O Estado de S. Paulo
Danos podem conduzir à absoluta anomia e à distopia, estágios que antecedem o caos social e a ruptura do Estado Democrático de Direito
São inúmeros e complexos os problemas que
angustiam a sociedade brasileira nos nossos dias. Incluo o sistema de Justiça
como uma dessas cruciais questões e que está necessitando de atenção e de
reflexão para que haja a correção urgente de seus rumos. A urgência de
mobilização das mentes e dos espíritos lúcidos se justifica para se evitar o
agravamento, a perpetuação e a irreversibilidade de uma crise de consequências
desastrosas para a Nação.
Talvez a extensão e as consequências dessa crise já instaurada não estejam bem assimiladas. No entanto, os seus efeitos poderão estar em marcha rápida e de difícil contenção, caso medidas de ajuste e correção, alterações normativas e até mudanças de comportamento não forem efetuadas.
Não se desconhece que a solidez das
estruturas de uma sociedade e de uma nação depende de um Poder Judiciário
independente, pronto para atuar nos conflitos de quaisquer naturezas, com o
escopo primordial de manter a paz e a harmonia em sociedade. Em resumo, é
fundamental que o sistema de Justiça atue distante dos interesses em questão, e
tenha como premissa que os seus integrantes se mantenham independentes e
imparciais no que tange às questões que poderão decidir.
Cumpre salientar que esse sistema está sob a
responsabilidade direta de juízes, advogados e promotores. No entanto, um rol
de outros profissionais o compõe atuando de forma indireta, mas de considerável
importância, para o mister de aplicar o Direito para distribuir justiça. Assim,
delegados, agentes policiais, peritos médicos, engenheiros, contadores,
auditores e tantos outros se empenham naquela missão fundamental dentro do
Estado Democrático de Direito.
Quando afirmo que em minha opinião o sistema
de Justiça do Brasil está correndo riscos, me refiro ao cumprimento de seus
objetivos primordiais. Como já dito eles se referem à aplicação do Direito, de
forma isenta e imparcial. Isso significa distante de eventuais influências de
partes interessadas no litígio; indiferente à opinião pública; livre de
pressões da mídia e de segmentos sociais específicos. O juiz deve contas apenas
a sua consciência e a sua convicção haurida da análise sobre o caso em julgamento.
Uma conduta recomendada e adotada
tradicionalmente para evitar a exposição dos magistrados às influências
externas sempre foi o recato e a discrição. No entanto, de tempos a esta data
alguns integrantes da Justiça não possuem nenhum comedimento em face da
imprensa televisada e se manifestam até sobre casos que serão por eles
julgados. A máxima não obedecida é que “juiz só fala nos autos”, assim deveria
ser. Está se esquecendo de que o processo, embora seja público, não é para o
público.
Outro aspecto que está rompendo uma tradição
e um saudável comportamento dos juízes refere-se à distância que mantinham das
partes e da sociedade em geral. O juiz não era e nem deveria ser um ermitão,
mas seu comportamento comedido e recatado colaborava para gerar
respeitabilidade. Hoje, alguns juízes estão mantendo um relacionamento com
segmentos sociais que pode ser mal interpretado. Eles, com certeza, consideram
esses encontros como uma manifestação normal de convívio, já os seus
interlocutores podem estar motivados por interesses outros. A banalização
desses encontros traz um preocupante desgaste do Poder Judiciário perante a
opinião pública.
Há ainda a ser realçada a quebra de
procedimentos integrantes da própria estrutura do Poder Judiciário. Dentre elas
realço a desobediência ao princípio do colegiado imperante nos órgãos de
segundo grau da Justiça. Em nome do acúmulo de processos, os tribunais
superiores adotaram as chamadas decisões monocráticas. São elas a própria
negação da razão dos tribunais. Esses foram criados para que vários juízes
decidissem uma mesma questão, e não apenas um deles.
Distorções também são encontradas na
advocacia e no Ministério Público, que atingem a higidez do sistema.
Atualmente nós temos por volta de um 1,4
milhão de advogados e 1,9 mil cursos de Direito. Esses absurdos excessos são os
responsáveis pela queda da qualidade da administração da Justiça em todos os
seus níveis.
Saliente-se, o número de advogados seria
superior caso não houvesse o exame de ordem que reprova por volta de 70% dos
inscritos.
Assiste-se, ademais, à parte do Ministério
Público como instituição não voltada para a perseguição do justo, mas
interessada em acusar de forma descriteriosa e obstinada, tendo provas, não as
tendo ou até contra elas.
Todos esses aspectos e vários outros precisam
receber uma reavaliação e uma correção quanto as suas consequências, pois
poderão causar danos irremediáveis ao sistema de Justiça. Tais danos podem se
resumir a um único: perda do respeito e do acatamento da sociedade brasileira
em relação aos órgãos e aos agentes do Judiciário. Tal fenômeno poderá conduzir
à absoluta anomia e à distopia, estágios que antecedem o caos social e a
ruptura do Estado Democrático de Direito.
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