exclui gastos com juros) do setor público consolidado ficou em 2,4% do PIB. Para 2024, o consenso do mercado é que esse rombo fique em 0,7% do PIB. O pagamento de precatórios feito em dezembro de 2023, de R$ 93 bilhões, sairá do acumulado em 12 meses no fim deste ano.

O crescimento impulsionado pela renda perderá fôlego, num cenário em que o mercado de trabalho, em especial, deverá desacelerar em algum momento. Para que a economia avance de modo sustentado, é fundamental abrir espaço para a redução dos juros, o que passa pela redução das incertezas fiscais. O afrouxamento das metas de resultado primário para 2025 e para os anos seguintes e o esgotamento do ajuste pelo lado da receita pressionam o câmbio, com o dólar na casa de R$ 5,30, levam os juros de longo prazo acima de 6%, descontada a inflação, e contribuem para a alta das expectativas para os índices de preços. Somada a um cenário externo menos favorável para os emergentes, com a perspectiva de que os juros americanos vão recuar menos do que se esperava, a indefinição sobre as contas públicas impedirá quedas adicionais e sustentadas dos juros domésticos. Sem isso, o investimento não vai decolar, e o crescimento da economia perderá força.

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