domingo, 2 de março de 2014

OPINIÃO DO DIA: Gilmar Mendes

"O Brasil saiu forte desse julgamento porque o projeto era reduzir esta Suprema Corte a uma Corte bolivariana.

Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)

Fernando Henrique Cardoso : Diplomacia inerte

Domingo de carnaval, convenhamos, não é o melhor dia para ler artigo sobre política internacional. Mas que fazer? Coincidiu que o dia de minha coluna fosse hoje e não tenho jeito nem vontade de escrever sobre as alegrias de Momo. Por mais que nos anestesiemos no carnaval, o meio circundante não alenta alegrias duráveis.

Comecemos do princípio. Acho que houve um erro estratégico desde o governo Lula na avaliação das forças que predominariam no mundo e da posição do Brasil na ordem internacional que se transformava. Não me refiro ao que eu gostaria que ocorresse, mas às tendências que objetivamente se foram configurando. Nossa diplomacia se guiou pela convicção de que um novo mundo estava nascendo e levou o presidente, em sua natural busca de protagonismo, a ser o arauto dos novos tempos. A convicção implícita era a de que pós-Muro de Berlim, depois de breve período de quase hegemonia dos Estados Unidos, pregada por seus teóricos do neoconservadorismo, e da coorte de equívocos da política externa desse país (invasão do Iraque, do Afeganistão, isolamento da Rússia, apoio acrítico a Israel em sua política de assentamentos de colonos, etc.) e dos desastres provocados por essas atitudes, assistiríamos a uma correção de rumos.

De fato, houve essa correção de rumos, mas a direção esperada pela cúpula da diplomacia brasileira e por setores políticos sob influência de alas antiamericanas do PT era a do "declínio do Ocidente", com a perda relativa do protagonismo americano e a emergência das forças novas: a China (o que ocorreu), o mundo árabe, em especial os países petroleiros, a África e, naturalmente, a América Latina como parte deste "Terceiro Mundo" renascido. Essa visão encontra raízes em nossa cultura diplomática desde os tempos da "política externa independente", de Jânio Quadros, e encontra eco nos sentimentos de boa parte dos brasileiros, inclusive de quem escreve este artigo. Sempre sonhamos com um mundo multipolar no qual "os grandes" tivessem de compartilhar poder e nós, brasileiros, pouco a pouco nos tornássemos parceiros legítimos do grande jogo de poder global.

Contudo uma coisa é desejar um objetivo, outra é analisar as condições de sua possibilidade e atuar para que, dentro do possível, buscando ampliar seus limites, nos aproximemos do que consideramos o ideal. Nisso é que o governo Lula calculou mal. Se a Europa, sobretudo depois da crise financeira de 2008, perdeu tempo em tomar decisões e está até hoje embrulhada na indefinição sobre até que ponto precisará integrar-se mais (compatibilizando as políticas monetárias com as fiscais), ou voltar, na linguagem de De Gaulle, a ser a "Europa das Pátrias", nem a China se perdeu nos devaneios maoistas nem os Estados Unidos no neoconservadorismo que acreditava que a América poderia agir como se fosse uma hiperpotência. Ao contrário, a China lançou-se às reformas para inverter o polo investimento/consumo, diminuindo aquele e aumentando este, e os americanos deixaram de lado a ortodoxia monetarista, recalibraram a sua política externa e se jogaram à inovação das fontes de energia. Hoje propõem uma coexistência competitiva, mas pacífica, com a China, baseada no comércio, e lançam cordas para que a Europa saia do marasmo e se incorpore aos Estados Unidos, que funcionariam como dobradiça entre a China e a Europa, formando um formidável tripé.

Enquanto isso, o Brasil faz reuniões com os árabes, que não deixam de ter sua importância, propõe negociações sobre o Irã em coordenação com a Turquia (imagine-se se os turcos fariam o mesmo, propondo-se a ajudar o Brasil para resolver o litígio das papeleiras entre Uruguai e Argentina...), abre embaixadas nas mais remotas ilhas para, com o voto de países sem peso na mesa das negociações, chegar ao Conselho de Segurança (da ONU). Por outro lado, comporta-se timidamente quando a Petrobrás é expropriada pela Bolívia, interfere contra o sentimento popular em Honduras, abstém-se de entrar em bolas divididas, como no conflito argentino-uruguaio, além de calar diante de manifestações antidemocráticas quando elas ocorrem nos países de influência "bolivariana".

Noutros termos: escolhemos parceiros errados, embora, em si mesma, a relação Sul-Sul seja desejável, e menosprezamos os atores que estão saindo da crise como principais condutores da agenda global, exceção parcial feita à China (neste caso, não há menosprezo, mas falta de estratégia). Perdemos liderança na América Latina, hoje atravessada pela cunha bolivariana que parte da Venezuela com apoio de Cuba, estende-se acima até a Nicarágua, passa pelo Equador e, abaixo, desce direto à Bolívia e chega à Argentina. No outro polo se consolida o Arco do Pacífico, englobando Chile, Peru, Colômbia e México, e nós ficamos encurralados no Mercosul, sem acordos comerciais bilaterais e, pior, calados diante de tendências antidemocráticas que surgem aqui e ali.

Ainda agora, na crise da Venezuela, é incrível a timidez de nosso governo em fazer o que deve: não digo apoiar este ou aquele lado em que o país rachou, mas pelo menos agir como pacificador, restabelecendo o diálogo entre as partes, salvaguardando os direitos humanos e a cidadania. O Mercosul desabridamente se põe do lado do governo de Maduro. O Brasil timidamente se encolhe, enquanto o partido da presidente apoia o governo venezuelano, sem nenhuma ressalva às mortes, ao aprisionamento de oposicionistas e às cortinas de fumaça que querem fazer crer que o perigo vem de fora, e não das péssimas condições em que vive o povo venezuelano.

Agindo assim, como esperar que, chegada a hora, a comunidade internacional reconheça os direitos que cremos ter (e de fato poderíamos ter) de tomar assento nas grandes decisões mundiais? Fomos incapazes de agir, ficamos paralisados em nossa área de influência direta. A continuar assim, que contribuição daremos a uma nova ordem global? Chegou a hora de corrigir o rumo. Que a crise venezuelana nos desperte da letargia.

Sociólogo, foi presidente da República

Fonte:O Estado de S. Paulo & O Globo

Ucrânia, um país entre a luta por sua identidade e a guerra civil

Elos entre a Crimeia e a Rússia ameaçam estabilidade regional após a queda do governo em Kiev

Graça Magalhães-RUETHER

BERLIM - Uma semana depois da deposição do presidente Viktor Yanukovich, a Ucrânia continua dividida entre as tendências pró-Europa e pró-Rússia, e o perigo de desintegração do país de maior território da Europa e da repetição do exemplo sangrento das guerras separatistas da Iugoslávia do início dos anos 1990 aumenta a cada dia. Enquanto as regiões ocidentais comemoraram a queda do presidente e a vitória da “revolução da Praça da Independência”, nas cidades do Leste, a população começou a se sublevar contra o que considerou um golpe de Estado. A Crimeia convocou um referendo para o dia 25 de maio, quando a população vai decidir sobre o seu futuro status. Como a maioria da população (60%) é russa, o risco de uma separação da Ucrânia é real. Outras províncias do Leste ameaçam seguir o exemplo.

Mas não somente a distância geográfica de Kiev faz a situação ser vista de um ângulo inteiramente diferente no Leste da Ucrânia, onde a população de idioma russo continuou se considerando russa mesmo após a desintegração da União Soviética.

Enquanto Mikhail Dobkin, governador de Kharkiv, no Leste, acusou os novos líderes da Ucrânia de não se distanciarem dos fascistas do partido de extrema-direita Svoboda, na Crimeia o novo governo continua sendo visto como “golpista” e “ilegal”.

Encouraçado Potemkin
O conflito já não é mais sobre o regime de Kiev, mas sobre a própria identidade do país.
- Os protestos começaram em consequência da insatisfação com a situação econômica, mas depois transformaram-se no debate acirrado sobre o problema número um da Ucrânia, a identidade nacional - disse o cientista politico Anatoli Rachak, de Kiev.

Para o escritor Igor Sidorenko, da Crimeia, a divisão latente que sempre existiu foi marcada pela História e nunca pôde ser superada nos 23 anos de Ucrânia independente. Os próprios intelectuais estariam divididos. Os do Leste prefeririam que as suas províncias adquirissem uma autonomia completa ou passassem a fazer parte, um dia, da Rússia.

Por causa da Crimeia, mas também de Odessa, cidade que foi palco do maior clássico do cinema soviético (“O encouraçado Potemkin”), ainda hoje cultivado como um tesouro cultural do passado soviético, também os russos nunca deixaram de ver a Ucrânia como parte da Rússia, do “império”, como diz a escritora Galina Mihaleva, de Moscou.

- Ainda hoje os russos, não só os políticos, também os intelectuais, lamentam a perda da Ucrânia. Foi o pior capítulo da desintegração da URRS - diz Galina.

Mas enquanto os cidadãos da Crimeia de origem russa veem uma separação da Ucrânia, que poderia ser selada com o referendo de maio, como solução, a minoria tártara vê a soberania russa na península como o maior de todos os males, como trocar o demônio (um regime possivelmente corrupto de Kiev), pelo Belzebu (o imperialismo de Moscou).

Para o cientista político ucraniano Yuri Durkot, se a maioria dos russos do Leste conseguir uma separação da Ucrânia, o caso poderia terminar em uma sangrenta guerra civil, como a da Iugoslávia. Na Crimeia, foram os tártaros os que mais apoiaram a queda de Yanukovich. Muitos foram a Kiev participar dos protestos.

Mas mesmo os maiores nacionalistas de Moscou não acreditam que o presidente russo Vladimir Putin seja ingênuo a ponto de mostrar excesso de fôlego na troca de farpas com o novo regime de Kiev, os “terroristas e fascistas”. Com a Geórgia, há seis anos, Moscou pôde fazer o que quis - primeiro mandar tropas, depois preparar a anexação da Ossétia do Sul, que poderá acontecer em breve, por iniciativa da própria população local. Mas desta vez nem os adeptos do Partido das Regiões, de Yanukovich, são favoráveis a uma anexação da Crimeia ou de outras regiões do Leste pela Rússia.

Fonte: O Globo

Gilles Lapouge : Uma lição de história

Na ópera trágica que assistimos na Ucrânia, é difícil entender as frases, acompanhar as peripécias. Durante três meses, jornalistas e políticos nos dizem que toda a Ucrânia "está com fome da Europa" e os revoltosos heroicos, pró-europeus e democráticos da Praça Maidan não tinham outros rivais a não ser os policiais e soldados do regime do presidente Viktor Yanukovich.

Dois dias após o triunfo dos democratas de Maidan, porém, eis que em algumas regiões da Ucrânia a revolta de Kiev é denunciada como "fascista" e multidões esperam a luz de Moscou. Assim, mais uma vez, observamos que a história, quando a política a expulsa pela porta, ela entra pela janela. Na realidade, a Rússia é filha da Ucrânia. No século 9.º, Kiev forjou um Estado povoado de tribos da estepe eslava que ameaçavam os nômades da Ásia Central. Esse Estado, chamado "Rus", aproxima-se da Europa. É cristão de rito bizantino e tem um intercâmbio comercial com Bizâncio e com a Europa. Três séculos mais tarde, em 1240, essa primeira Ucrânia, ao mesmo tempo russa e europeia, é aniquilada pelos mongóis. Kiev desaparece.

A região se fragmenta em três grupos etnolinguísticos. A noroeste. os russos brancos. Ao sul, os ucranianos. Esses dois grupos ficam na esfera de influência da Lituânia, reunida à Polônia no século 14 sob a monarquia dos Jaguelões. O terceiro grupo, a nordeste de Kiev, reúne os grandes russos atraídos para o Principado de Moscou, que inicialmente era um feudo dos mongóis, mas que pouco a pouco se separou deles.

Nesse momento, a Ucrânia desmembrada adquire forma: de um lado, a oeste, reina a monarquia dos Jaguelões, que respeita as minorias e as aristocracias locais. Do outro lado, a leste, um principado ligado a Moscou e subjugado por czares violentos, entre os quais o mais célebre foi Ivã, o Terrível.

E, como nesses tempos obscuros a religião é a base das comunidades, em breve, haverá no espaço ucraniano duas igrejas. De um lado, a ortodoxa, de tradição eslava e russa, a religião das massas. De outro, nascida em 1596, uma igreja que pratica o rito ortodoxo, mas reconhece Roma e a autoridade do papa. Em outros termos, uma igreja nas mãos de Moscou, outra voltada para o Ocidente.

Na mesma ocasião surge um novo ator no drama: os cossacos, guerreiros que detestam qualquer autoridade. Eles mesmos adotam um comportamento ao mesmo tempo democrático, militar e libertário. Detestam o absolutismo dos czares e não querem ser servos. No entanto, não estão próximos da Ucrânia polonesa, que estabelecerá para eles um tipo de autonomia.

Em 1648, ocorre uma revolta na Ucrânia sob o impulso de um cossaco exaltado, Bogdan Khmelnitski, que foi obrigado a se aliar com Moscou. Seis anos depois, a Ucrânia tem de decidir seu futuro, ou seja, volta-se para a Rússia, liga-se à Polônia ou é absorvida pelo Império Otomano. Os ucranianos juram fidelidade à Rússia, mas a lua de mel é breve.

Foi preciso demarcar uma linha ao longo do Rio Dnieper. A oeste, a Polônia. A leste, o império dos czares. Essas fronteiras são cicatrizes na carne de um país e jamais se apagam completamente. Concluindo o percurso cossaco. A grande Catarina, no século 17, conquista a Crimeia, que hoje é o principal foco explosivo da Ucrânia. Depois, vem a Revolução Bolchevique e, em 1932, a fome que alguns afirmam ter sido organizada por Stalin. Balanço: 4 milhões de mortos.

Enfim, quando a União Soviética naufraga nas águas mortas da história, em 1991, a Ucrânia conquista sua independência. Na verdade, este é um artigo severo, um pouco universitário, mas me parece útil ter a energia de lê-lo para compreender melhor as figuras que se defrontam numa das mais perigosas crises da era pós-soviética.

(Tradução de Terezinha Martino)

Gilles Lapouge é correspondente em Paris

Fonte: O Estado de S. Paulo

EUA pouco podem fazer contra Putin

Peter Baker, do New York Times

NOVA YORQUE - O presidente Obama advertiu a Rússia de que haverá custos no caso de uma intervenção militar na Ucrânia. Mas os EUA têm poucas opções palatáveis para impor esses custos, e a História recente mostra que, quando considera que seus interesses estão em jogo, a Rússia está disposta a absorver essas retaliações.

Obama e sua equipe discutiram cancelar a viagem do presidente para um encontro de cúpula na Rússia em junho, engavetar um acordo de comércio, expulsar a Rússia do G-8 ou enviar navios de guerra americanos à região. Esse é o mesmo cardápio de ações que foi oferecido ao então presidente George W. Bush em 2008, quando a Rússia invadiu a Geórgia. Mas os custos impostos naquela ocasião se provaram pouco eficazes e efêmeros. A Rússia parou o seu avanço sobre a Geórgia, mas, depois de seis anos, nunca cumpriu na íntegra os termos do cessar-fogo que assinou. E não hesitou a voltar a intimidar um vizinho, como no caso da Ucrânia.

Putin já demonstrou que o custo mais óbvio, imposto à sua reputação internacional, não o impedirá de intervir militarmente na Ucrânia. Ele certamente já esperava a condenação e os protestos diplomáticos dos EUA e da Europa, e calculou que eles não sobrepujam a ameaça ao interesse histórico da Rússia na Ucrânia.

Encontrar freios mais convincentes para influenciar a tomada de decisão do presidente russo será um desafio para Obama e seus aliados europeus. Obama já aprendeu com a repetição que alertas muitas vezes não desencorajam líderes autocráticos de tomar medidas violentas, como quando o presidente sírio cruzou a “linha vermelha” imposta pela Casa Branca e usou armas químicas.

Pressionar a Rússia - poderosa demais mesmo na era pós-soviética para ser intimidada por sermões ou demonstrações de força militar e rica demais para ser sufocada economicamente a curto prazo - é ainda mais difícil. Com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU, o país não precisa se preocupar com as Nações Unidas. E como principal fonte de gás natural para grande parte da Europa, ela tem um grande trunfo para contrabalançar a influência americana sobre vários de seus aliados.

“O que podemos fazer?”, questionou Fiona Hill, uma pesquisadora do Instituto Brookings que era a principal responsável pela Inteligência dos EUA em questões russas durante a guerra da Geórgia. “Nós falaremos de sanções. Nós falaremos de linhas vermelhas. E Putin vai apenas observar. Ele sabe que ninguém quer entrar numa guerra com a Rússia.”

Fonte: O Globo

Venezuela: Número de mortes em protestos chega a 18

AE - Agência Estado

CARACAS - O número de mortes em mais de três semanas de instabilidade política na Venezuela aumentou para 18, após a morte de um agente da Guarda Nacional na cidade litorânea de Valência nesta sexta-feira, informou o presidente Nicolás Maduro.

O guarda foi identificado por Maduro como Giovanni Pantoja. Ele foi baleado no olho quando tentava remover escombros do meio da rua em El Trigal.

Na véspera, um jovem morreu no Estado de Carabobo depois de ser baleado no momento em que limpava uma rua. A informação sobre a 17ª morte foi divulgada pela procuradora-geral do país, Luisa Ortega, nesta sexta-feira.

Luisa disse a repórteres que 261 pessoas ficaram feridas em episódios de violência que acompanharam os protestos contra o governo. Cinquenta e cinco pessoas foram presas, entre elas oito membros do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, três guardas nacionais e três policiais.

"O Estado venezuelano tem atuado para castigar e aplicar sanções aos responsáveis pela violação de direitos humanos", afirmou. Conforme Luisa, o Ministério Público abriu 27 investigações por denúncias desse tipo.

Nesta sexta-feira, a capital venezuelana e outras cidades do interior do país foram cenário de uma nova jornada de protestos, com avenidas sendo bloqueadas por dezenas de manifestantes. Pelo segundo dia seguido, algumas das principais vias do leste da capital Caracas foram interrompidas com barricadas de detritos e troncos de árvores instaladas por manifestantes, em protesto contra a administração de Nicolás Maduro.

Embora as atividades públicas e comerciais tenham sido suspensas desde ontem por decisão do governo, que aumentou de quatro para seis dias o feriado oficial de Carnaval, em alguns pontos da cidade eram vistas longas filas de veículos devido a bloqueios de vias. As barricadas também forçaram dezenas de pessoas a andar vários quilômetros para chegar às suas casas e a algumas lojas que abriram na sexta-feira. No meio da manhã, pelo menos quatro aeronaves militares sobrevoaram Caracas, o que chamou a atenção da população. As autoridades não informaram os motivos da ação.

Em outras cidades venezuelanas, como Valência, Mérida e San Cristóbal também foram registrados bloqueios de vias, de acordo com a imprensa local. Fonte: Associated Press.

A alta-comissária da ONU expressa "profunda preocupação" com "uso excessivo da força"
Secretário de Estado propõe ação com latino-americanos em busca de solução

Os EUA anunciaram na sexta-feira, 28, que tentarão viabilizar uma mediação internacional entre o governo e a oposição da Venezuela, que desde o começo de fevereiro intensificou os protestos contra o presidente Nicolás Maduro. O anúncio foi feito pelo secretário de Estado americano, John Kerry, depois de encontro com a ministra das Relações Exteriores da Colômbia, María Ángela Holguín.
"Estamos trabalhando em conjunto com a Colômbia e outros países para ver como pode ser produzido algum tipo de mediação (na Venezuela), porque já ficou provado que é muito difícil que os dois lados cheguem a um acordo", afirmou Kerry.

Tanto o chefe da diplomacia americana quanto a chanceler colombiana não deram, porém, detalhes sobre como seria uma possível mediação e não fizeram outros comentários sobre o tema.

Ao ser consultada, a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, disse que o diálogo entre governo e oposição "pode exigir a mediação de terceiros". "A questão é saber quem é esse mediador adequado. Esse terceiro ator precisará ser alguém que o governo e a oposição confiem."

Antes do anuncio feito por Kerry, o chanceler venezuelano, Elías Jaua, em visita ao Brasil, acusou os EUA de terem "condenado a priori" a Venezuela e por terem se negado a reconhecer que Maduro se "limitou a cumprir com seu dever de preservar a lei e a ordem". "A Venezuela não é um país de bárbaros, mas uma nação democrática e pacífica", disse Jaua.

Manifestações. Ontem, mesmo durante o feriado nacional de carnaval, adiantado por Maduro, novos protestos contra o governo foram organizados pela oposição. Barricadas foram montadas em alguns bairros de Caracas e manifestações de rua foram organizadas em Valencia, Mérida e San Cristóbal.

Em Valencia, um militar morreu baleado ao retirar barricadas da rua, elevando para 18 o número de mortos nos protestos. Em pronunciamento, Maduro anunciou a intenção de estabelecer conferências em todos os Estados. "Acredito que o país sairá vitorioso se nos encontramos cara a cara para conversar."

As Nações Unidas criticaram na sexta-feira as autoridades venezuelanas pelo elevado número de prisões realizadas durante as manifestações e pediram que uma investigação "completa, independente e imparcial" seja realizada em todos os casos de mortos e feridos. A ONU ainda pede que os responsáveis por violações sejam levados à Justiça.

A alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, condenou a violência em Caracas, "independentemente de quem sejam os responsáveis", e insistiu que o governo precisa garantir o respeito pela liberdade de expressão e de manifestação.

Pillay criticou abertamente o governo pelo "grande número de pessoas que foram presas, assim como os informes que indicam que algumas se encontram em regime de isolamento". Desde o início das manifestações, 579 pessoas foram presas.

A ONU pediu que o governo garanta que "ninguém seja penalizado por exercer seu direito de manifestar pacificamente". "Aqueles que foram presos apenas por estarem exercendo seu direito precisam ser soltos imediatamente."

A alta-comissária da ONU ainda expressou sua "profunda preocupação" com do que chamou de "uso excessivo da força" por parte das autoridades ao responder às manifestações.

AP e AFP, com Jamil Chade

Fonte: O Estado de S. Paulo

Jornalistas viram alvo na Venezuela

Profissionais de mídia que tentam cobrir os protestos venezuelanos sofrem ataques tanto de manifestantes quanto de policiais; pelos menos 62 foram agredidos ou tiveram seu equipamento roubado, e 41 foram detidos

Luiz Raatz

Rafael é repórter fotográfico na Venezuela. Quando sai para trabalhar, principalmente nos últimos dias, nos quais violentos protestos de rua sacudiram o país, sempre toma medidas rotineiras de segurança. Entre elas uma bastante incomum: ele muda o sotaque e finge ser argentino. A perfeição com que executa a "manobra" confunde seus interlocutores, que o tomam por estrangeiro.

Segundo o profissional, que prefere não informar o sobrenome, a medida é necessária porque ataques aos profissionais de imprensa nas ruas são comuns dos dois lados do polarizado espectro político venezuelano. "Eu prefiro mudar o sotaque a correr o risco de sofrer alguma agressão", contou o fotógrafo.

Desde o começo dos protestos estudantis contra o presidente, Nicolás Maduro, ONGs de defesa da liberdade de expressão estimam que 62 jornalistas foram agredidos ou tiveram equipamentos roubados na Venezuela, Ao menos três foram presos – desses, dez eram estrangeiros. Apesar de terem ocorrido em menor número, houve agressões também contra meios de comunicação do Sistema Bolivariano de Informação, como é conhecido o aparato de informação estatal.

"Os meios de comunicação aqui na Venezuela têm feito uma cobertura com um pouco de receio da crise. O diagnóstico que temos feito é que desde 12 de fevereiro (quando ocorreram as primeiras mortes nos protestos) houve um bloqueio informativo no país", disse ao Estado Marianela Balbi, diretora executiva da ONG Instituto Prensa Y Sociedad (Ipys). "No dia 11, houve um comunicado enviado pelo Conselho Nacional de Telecomunicações (Conatel) avisando que qualquer publicação de imagem que estimulasse a violência seria punida com sanções previstas na lei."

Com a venda do canal privado Globovisión – que era o último canal venezuelano fortemente antichavista – para um empresário próximo ao governo, a população recorreu a canais de TV internacionais por um noticiário em tempo real da crise: o canal colombiano NTN24 e a versão em espanhol do canal americano CNN.

A resposta do governo foi voltar suas críticas à imprensa internacional. Ainda no dia 12, o NTN24 foi retirado da rede de canais fechados do país por transmitir ao vivo as manifestações. Na semana passada, os registros de quatro jornalistas da CNN em espanhol que estavam na Venezuela foram cassados pelo Ministério do Interior. Nos canais do Estado, o governo denunciava uma conspiração entre a a imprensa internacional, o governo americano e o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe para apoiar um golpe de Estado "da oposição de direita contra Maduro".

A desconfiança dos venezuelanos em relação à imprensa é tão grande que a reportagem doEstado teve a identidade questionada durante uma marcha da oposição em Caracas. "Como eu vou saber se você é mesmo jornalista ou se é um espião de Cuba?", questionou o aposentado Nelson León.

A ministra das Comunicações, Delcy Rodríguez, condenou, na semana passada, meios de comunicação estrangeiros por uma "distorcida" cobertura da violência "Estamos preocupados com a manipulação de imagens pela mídia internacional", afirmou a ministra. Ela disse que um jornalista da NTN24 mostrou fotos de bebês dormindo em caixas de papelão em Honduras como se fossem cenas da Venezuela.

"Nos canais abertos, há uma cobertura equânime, mas não há cobertura ao vivo dos protestos, o que por sua relevância noticiosa deveria acontecer", afirmou Marianela. "Além disso, sempre nos momentos em que há repressão a protestos, Maduro fala em rede de rádio e TV."

Jornais. Sobre os meios impressos pesa outra dificuldade. Com a escassez de dólares, o governo tem restringido o acesso à moeda americana para compra de papel-jornal. A medida afeta mais a jornais regionais, mas o El Nacional, um dos principais diários da Venezuela, diz ter papel para ir às bancas só até meados de março. A edição foi reduzida para doze páginas.

"Essa limitação à compra de papel-jornal é perversa porque de uma maneira diminui o espaço disponível para a cobertura informativa e do outro estimula a autocensura, uma vez que veículos menos críticos ao governo teriam mais facilidades", disse a diretora do Ipys.

A última fronteira da batalha do chavismo pela hegemonia comunicacional na Venezuela parece estar na trincheira digital. Sem cobertura ao vivo nas TVs e com os diários pressionados pela falta de papel, os venezuelanos recorreram às redes sociais em busca de informação. Sem o compromisso jornalístico, no entanto, multiplicaram-se fotos falsas e montagens, dos dois lados do espectro político, para justificar sua narrativa.

Estudantes que organizaram os protestos contra Maduro relatam ainda que tiveram dificuldades para publicar imagens no Twitter – a rede mais usada para compartilhar informações entre os manifestantes. A saída foi recorrer a programas que instalam nos celulares redes privadas para driblar os bloqueios.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Cristina fala em ‘tentativa de golpe suave’ na Venezuela

Em discurso neste sábado, presidente argentina afirma que defende a democracia, seja ela de esquerda ou de direita

BUENOS AIRES — No tradicional discurso de inauguração das atividades legislativas na Argentina, neste sábado, a presidente Cristina Kirchner afirmou que “seria fatal para a região e para a integração latino-americana permitir que ventos alheios derrubem um país irmão”, em referência à crise na Venezuela.

A presidente classificou como “tentativa de golpe suave” a onda de protestos contra o governo venezuelano e fez questão de enviar um recado aos opositores do presidente Nicolás Maduro, em meio a gravíssima crise política que assola o país:

- Não posso deixar de mencionar a tentativa de golpe suave que querem dar contra a Republica Bolivariana de Venezuela. Não defendo o governo, nem o presidente Nicolás Maduro, defendo o sistema democrático de um país.

A mandatária manteve a posição de que “a democracia não é nem de direita nem de esquerda; é respeitar a vontade do povo”, e assegurou que, se fosse o caso, não haveria duvidado em defender o presidente chileno (Sebastián Piñera) ou o presidente colombiano (José Manuel Santos), ainda que tenham ideologias opostas.

- Não estou defendendo Nicolás Maduro, estou defendendo o sistema democrático de um país, como fizemos na Bolívia, Equador e faremos em cada país da região, sejam de direita, de esquerda, de meio ou de fundo - ressaltou.

Fonte: O Globo

Dilma tenta gerir tensão política no varejo até a eleição

De acordo com assessores, projeto da petista é reeditar o modelo de Lula para lida com o Congresso e evitar descontrole da base aliada

Vera Rosa

BRASÍLIA - A sete meses das eleições, a presidente Dilma Rousseff tentará resolver pontualmente as insatisfações da base aliada, ou seja, vai gerir as pressões no varejo até outubro para, só depois, em caso de vitória, colocar em prática um plano de reestruturação da coalizão.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante (PT), o vice Michel Temer (PMDB) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), têm papel fundamental nessa estratégia.

