Elos entre a Crimeia e a Rússia ameaçam estabilidade regional após a queda do governo em Kiev
Graça Magalhães-RUETHER
BERLIM - Uma semana depois da deposição do presidente Viktor Yanukovich, a Ucrânia continua dividida entre as tendências pró-Europa e pró-Rússia, e o perigo de desintegração do país de maior território da Europa e da repetição do exemplo sangrento das guerras separatistas da Iugoslávia do início dos anos 1990 aumenta a cada dia. Enquanto as regiões ocidentais comemoraram a queda do presidente e a vitória da “revolução da Praça da Independência”, nas cidades do Leste, a população começou a se sublevar contra o que considerou um golpe de Estado. A Crimeia convocou um referendo para o dia 25 de maio, quando a população vai decidir sobre o seu futuro status. Como a maioria da população (60%) é russa, o risco de uma separação da Ucrânia é real. Outras províncias do Leste ameaçam seguir o exemplo.
Mas não somente a distância geográfica de Kiev faz a situação ser vista de um ângulo inteiramente diferente no Leste da Ucrânia, onde a população de idioma russo continuou se considerando russa mesmo após a desintegração da União Soviética.
Enquanto Mikhail Dobkin, governador de Kharkiv, no Leste, acusou os novos líderes da Ucrânia de não se distanciarem dos fascistas do partido de extrema-direita Svoboda, na Crimeia o novo governo continua sendo visto como “golpista” e “ilegal”.
Encouraçado Potemkin
O conflito já não é mais sobre o regime de Kiev, mas sobre a própria identidade do país.
- Os protestos começaram em consequência da insatisfação com a situação econômica, mas depois transformaram-se no debate acirrado sobre o problema número um da Ucrânia, a identidade nacional - disse o cientista politico Anatoli Rachak, de Kiev.
Para o escritor Igor Sidorenko, da Crimeia, a divisão latente que sempre existiu foi marcada pela História e nunca pôde ser superada nos 23 anos de Ucrânia independente. Os próprios intelectuais estariam divididos. Os do Leste prefeririam que as suas províncias adquirissem uma autonomia completa ou passassem a fazer parte, um dia, da Rússia.
Por causa da Crimeia, mas também de Odessa, cidade que foi palco do maior clássico do cinema soviético (“O encouraçado Potemkin”), ainda hoje cultivado como um tesouro cultural do passado soviético, também os russos nunca deixaram de ver a Ucrânia como parte da Rússia, do “império”, como diz a escritora Galina Mihaleva, de Moscou.
- Ainda hoje os russos, não só os políticos, também os intelectuais, lamentam a perda da Ucrânia. Foi o pior capítulo da desintegração da URRS - diz Galina.
Mas enquanto os cidadãos da Crimeia de origem russa veem uma separação da Ucrânia, que poderia ser selada com o referendo de maio, como solução, a minoria tártara vê a soberania russa na península como o maior de todos os males, como trocar o demônio (um regime possivelmente corrupto de Kiev), pelo Belzebu (o imperialismo de Moscou).
Para o cientista político ucraniano Yuri Durkot, se a maioria dos russos do Leste conseguir uma separação da Ucrânia, o caso poderia terminar em uma sangrenta guerra civil, como a da Iugoslávia. Na Crimeia, foram os tártaros os que mais apoiaram a queda de Yanukovich. Muitos foram a Kiev participar dos protestos.
Mas mesmo os maiores nacionalistas de Moscou não acreditam que o presidente russo Vladimir Putin seja ingênuo a ponto de mostrar excesso de fôlego na troca de farpas com o novo regime de Kiev, os “terroristas e fascistas”. Com a Geórgia, há seis anos, Moscou pôde fazer o que quis - primeiro mandar tropas, depois preparar a anexação da Ossétia do Sul, que poderá acontecer em breve, por iniciativa da própria população local. Mas desta vez nem os adeptos do Partido das Regiões, de Yanukovich, são favoráveis a uma anexação da Crimeia ou de outras regiões do Leste pela Rússia.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário