O Estado de S. Paulo
Vetos no Brasil geram ineficiências
governativas, mas nos protegem contra arroubos iliberais
O projeto iliberal de ampla reforma
constitucional do presidente populista de esquerda mexicano, Andrés Manuel
López Obrador (AMLO), foi freado pelas organizações de controle, notadamente
pela Suprema Corte e pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE). Mas será que
conseguirão resistir a eventuais iniciativas iliberais de sua sucessora,
Claudia Sheinbaum, recém-eleita primeira mulher presidente da história do
México?
Sheinbaum venceu as eleições com uma surpreendente vitória de quase 36 milhões de votos (60% do eleitorado), o dobro de votos obtidos pela segunda colocada, Xóchitl Gálvez, da inusitada coligação dos partidos tradicionais PRI, PAN e PRD, que até bem pouco tempo eram ferrenhos opositores.
Esta pergunta se reveste de relevância porque
a coligação governista, formada pelo Morena (Movimento de Regeneração
Nacional), PT (Partido do Trabalho) e PVEM (Partido Verde Ecologista do
México), obteve com folga a maioria qualificada na Câmara dos Deputados, o que
permite a aprovação de reformas constitucionais. Já no Senado, a coligação da
nova presidente ficou apenas a duas cadeiras de conseguir a maioria
qualificada.
Sheinbaum prometeu em campanha dar seguimento
ao projeto ambicioso de reformas constitucionais de perfil iliberal de AMLO.
Esse amplo pacote inclui uma série de alterações que levam à concentração de
poder do Executivo, tais como: a eliminação de 200 vagas de deputados e 60
senadores eleitos por representação proporcional; a destituição de todos os
juízes federais, distritais e do Supremo Tribunal e eleição direta pelo voto
popular de novos juízes em todos os níveis; e a eliminação de órgãos
constitucionais autônomos, como o INE e o Instituto Nacional de Transparência e
Acesso à Informação (INAI).
Se tais reformas forem aprovadas, uma maioria
eleitoral episódica terá a chance de mudar radicalmente a configuração
institucional do México, acarretando sérios riscos de erosão da jovem
democracia mexicana.
No presidencialismo multipartidário
brasileiro, riscos de reformas dessa magnitude seriam muito mais difíceis de
acontecer, mesmo em se tratando de um presidente constitucionalmente muito mais
poderoso do que o mexicano. Os inúmeros pontos de veto partidários e
institucionais no Brasil que, de um lado, dificultam a governabilidade, também
inibem a formação de maiorias episódicas de perfil populista, tanto de esquerda
como de direita, que fragilizariam a sua democracia.
Não existe sistema político ideal. O “segredo
da nossa ineficiência” é justamente o que nos protege contra arroubos
iliberais. •
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