A presidente conta com o tradicional esvaziamento do Congresso em ano eleitoral para reduzir os danos políticos. A superação dos entraves das alianças regionais nas disputas pelos governos dos Estados e a conclusão da reforma ministerial também serão determinantes.

Plano futuro. Dilma já começou a dar mais poder a Mercadante para que ele lide com os problemas de imediato. E, se conseguir ser reeleita, a presidente planeja consolidar o papel da Casa Civil como o centro das negociações políticas e recriar o chamado "núcleo duro" do Palácio do Planalto.

Em conversas com amigos, ela tem dito que "não é fácil carregar o governo nas costas" e admite que o perfil técnico desenhado por ela para a Casa Civil, após a queda de Antonio Palocci, em 2011, está esgotado.

O plano é reforçar a equipe de assessores parlamentares e retomar as reuniões semanais com ministros da "cozinha" do Planalto, como Casa Civil, Secretaria-Geral, Relações Institucionais, Comunicação, Justiça, e a própria Vice-Presidência.

O objetivo desses encontros seria o de detectar qualquer rebelião "no nascedouro" - de brigas no Congresso a protestos de rua, passando por queixas de empresários - e discutir os rumos da administração.

Adotado nos primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o modelo do "núcleo duro" foi esvaziado no segundo mandato e acabou enterrado por Dilma. Ex-ministra da Casa Civil, ela nunca gostou dos rapapés da política e aboliu as reuniões conjuntas com os auxiliares mais próximos para evitar "vazamentos" de informação.

Nos últimos dias, porém, Dilma foi atropelada pela crise. Embora pesquisas indiquem a vitória no 1º turno contra o senador Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), críticas sucessivas a seu estilo avesso à negociação preocupam Lula e o PT.

No deserto. Num jantar realizado em São Paulo, há cerca de um mês, empresários se queixaram com Lula da falta de interlocução com Dilma e também do vaivém na economia, que deixa investidores inseguros. Um dos convidados chegou a dizer que apresentar uma sugestão a Dilma é como "pregar no deserto". Na reunião estavam Palocci, defenestrado da Casa Civil após denúncias de enriquecimento ilícito, e o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles.

Um tímido coro de "Volta Lula" começou a ser entoado nos bastidores por empresários e políticos, incluindo os do PT, mas o ex-presidente desautorizou a iniciativa. "Não há a menor chance", garantiu ele a um senador do PMDB.

Armas eleitorais. Em recentes encontros com representantes da indústria, Lula disse que o Brasil tem hoje mais condições para dar um salto econômico, previu ajustes em 2015 e mencionou dois eixos considerados imbatíveis na campanha da reeleição de Dilma: a manutenção do emprego e da renda.

Na seara política, Mercadante e Temer foram escalados para apaziguar a fúria dos partidos que sustentam o governo no Congresso. Além da encruada reforma ministerial, a lista de queixas inclui o "represamento" de emendas parlamentares e o que os deputados chamam de "desprezo" de Dilma para com as parcerias regionais.

'Blocão'. Diante da ameaça do recém-criado "blocão" - formado por sete partidos da base e um da oposição, para criar dificuldades ao governo em votações na Câmara -, o primeiro ensaio para jogar água na fervura ocorreu na segunda-feira mas terminou em desconfianças quanto ao estilo de Mercadante.

O mal-estar começou quando, em reunião com líderes de dez bancadas na Câmara dos Deputados, o chefe da Casa Civil lembrou que Dilma teria cerca de 13 minutos de propaganda na TV, a partir de agosto, tempo suficiente para lhe assegurar um segundo mandato. Sugeriu, então, que os candidatos parassem de reclamar da falta de atenção e tirassem foto com ela.

"Vocês do PT, sozinhos, só têm uns 5 minutos na propaganda na TV. Os outros 8 estão aqui nessa mesa", retrucou o líder do PROS, Givaldo Carimbão (AL). Mercadante também irritou os deputados ao dizer que havia "mais partidos" na base aliada do que ministérios disponíveis. "Então você acha que é preciso diminuir a base?", provocou Carimbão.

Nem mesmo a promessa do governo de enviar 12 ministros para um plantão no Congresso, a fim de ouvir as demandas dos deputados, pôs fim à revolta. "Tudo o que venha para fortalecer a atuação parlamentar não é concessão. É respeito", reagiu o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN).

PT x PMDB. Patrocinador do bloco de rebelados, conhecido como "centrão", Alves é um dos escanteados por Dilma e atua para neutralizar o PT na briga pela reeleição à presidência da Câmara. "Não estamos disputando nada com o PMDB", reagiu o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR). "Por mim, o governo pode nomear quem quiser. O PMDB está sub-representado nesse Ministério, tem cinco pastas enquanto o PT tem 17 e ainda parece que está implorando por cargos", reclamou o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ).

Alianças regionais. O impasse continua nos Estados. Na Casa Civil, Mercadante iniciou uma maratona de reuniões com governadores, na tentativa de construir palanques de apoio a Dilma. Dos 27 Estados, no entanto, o PT e o PMDB só se acertaram até agora em cinco (Sergipe, Pará, Amapá, Mato Grosso e Distrito Federal). Nos maiores colégios eleitorais, como São Paulo, Minas, Rio, Bahia e Rio Grande do Sul, os dois partidos estão em campos opostos.

Colaborou Eduardo Bresciani

Fonte: O Estado de S. Paulo

Carlos Melo: Presidencialismo de exaustão

É jogo jogado dizer que o presidente da República precisa compor seu governo com uma ampla base no Congresso. Sem maioria, o Executivo ficaria paralisado, nem aprovaria o que necessita, nem se defenderia da oposição. Especificidades à parte, o sistema entrega e o processo anda. Ceder cargos, verbas e compartilhar espaços de Poder faz parte do processo. É dando que se recebe.

No Brasil, o primeiro ano dos governos novos é festejado como lua de mel; os noivos se desejam, as famílias ainda se dão, tudo dá certo. A novidade ajuda, mas o mais importante é o tamanho do dote: dezenas de milhares de cargos para compor maioria. Em geral, no primeiro mandato o sucesso é possível, a máquina política está ajustada. Em que pese eventual necessidade de graxa aqui e ali, o processo deslancha.

Mas, já no momento de discutir a reeleição, evidencia-se a paixão demais para o amor pouco. "Aliados" tornam-se inimigos íntimos: com seus tempos de televisão e suas posições na máquina, exigem mais; ameaçam, se for o caso, sabotam.

No segundo mandato, o presidente será levado a distribuir as joias da coroa: cargos em estatais e autarquias. "E não é qualquer diretoria; tem que ser aquela que faz buraco e acha petróleo", dizia, a propósito do cargo que lhe ofereciam na Petrobrás, o ex-deputado Severino Cavalcanti, de alma fisiológica singela.

Favorecido por uma série de fatores, sobretudo pelo carisma e habilidade, o presidente Lula conseguiu conduzir também o segundo mandato com sucesso: o vazio no PT não lhe impôs uma guerra de candidatos, a crise de 2008 permitiu a adoção de um rol de medidas tão arrojadas quanto expansionistas. Com isso, Lula montou um vasto, amplo e contraditório bloco no Poder. Elegeu sua escolhida, cujo mandato deveria contornar o previsível conflito redistributivo que se daria.

A inaptidão da presidente e auxiliares para esse jogo conta. Mas não é só. O fato é que o processo se esgota junto com os recursos do Estado. Na "sucessão da reeleição", a guerra se estabelece: para satisfazer apetites vorazes, ou o governo aumenta o tamanho do Estado ou a artilharia amiga forjará a guerra de todos contra todos. A "faxina pragmática" - incorretamente qualificada como ética - foi sangria, necessidade de purgar o organismo.

O que dizer da reeleição na sucessão? A ameaça de rebelião é tão inevitável quanto estrutural. Já não se trata de presidencialismo de coalizão. Em sua fase superior, essa modalidade de Poder atenderá pelo nome de presidencialismo de exaustão!

Cientista político e professor do Insper

Fonte: O Estado de S. Paulo

Governo quer despolitizar Copa, sem deixar de expor Dilma

Ideia é manter ‘padrão Felipão’ da presidente e afastá-la dos cartolas

Fernanda Krakovics e Paulo Celso Pereira

BRASÍLIA - Se as obras de estádios, aeroportos e de mobilidade urbana da Copa do Mundo, muitas delas caras e inconclusas, são um problema a ser administrado pelo governo federal, a seleção brasileira começa a ser vista como um possível trunfo para melhorar o humor da população em relação ao país. A equipe da presidente Dilma Rousseff já começou a preparar a forma de exposição da presidente durante os jogos da Copa, de olho na possibilidade de o time de Felipão contagiar os brasileiros. Um petista próximo a Dilma avalia que se a seleção for vitoriosa, até mesmo o mau humor da população em relação à organização do evento se dissiparia e ela, como presidente da República, teria mais condição de capitalizar a vitória.

Nas palavras de um auxiliar, o esforço será para despolitizar a Copa: ninguém quer que pareça a Copa da Dilma. A tendência é que a presidente se equilibre na imagem de uma torcedora sem se associar demasiadamente ao evento. O interlocutor preferencial de Dilma será o técnico Luiz Felipe Scolari. Segundo um ministro, eles mantêm ótima relação e, na semana passada, durante um evento em Caxias do Sul (RS), teriam conversado longamente. O técnico chegou a fazer brincadeiras com o chute inicial da presidente na inauguração do estádio Beira-Rio.

— Pô, Dilma, você chutou de bicuda. Não é assim, é de lado. Assim não vou poder te convocar — brincou o treinador.

A escolha do interlocutor também se deve a uma questão de imagem. A ideia é apostar na associação do padrão de comportamento dos dois: assim como o técnico, Dilma é vista como rígida nas cobranças, mas que pode inspirar simpatia. Isso permitiria à presidente se manter próxima à Seleção

— ela deve, inclusive, visitar a Granja Comary, em Teresópolis, onde o time ficará concentrado antes do torneio — e distante dos dirigentes da CBF e da Fifa. Em julho passado, Dilma usou o técnico como referência ao ser indagada sobre se seu governo teria “padrão Fifa”:

— Meu governo é padrão Felipão.

A preocupação de não parecer próxima aos cartolas do futebol é baseada em pesquisas. Em levantamento feito a pedido do governo no segundo semestre de 2013, a associação entre “governo e Fifa” gerava as críticas mais fortes. A percepção popular é a de que se trata de uma relação “nebulosa” e com vantagens — especialmente financeiras — para ambos.

Presença de Dilma em dois jogos
Por ora, só está confirmada a presença de Dilma em dois jogos, no de abertura, em São Paulo, e na final, no Rio. A possibilidade de vaia nos estádios é uma grande preocupação. Com os altos preços dos ingressos, a avaliação é que a maioria do público será das classes mais abastadas — exatamente a parte da população que mais rejeita o PT. Para tentar evitar vaias, caso Dilma vá mesmo aos jogos, a equipe da presidente vai solicitar que ela não apareça nos telões. O álibi seria de que, por estar a poucos meses das eleições, ela poderia ser acusada de uso da máquina.

A última vez — e única desde a redemocratização — que o sucesso da seleção no campo foi acompanhado de um posterior sucesso do governo nas eleições foi em 1994. Em seu livro “O improvável presidente do Brasil”, o ex-presidente Fernando Henrique (PSDB) diz que apostou na Copa daquele ano para alavancar o Plano Real, cujo sucesso seria decisivo para sua campanha presidencial. A nova moeda começou a circular às vésperas das oitavas de final — semelhante à Copa deste ano, quando a campanha começa a duas semanas do fim da competição. Ele mesmo conta que abria o comitê para a imprensa o fotografar torcendo. A vitória do time melhoraria o humor da população.

Em certa medida, a aposta de Dilma é semelhante. Com a diferença que ela arcará com o sucesso ou o fracasso do evento. A mesma pesquisa mostra que as pessoas consideram que o papel dos governos estadual e municipal é operacional e o do governo federal, de financiador e líder. Ou seja, a percepção é de que a Copa é centralizada no governo federal.

Fonte: O Globo

De olho nas eleições, Aécio vai a estádios e Campos opta por discrição

Tucano diz que já iria aos jogos; governador de PE quer se dissociar do evento

BRASÍLIA - Enquanto a presidente Dilma Rousseff terá o ônus e o bônus de participar das cerimônias da Copa do Mundo nos estádios, incluso aí tanto o risco de vaias quanto a exposição positiva do eventual sucesso do time, Aécio Neves e Eduardo Campos devem ter agenda de torcedores. O tucano, que adora futebol e foi como torcedor à Copa de 1998, na França, já decidiu que irá a pelo menos três estádios de cidades comandadas por aliados seus — Belo Horizonte, Manaus e Salvador — para ver a Seleção Brasileira e jogos de outros países. Há quatro anos fora do governo de Minas Gerais, o objetivo de Aécio não é se associar ao evento, mas sim ter uma agenda discreta de torcedor.

— Eu iria normalmente aos jogos, com ou sem campanha. Adoro futebol. Na medida em que minha agenda permita, irei onde puder. Mas não tenho preocupação em fazer da Copa um ato político. Até porque quem quiser faturar com a Copa vai quebrar a cara — justificou o tucano.

Eduardo Campos, por sua vez, já confidenciou que busca se dissociar ao máximo do evento, pelo temor de ser contaminado por eventuais problemas com a Copa em Recife. No caso de Pernambuco há uma particularidade: durante a Copa das Confederações, Recife foi a cidade-sede mais criticada, por problemas no estádio, na mobilidade de torcedores e seleções e até na segurança. Apesar de todo o projeto da Copa ter sido tocado durante seus sete anos de governo, a ideia de Campos, que em junho já estará fora da cadeira de governador, é acompanhar as partidas apenas como entusiasmado torcedor.

Para petistas próximos à Dilma, Aécio e Campos não terão como se descolar de eventuais problemas de infraestrutura na Copa nem do desgaste das manifestações. Isso porque Recife e Belo Horizonte, cidades-sede, são comandadas por aliados dos dois. E, se os protestos repetirem o modelo de junho do ano passado, pegarão a classe política como um todo.

— Mas é claro que quem está sentado apanha mais — disse um petista, referindo-se ao peso do cargo de presidente da República.

Por conta da descrença da população com o legado da Copa, a classe política inverteu totalmente o discurso. Se quando o país foi escolhido para sediar o evento, em 2007, os governantes diziam que ele serviria como meio de melhorar a vida da população com avanços nos transportes públicos e na logística, agora a estratégia uníssona é de valorizar o futebol como um fim em si.

Fonte: O Globo

É preciso materializar o ‘mal-estar’, diz o senador Aloysio Nunes

Para senador tucano, desafio de Aécio Neves é apresentar um projeto de País que dê conta do sentimento de mudança

Débora Bergamasco

BRASÍLIA - Com a missão de ajudar a abrir portas em São Paulo para o pré-candidato tucano à Presidência, Aécio Neves, e de usar a tribuna do Senado para atacar o governo petista, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) diz que a presidente Dilma Rousseff "vive uma relação de intrigas e chantagens com sua base parlamentar".

Citando pesquisas que mostram a disposição do eleitor para mudanças, o tucano destaca a necessidade de se achar um discurso que canalize esse sentimento. "Esse mal-estar (da sociedade) ainda não se materializou na forma de um projeto político preciso", afirma nesta entrevista ao Estado.

Além de apontar os erros dos adversários, Aloysio admitiu que as acusações de corrupção que pesam sobre o ex-presidente do PSDB, ex-governador e ex-deputado Eduardo Azeredo, réu no chamado mensalão mineiro, já estão contabilizadas como "prejuízo político".

Com um legado de mais de 11 milhões de votos em São Paulo conquistados na eleição de 2010, Aloysio acredita que, agora, Aécio adotou a estratégia correta para tentar conquistar os eleitores paulistas. Trata-se de "grudar" sua imagem à de lideranças de São Paulo, como à do governador Geraldo Alckmin, e à do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Quando FHC venceu a primeira eleição, ele defendia o combate à inflação. Lula ganhou prometendo melhorias sociais. Os candidatos hoje têm bandeiras novas?

Aloysio Nunes Ferreira: A presidente Dilma não propôs nem executou nenhuma política nova. Candidatou-se à reeleição cedo demais e aí condenou o seu governo a ser mero executor de políticas de curto prazo. Fizemos uma reunião de líderes no Congresso para programarmos nosso ano legislativo. Cada líder apresentou a pauta de suas prioridades e os do governo não apontaram nada, zero. Porque Dilma se acomodou a um tipo de condução em que o governante não conduz, é conduzido.

Lula surfou em uma onda externa muito favorável e simplesmente deixou as coisas correrem. Ela seguiu a toada e o resultado foi o desperdício de um momento extremamente positivo. Como a cigarra que cantou durante o verão e quando chegou o inverno não tinha o que comer. Hoje, faz medidas de curto prazo e midiáticas, como o Mais Médicos, as desonerações setoriais, a intervenção desastrosa no mercado de energia. Dilma desperdiçou uma base parlamentar oceânica da qual hoje ela é refém. É uma relação de intrigas e de chantagens entre ela e a base parlamentar, que leva ao jogo de soma zero. O Congresso está parado, não enfrenta nada. A Câmara dos Deputados há muito tempo não delibera.

Como vê essa briga na base aliada do governo?

Aloysio Nunes Ferreira: É um amálgama de interesses partidários que tem como objetivo a simples reprodução do patrimônio político de cada um e da própria presidente, que visa acumular o maior tempo de propaganda eleitoral. Hoje, o governo promove obstrução com medo de enfrentar sua própria base. Por outro lado, a base cozinha o governo em fogo lento, enquanto não saem reforma ministerial e cargos nas agências reguladoras.

Qual é o desafio do senador Aécio Neves para deslanchar no Estado de São Paulo?

Aloysio Nunes Ferreira: O Aécio tem que se sintonizar com essa corrente política que é vitoriosa, como Alckmin e FHC. Como presidente do partido, ele também busca contato mais íntimo com os líderes políticos que não aparecem nos jornais, mas que são grandes mobilizadores de votos. Existe um mal-estar, os brasileiros querem mudança.

Hoje a presidente Dilma venceria no primeiro turno. Por quê?

Aloysio Nunes Ferreira: É que esse mal-estar ainda não se materializou na forma de um projeto político preciso. Você tem um descontentamento que o mundo político ainda não conseguiu expressar. Esse é o desafio de Aécio.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Pibinho: fraqueza da economia derruba potencial de crescimento do país

Nas contas do estrategista-chefe para o Brasil do banco japonês Mizuho, Luciano Rostagno, o chamado PIB potencial do país caiu de 4,3%, em 2007, para os atuais 2,5%

Deco Bancillon

Alterar o quadro de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos últimos três anos — a pior média anual desde o governo Fernando Collor (1990-1992) — será o maior desafio do próximo mandato presidencial, seja com a reeleição de Dilma Rousseff, seja com a vitória da oposição. Para especialistas, se mantido por vários anos, o baixo desempenho da economia tende a atrofiar a capacidade de o país crescer.

Nas contas do estrategista-chefe para o Brasil do banco japonês Mizuho, Luciano Rostagno, o chamado PIB potencial do país caiu de 4,3%, em 2007, para os atuais 2,5%. A medida considera o tamanho da população e a capacidade de empresas e governos atenderem o consumo interno. “Qualquer expansão acima desse patamar impulsiona a inflação porque começa a faltar produto e até trabalhadores qualificados para atender a demanda extra das famílias e das empresas”, explica.

Esse descompasso prejudica, sobretudo, a confiança dos empresários. “À medida que o país cresce pouco durante um longo período, as expectativas do setor privado acabam se deprimindo, afetando investimentos e, por tabela, inibindo a expansão no futuro”, analisa o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “É um ciclo que se realimenta e produz um efeito perverso nas projeções. Uma vez que há uma trajetória de baixo crescimento, a chance de continuar nela é muito alta”, assinalou.

Curiosamente, nas últimas eleições presidenciais, a então candidata Dilma prometia taxas de crescimento em patamares elevados e sustentáveis. Mas essa que era uma das principais bandeiras de campanha não se confirmou. Tão logo tomou posse, em 2011, a presidente mandou o Ministério da Fazenda elaborar documento com as metas para os quatro anos de seu governo, prevendo expansão média anual de 5,9% da economia.

Fonte: Correio Braziliense

Presidenciáveis cumprem agenda intensa no carnaval

Em preparação para encarar as eleições, Aécio Neves, Dilma Rousseff e Eduardo Campos tem compromissos no feriado

Júlia Chaib, João Valadares 

BRASÍLIA – A pouco mais de sete meses das eleições, dois dos principais pré-candidatos à Presidência da República cumprem agenda intensa para divulgar a própria imagem. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, esteve em Salvador na sexta-feira. Hoje, visita o Rio de Janeiro, onde ficará em um camarote da prefeitura na Marquês de Sapucaí. Segundo Aécio, foi o prefeito Eduardo Paes (PMDB) quem o convidou. No ano passado, o senador nem sequer pulou carnaval.

O governador de Pernambuco e provável adversário nas urnas, Eduardo Campos (PSB), ficará no estado natal, mas, de certa forma, marcará presença no Rio. O estado é tema do samba-enredo Pernambucópolis, que será levado à avenida pela escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. A agremiação carioca pediu R$ 300 mil ao governo do estado nordestino, e a Secretaria de Cultura de Pernambuco analisa a demanda e a documentação da empresa que representa a escola de samba. O governo de Pernambuco informou que esse é um processo padrão em todos os procedimentos de contratação artística.

De acordo com a agenda oficial, Eduardo Campos optou por percorrer o interior de Pernambuco com o pré-candidato do PSB ao governo do estado, Paulo Câmara. Técnico que nunca disputou uma eleição, Câmara é desconhecido da população, e a estratégia de Eduardo é utilizar o carnaval como vitrine.

Ao contrário dos prováveis rivais, a presidente Dilma Rousseff não aproveitará o carnaval para desfilar perante o eleitorado. Ela ficará na Base Naval de Aratu (BA) com a filha, Paula, e o neto, Gabriel. A presidente deve usar esse tempo para finalizar as trocas pendentes da reforma ministerial. O prazo para que as mudanças sejam feitas termina em 5 de abril, seis meses antes das eleições de outubro. (Colaborou Paulo de Tarso Lyra)

Fonte: O Estado de Minas

Eduardo Campos volta a criticar a condução da economia

Para ele, as políticas sociais no Brasil precisam ser protegidas pelo crescimento com qualidade da nossa economia

O governador de Pernambuco e provável candidato à Presidência da República, Eduardo Campos (PSB), publicou uma nota no Facebook criticando a condução da economia do País. Segundo ele, é preciso "qualidade" no crescimento da economia para que as políticas sociais sejam efetivas.

"As políticas sociais no Brasil foram muito importantes e serão sempre importantes num País desigual como o nosso. Mas elas precisam ser protegidas pelo crescimento com qualidade da nossa economia. Senão é enxugar gelo", escreveu.

Recentemente, Campos passou a interagir com os internautas em sua página do Facebook. Além de suas mensagens, ele tem respondido a alguns comentários feitos por leitores. Em uma dessas respostas, o governador repete que é chegado o "momento de mudar".

"Muita coisa tem que mudar e vai ser com trabalho duro e dedicação que conseguiremos isso. Nossa políticas sociais precisam ser protegidas pela qualidade de nossa economia, sem camuflagens, ou de nada irá adiantar. Um novo Brasil nos espera e juntos buscaremos as melhores alternativas para alcançá-lo, acredite", escreveu Campos.

A outro internauta, Campos fez uma espécie de "convite". "Chegou o momento de mudar. Vamos conquistar essa transformação juntos".

Hoje pela manhã, Campos saiu pelas ruas do Centro do Recife cumprimentando foliões e até dançando frevo no desfile do Galo da Madruga. Com bom humor, sem falar de política, o governador voltou a afirmar que este será um carnaval de muita paz em Pernambuco.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Oposição critica governador do DF por visita feita a Dirceu

BRASÍLIA - Líderes da oposição na Câmara e no Senado criticaram a atitude do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), que visitou na prisão o ex-ministro e petista José Dirceu. O encontro, conforme revelou O GLOBO, ocorreu no dia em que o governador inaugurou uma nova unidade de acolhimento de adolescentes infratores próximo ao local onde Dirceu está cumprindo pena. Para a oposição, é um péssimo exemplo de desrespeito às regras e uma sinalização muito negativa para os dirigentes da Papuda, que são subordinados a ele.

O líder do PSDB, Antonio Imbassahy (BA), o governador Agnelo dá um mau exemplo que se soma a outras atitudes de dirigentes do PT de confronto a decisões e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O tucano citou o gesto de erguer o braço com os punhos cerrados, feito pelo vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), que sentou-se ao lado do presidente do STF, Joaquim Barbosa, na sessão inaugural dos trabalhos legislativos deste ano. O gesto foi feito pelos petistas condenados no mensalão, no momento da prisão.

- Primeiro temos a atitude inaceitável do André Vargas ao lado do ministro Joaquim. Agora, é o governador do DF que dá esse péssimo exemplo. Ele constrange a direção do presídio, uma conduta que privilegia um condenado pela Supremo Corte. Um preso só pode receber visitas dentro das regras, mostra tratamento privilegiado e não compatível com a conduta do Supremo que tem trabalhado pelo fim da impunidade e recebe aplausos da população - disse o líder tucano.

O presidente nacional do DEM e líder da legenda no Senado, senador José Agripino Maia (RN), condena a forma como petistas e, agora, o próprio governador do DF, encaram a prisão dos presos no esquema do mensalão.

- O PT está agindo como se os seus condenados no mensalão fossem hóspedes da prisão e não reclusos pelos crimes que cometeram. Ir à prisão, sem hora marcada, como se estivessem indo à casa de amigos. Passa, para o sistema prisional um atestado muito negativo, de desconsideração com as regras existentes, um atestado de impunidade - afirmou o líder do DEM no Senado.

Agripino Maia também critica a justificativa apresentada por Agnelo para a visita feita a José Dirceu no último dia 20:

- Ele é o governador do estado onde está preso o principal condenado do esquema do mensalão. Essa desculpa de que estava fazendo inspeção parece a de alguém que quer brincar com a boa fé das pessoas!

O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), também faz duas críticas à atitude de Agnelo, enfatizando que ele passa a seus subordinados um sinal de que os presos do PT são privilegiados.

- Sem dúvida, o DNA do abuso no exercício do cargo, não vale o respeito à lei, à República, às instituições. Vale o que eles acham que devem fazer e não o que diz a lei. Um governador, que deveria preservar a liturgia do cargo, simbolizar que ali tem presos e que há lei de execuções penais a ser seguida, faz o contrário - criticou o líder do PPS.

Para Bueno, o gerenciamento do sistema penal é executivo pelo Executivo por ordem da Justiça:
- É preciso que o juiz de execuções penais tome medidas com o objetivo de coibir práticas irregulares no cumprimento da pena.

Procurado, o petista André Vargas disse que não comentaria o assunto.

Fonte: O Globo

Eliane Cantanhêde:Batuque com pizza

O país em plena folia e o Supremo Tribunal Federal de ressaca pelo recuo no julgamento do mensalão, que tinha quadrilha, mas agora não tem mais. Durma- se com um barulho desses.

O pior é que o Carnaval passa, a Quarta-Feira de Cinzas passa, o congestionamento da volta para casa passa, mas a ressaca e os megafones no Supremo ficam. A divisão, que já era estridente, tende a ficar ensurdecedora. Imagine o clima no elevador, no cafezinho, nos encontros compulsórios no corredor...

Quem acha que o julgamento do mensalão está na reta final, e que vamos todos virar a página e mudar de assunto, está redondamente enganado. Ainda falta muita coisa a decidir.

A primeira do cronograma é o veredito sobre os embargos infringentes no caso de lavagem de dinheiro, nos quais um outro petista de destaque, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, é diretamente interessado.

Na outra ponta, a definição do destino do mensalão tucano, que pega de jeito o ex-presidente nacional do PSDB e ex-governador de Minas Eduardo Azeredo. O plenário vai decidir que o Supremo tem de julgar o mérito? Ou vai despachar para a primeira instância?

E há, por fim, duas expectativas irritantes como zumbido no ouvido: uma eventual candidatura do presidente Joaquim Barbosa a qualquer coisa e a "revisão criminal" para inocentar de vez os mensaleiros ilustres, sobretudo José Dirceu. Os outros que se danem --ou se "donadoneiem".

O risco, para usar um termo da área política que ameaça se deslocar para a área jurídica, é de uma grande pizza. Os ministros vão insistir que são insensíveis à "voz do povo", mas a sociedade brasileira apoiou maciçamente o julgamento e as condenações e, apesar do estômago de avestruz, não vai engolir fácil a margherita.

Quem abre alas nesse Carnaval é o ministro Ricardo Lewandowski. E não vai faltar quem veja nele pitadas de queijo, tomate e orégano.

Fonte: Folha Online

João Bosco Rabello: Revisão não revoga avanço

Os efeitos da absolvição já prevista por formação de quadrilha dos condenados do mensalão não incluem a redução dos danos políticos para o PT, embora animem o partido a insistir na tese da politização do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

O desgaste já está precificado desde as condenações e refletido nas pesquisas que registram o apoio de 86% dos brasileiros às prisões, índice que sobe a 87% entre os simpatizantes do partido. Os condenados cumprirão pena por tempo suficiente para firmar a condição de presidiários, ainda que tenham reduzido significativamente o período prisional.

Para a biografia de um político, a suspeita de corrupção já produz dano quase sempre definitivo. Uma condenação que não pôs em dúvida a ação delituosa e que se efetiva com a prisão, como é o caso, é uma sentença de morte política.

O dano é extensivo ao PT pelo engajamento na defesa dos seus dirigentes condenados, mesmo sem convencer seu próprio eleitorado.

A consequência temida pelos ministros que votaram pela formação de quadrilha é a de que a percepção positiva do fim da impunidade para políticos e criminosos de colarinho branco, promovida pelo julgamento do mensalão, seja comprometida pela ideia de que são até condenados, mas não ficam presos.

Pelo menos, ficam pouco tempo e, mesmo assim, com regalias e a solidariedade de autoridades, como mostra a visita do governador Agnelo Queiroz, do DF, ao ex-ministro José Dirceu, disfarçada de "inspeção" penitenciária.

O que o PT comemora é a simbologia do fim da pena por formação de quadrilha que, segundo o ministro Marco Aurélio Mello, pode reforçar a visão leiga de um julgamento político, mas não muda a realidade prisional.

Não por outro motivo, o decano da Corte, Celso de Mello, fez de seu voto pela formação de quadrilha uma contestação à síntese do PT para o caso, que o definiu como "a maior farsa política da história do País". Maior farsa da história, redefiniu Mello, foi a protagonizada pelos eleitos para servir ao País e que dele se locupletaram por um bom tempo.

O PT manterá o discurso do julgamento político, mas o tempo o dotará da monotonia própria dos mantras vazios. O partido apostará mesmo é na isonomia da corrupção com o PSDB, que agora terá no banco dos réus um expoente do partido, ex-governador de Estado e ex-deputado Eduardo Azeredo.

Seu processo difere do mensalão, mas tem o gene do desvio de dinheiro público para campanha. Não tem a dimensão daquele, mas serve ao objetivo de nivelar por baixo e estender a prática da corrupção a todas as legendas, omitindo a diferença de escala entre ambos.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Gaudêncio Torquato: As periferias chegam ao centro

"O sertão vai virar mar, dá no coração/ o medo que algum dia o mar também vire sertão." O refrão de Sobradinho, a música de Sá e Guarabyra, tem sido ao longo das últimas três décadas referência das mais usadas para explicar transformações nas paisagens urbana e rural do País e até mudanças que se operam no próprio cotidiano dos brasileiros. Mas a profecia do beato Antônio Conselheiro que dizia que o sertão ia alagar, cada vez mais improvável ante a inclemência de secas continuadas que deixam tórrida a terra nordestina, desviou o curso para outras direções, chegando às margens das metrópoles. Hoje o bordão é outro: as periferias viram centros e estes ganham jeito das margens periféricas.

Depauperados e vazios, os espaços centrais vão perdendo o glamour que outrora enfeitava o sonho das elites. Essa é uma faceta pouco percebida da atual anatomia urbana, cujos reflexos se projetam em múltiplos compartimentos da vida social, a partir de uma nova realidade plasmada por emergentes polos de força, renda e consumo.

O fato é que paradigmas estão sendo quebrados no hábitat dos aglomerados metropolitanos, que passam a ser foco de investidores imobiliários e de uma ação mais ativa do Estado. Passam a incorporar a estética arquitetônica das avenidas centrais, as estruturas de serviços básicos, os empreendimentos de lazer, enfim, dando adeus à antiga roupagem que os mostrava como lugares ermos e lúgubres, distantes e desorganizados. A modernização - aqui entendida como as formas de vivência e convivência com os equipamentos do progresso civilizatório - adentra as periferias, puxando uma locomotiva de novidades e amplificando as rotas de consumo, sobretudo em face da nova composição social, cuja classe média, que representa 54% da população (108 milhões de pessoas), gastou no ano passado mais de R$ 1,17 trilhão, movimentando 58% do crédito no Brasil, segundo dados da recente pesquisa Faces da Classe Média, feita por Serasa e Data Popular. As periferias não devem ser mais caracterizadas pelo distanciamento "geométrico", conforme pregam Carlos Ritter e Olga Lúcia Firkowski no trabalho Novo Conceitual para as Periferias Urbanas. Tal reengenharia tem conexão com os grupamentos sociais que ascenderam na pirâmide sob o empuxo das políticas de distribuição de renda.

A dinâmica social e o processo de "desperiferização" sinalizam a ocorrência de certos fenômenos, alguns com forte impacto na frente política e, por conseguinte, no pleito eleitoral de outubro. A começar pela elevação da autoestima. A melhoria de padrões de vida funciona como alavanca de ação, otimismo e esperança, despertando os valores de engajamento na vida social, observação mais atenta do processo político e acesso aos bens de consumo. Explica-se, assim, a razão por que sete em cada dez pessoas de classe média se preocupam mais com qualidade e marca de produtos. É razoável inferir que a ascensão social expande a aura de cidadania, o que tornaria o consumidor mais exigente, crítico e consciente de seus direitos.

Ora, sob tal hipótese, conclui-se que, também na esfera política, esse padrão cidadão transparece na maior conscientização sobre os processos da política e os atores que entrarão no palco eleitoral. O voto, portanto, será mais racional. Neste ano os eleitores de nível universitário da classe C já somam 11 milhões. Entre 2002 e 2010 saltaram de 6 milhões para 9 milhões. Já os de ensino médio chegarão aos 52 milhões.

Noutra frente é possível distinguir traços que ligam o clamor das ruas aos contingentes que sobem a escada social. Concentrações de grupos e mobilizações pipocam por todo o País, mas as maiores movimentações ocorrem em São Paulo e no Rio de Janeiro, caixas de ressonância da Região Sudeste, que abriga 43% da classe C. Acontece que a rápida ascensão de 30 milhões de brasileiros ao meio da pirâmide, saindo da base, não ganhou correspondência nas frentes da infraestrutura social, ou seja, o pão garantido na mesa não foi acompanhado por ingredientes necessários para assegurar não apenas barriga saciada, mas conforto, segurança, saúde, educação, água e luz.

Alguém poderá contra-argumentar: "Mas as periferias não assumem a forma dos centros e ganham estruturas de serviços?" Esse é o nó da questão. As bordas estão-se aparelhando, sim, na esteira de grupos imobiliários e setores do comércio, mas a ação do Estado ainda é frágil, não acompanha o ritmo das demandas. Veja-se a mobilidade urbana, alvo de constantes conflitos: ônibus e metrôs superlotados, massas humanas comprimidas à espera de seu meio de transporte, depredações. Na área da saúde, postos em estado precário, longas filas para atendimento, meses para marcar cirurgias. Há, portanto, muita pólvora acumulada no arsenal das periferias em remodelação.

A indignação é produto de carências. E acaba acendendo o pavio dos conflitos. O grupo de jovens da categoria "promissores", identificado pela pesquisa citada, com idade média de 22,2 anos, soma 14,7 milhões de pessoas, 95% solteiras. Essa turma exibe propensão à rebeldia e vitamina para engrossar o caldo de rolezinhos e manifestações de rua. Faz também ecoar reclamações de outra categoria, a dos "batalhadores", que soma 39% da classe média (30,3 milhões), gasta R$ 388,9 bilhões com prioridades vinculadas à família e tem idade média de 40,4 anos. Nesta se fincam as fortalezas da contrariedade.

Dentro dessa configuração - periferias e classes médias - reside o fato novo: extraordinária força social centrípeta a fustigar os polos do poder. Que água não falte nas torneiras nem se apague a luz da sala de TV, principalmente das casas dos emergentes, o maior feito nas áreas social e econômica do Brasil na contemporaneidade. E não vai adiantar apelo ao civismo pelo fato de o País sediar este ano o maior evento esportivo do planeta. Futebol e política são jogados em campos diferentes. Se algum candidato tentar engrupir, acabará levando cartão vermelho e voto contra.

Jornalista, professor titular da USP

Fonte: O Estado de S. Paulo

Elio Gaspari: O coronel Avólio e seu serviço ao Exército

Militar contou à Comissão da Verdade o que viu no dia em que mataram o deputado Rubens Paiva

Armando Avólio Filho era um jovem tenente no dia 20 de janeiro de 1971, quando Rubens Paiva chegou preso ao DOI do Rio de Janeiro. Durante 43 anos seu nome foi tangencialmente associado a esse crime. Em 1996, pediu um conselho de justificação para livrar-se da suspeita. Seu pedido foi negado pelo ministro Zenildo de Lucena. Em diversas ocasiões mostrou seu interesse em esclarecer os fatos, mas os chefes da ocasião sempre ordenaram-lhe que ficasse calado, para proteger a instituição. Felizmente, protegendo a instituição, Avólio decidiu contar à Comissão Nacional da Verdade o que viu. Só o que viu.

Desse depoimento, revelado pelo repórter Chico Otávio, resulta que ele viu um tenente (Fernando Hughes de Carvalho) numa sala, com um homem destruído. Mais tarde associou-o a Rubens Paiva. Até aí o caldo é ralo, pois no DOI se apanhava e lá morreu de pancada o ex-deputado. No máximo, a responsabilidade deslizaria para um tenentinho que, além do mais, está morto. A principal revelação de Avólio, hoje um coronel reformado, está no fato de que, naquele dia, contou o estado do preso ao major José Antonio Nogueira Belham, comandante do DOI. Belham sabe o que acontecia no destacamento, mas nunca se meteu com os bicheiros e contrabandistas que bicavam no DOI do Rio. Seguiu sua carreira e chegou a general de divisão. No governo de Lula, já na reserva, ocupava a vice-presidência da Fundação Habitacional do Exército. Encrencou-se com as viúvas dos militares mortos no terremoto do Haiti e foi demitido.

Belham informa que no dia 20 de janeiro de 1971 estava de férias. (Nesse caso, a responsabilidade deslizaria para o vice-comandante, que está morto.) Estava de férias, mas estava lá. Esse fato, mencionado por Avólio, foi formalmente corroborado por um coronel (capitão à época), que morreu em janeiro.

Quem tirou o cadáver de Rubens Paiva de lá? Quem coordenou o teatrinho? (Num caso anterior, fracassado, foi o Centro de Informações do Exército, subordinado diretamente ao gabinete do ministro Orlando Geisel e comandado por seu chefe de gabinete.) Depois da revelação da presença de Belham na cena do DOI, a comissão viu a ponta de dois fios que levam a meada para cima. Afinal, tanto trabalho para responsabilizar um tenente morto seria um novo teatrinho, institucional. Nele, cultiva-se uma narrativa segundo a qual a tortura e os assassinatos eram coisa de agentes desautorizados (de preferência, mortos). Patranha.

Eram uma política de Estado, dos presidentes, ministros e generais comandantes das grandes unidades. Para ilustrar: o tenente Hughes ganhou a Medalha do Pacificador no ano da morte de Rubens Paiva. Cada torturador foi um torturador, mas o conjunto dos torturadores foi um plantel formado, disciplinado e premiado por seus superiores, transformando jovens oficiais em assassinos.

Chegaram ao conhecimento de membros da comissão dois fatos. No primeiro, quando começou a operação de retirada do cadáver, durante a madrugada, as luzes foram apagadas. No segundo, contado por um militar, dois oficiais do CIE barraram-no na porta do DOI. Um deles está vivo.

Atitudes como a de Avólio nesse caso servem às Forças Armadas, tirando-lhe das costas a cruz das mentiras desmoralizantes que carregam desde o século passado. Ele tirou de sua biografia uma acusação que carregou em silêncio ao longo de décadas. Negaram-lhe a oportunidade funcional, mas o coronel falou na jurisdição competente. Pode parecer que seja pedir muito, mas se os atuais comandantes militares fizessem um elogio público a todos os oficiais que estão colaborando com as investigações, todo mundo ganharia. Podem até fazer um elogio genérico, abrangendo aqueles que mentem, não faz mal. Basta sinalizar que condutas como a de Avólio servem ao Exército.

Selfie
Aconteceu em Belo Horizonte há quinze dias.
A senhora caminhava nas proximidades da Assembleia Legislativa e aproximou-se um homem magro, de camiseta, com uma faca:
--Vai passando a bolsa. Estou com fome.
--Passo, mas primeiro deixe eu tirar os documentos.
--Pode tirar, esse negócio de burocracia é uma bosta... Pera aí... A senhora não é a ministra?
--Sou.
--Foi mal. Pode ficar. Gosto muito da senhora, desde o tempo do governador Itamar.
--Você quer dinheiro para comer?
--Não, vá em paz. Agora, o que eu queria era tirar uma fotografia com a senhora.
--Isso não. Meu cabelo está muito desarrumado.
O cidadão guardou o celular e a ministra Cármen Lúcia seguiu em frente.

Alzheimer
O Ministério Público Federal colheu dezenas de depoimentos de civis e militares que estavam na incubadora e na cena do atentado do Riocentro, em 1981.

Quase todos os militares lembraram de pouca coisa. Um dos que mostraram ter melhor memória foi o coronel Edson Lovato, que começou seu depoimento esclarecendo que sofre do mal de Alzheimer e toma 13 comprimidos por dia.

Vendo o futuro
Pelo andar da carruagem, alguns deputados que formaram o "blocão" e querem azucrinar o governo instalando mais uma CPI da Petrobras daqui a dez anos estarão se defendendo no Supremo Tribunal Federal. Sustentarão que é improcedente a acusação segundo a qual formaram uma quadrilha. Pelo visto, terão bons argumentos, vindos de sábios da jurisprudência.

Um golpe do atraso nos pontos de ônibus
Está em curso um novo golpe de marquetagem de prefeitos e cartéis de companhias de transportes públicos. É a colocação de painéis eletrônicos em pontos de ônibus, informando as previsões de horários de passagem dos coletivos por ali. Trata-se de uma bugiganga redundante, visto que hoje no Brasil há 271 milhões de telefones celulares e, com eles, pode-se obter essa informação, antes mesmo de se chegar ao ponto.

Houve época, quando não existiam os necessários aplicativos, em que esses painéis eram úteis (quando funcionavam). Se alguém quiser colocá-los nos pontos, pode fazê-lo, desde que os prefeitos não joguem dinheiro da Viúva nisso, nem os cartéis dos ônibus apresentem seus custos (e sua manutenção) nas planilhas com que vão buscar aumentos de tarifas. O que o passageiro quer deles é regularidade no serviço e conforto na viagem, e isso não dão.

Quando esses painéis são apresentados como um exemplo de políticas públicas modernas de prefeitos ou dos serviços dos cartéis, estão apenas confirmando o velho versinho do poeta Cacaso:

Ficou moderno o Brasil,
ficou moderno o milagre
Água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

Fonte: O Globo

Ferreira Gullar:Resistência à ditadura

Exposição não retrata os que optaram pela luta pacífica e foram igualmente presos, torturados e mortos

Fui ao CCBB aqui no Rio para ver a exposição "Resistir É Preciso...", organizada pelo Ministério da Cultura e Instituto Vladimir Herzog, uma das diversas manifestações que assinalam os 50 anos do golpe militar que, em 1964, depôs o presidente João Goulart. Tais manifestações parecem demonstrar o repúdio da sociedade brasileira àquele regime e a todo e qualquer regime que pretenda cercear a liberdade dos cidadãos.

A exposição é bem montada com fotos, desenhos, pintura e pensamentos que expressaram a resistência à ditadura militar. Mas se sente falta de referência a personalidades e atividades que desempenharam importante papel na luta de resistência ao regime autoritário.

Lembrei-me, por exemplo do show "Opinião", escrito por Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, dirigido por Augusto Boal e interpretado por Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale.

Esse show foi a primeira manifestação de resistência ao regime militar, pois estreou no dia 11 de dezembro de 1964, isto é, oito meses após o golpe. O público se sentiu expressado naquele espetáculo, sem nenhuma dúvida, tanto assim que o teatro lotava com um mês de antecedência. Por que não há qualquer menção a ele na exposição?

Após esse show, o mesmo grupo teatral montou "Liberdade, Liberdade" escrito por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, que também o dirigiu. De novo, casa cheia. Os militares, sentindo-se criticados, tentaram tirar a peça de cartaz, provocando um conflito, com homens armados (como se viu depois) a vaiar o espetáculo e acusá-lo de comunista. Era, sem dúvida, uma denúncia do autoritarismo do regime. No entanto, não há qualquer referência a ele na exposição do CCBB.

Como também não há referência à peça "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", outro sucesso de bilheteria que criticava a ditadura. A ideia de escrevê-la foi do Vianninha, temeroso da censura que acabara de proibir o "O Berço do Herói", de Dias Gomes, dirigido por Abujamra. Para burlar os censores, devíamos escrever uma obra-prima, do ponto teatral e literário. Foi o que se tentou fazer.

A peça passou na censura e ganhou todos os prêmios do teatro brasileiro naquele ano de 1966. Há alguma referência a ela na mostra do CCBB? Não, nenhuma. Como também não há referência a "Arena Canta Zumbi", de Gianfrancesco Guarnieri, nem aos demais espetáculos montados por outros grupos de São Paulo, do Rio e de outras capitais brasileiras.

Os organizadores dessa exposição parecem ignorar o papel desempenhado pelo teatro brasileiro na luta contra a ditadura. E a Passeata dos Cem Mil? Há dela apenas uma foto ali. Nenhuma alusão ao fato de que foi realizada graças à atuação da classe teatral, com o apoio logístico do Partido Comunista Brasileiro.

Mas não é só isso. Ênio Silveira, desde 1965, editou uma revista chamada "Civilização Brasileira" (que depois se chamou "Encontros com a Civilização Brasileira"), que publicava ensaios, artigos, poemas, entrevistas, reportagens, denunciando os abusos do governo militar e analisando os fatores que o determinaram. Essa revista foi editada durante 15 anos, resultando na prisão de seu editor. Não há menção a ela na exposição "Resistir É Preciso...".

Sem dúvida alguma, ao se falar do regime autoritário, não se pode esquecer aqueles militantes que escolheram a luta armada como o caminho correto para combatê-lo. Nem todos concordavam com isso, e pode-se dizer que essa era opinião da maioria das pessoas engajadas na luta, e com razão, pois era um equívoco. Não obstante, quem se dispôs a essa aventura demonstrou coragem e desprendimento.

A exposição faz referência a eles e particularmente aos que foram mortos pela repressão. Está certo. O que não está certo é não fazer qualquer referência àqueles que, optando pela luta pacífica, foram igualmente presos, torturados e mortos. Basta dizer que, de 1972 a 1974, um terço do Comitê Central do PCB foi assassinado, mas a exposição, se não me engano, não alude a eles.

Lula, porém, aparece ali como um exemplo de resistente. Está certo, mas por que não aparecem outros líderes como Fernando Henrique, José Serra, Miguel Arraes e tantos outros? Deve ter havido alguma razão para isso, mas não sei qual seria.

Ferreira Gullar, poeta, ensaísta e crítico de arte

Fonte: Folha de S. Paulo