segunda-feira, 18 de julho de 2016

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques

A nosso ver, por se inserir de modo acrítico em tal rede conceitual e virar as costas para a complexidade do País é que o petismo no poder se moveu tão desastradamente no plano institucional e no social. Se defino o Parlamento como assembleia de “picaretas”, disponho-me, ato contínuo, a cooptá-los, dispensando os processos de persuasão e aliança e tornando-me assim agente de degradação ainda mais acentuada. E se me autodefino, autoritariamente, como a irrupção dos pobres na vida social e na história do Estado, divido grosseiramente a sociedade em casa grande e senzala, pobres e ricos, amigos e inimigos – simulacro de luta de classes que, no entanto, mal arranha a desigualdade, afasta a esquerda de qualquer possibilidade dirigente e termina por preparar seu estatuto minoritário por muitas décadas.

Nas instituições e na sociedade, o resultado só podia ser desastroso. Ter feito esse tipo de aposta terá sido o pior dos males causados pelo petismo à esquerda e, sobretudo, ao País. Seja qual for o destino do partido e de seu máximo – e solitário – chefe, resta começar de novo: uma outra esquerda há de ser possível. E dela, certamente, o Brasil não pode abrir mão.
---------------------------
Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, um dos organizadores das Obras de Gramsci no Brasil. ‘Uma outra esquerda é possível’, O Estado de S. Paulo, 17/7/2016

Malas prontas no Alvorada

Decisão próxima

• Após dois meses afastada, Dilma já começa a usar voos da FAB para fazer, aos poucos, sua mudança para Porto Alegre, embora não tenha desistido dos planos de voltar à Presidência

Catarina Alencastro - O Globo

-BRASÍLIA- Na semana passada, o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República completou dois meses sem que ela tenha conseguido avançar em seu principal objetivo: obter mais votos de senadores contra o impeachment.

Aliados da petista continuam dizendo que é possível mudar o placar, que, hoje, apresenta uma boa margem a favor do impeachment. Mas, aos poucos, Dilma já está retirando seus objetos pessoais do Palácio da Alvorada — que terá que desocupar caso o impeachment se confirme — e levando-os para seu apartamento em Porto Alegre.

As viagens para a capital gaúcha são as únicas que Dilma ainda pode fazer em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), em geral um jatinho Legacy. Sempre que embarca para lá, a presidente afastada consegue levar duas malas com objetos pessoais. Ela carrega também a bicicleta com a qual se acostumou a fazer seus exercícios diários. 

Discurso mantido 
A petista decidiu manter o discurso de que é vítima de um golpe, mesmo sabendo que as chances de reverter o processo de impedimento no Senado são baixas. A preocupação é repetir sempre essa tese para que ela um dia fique registrada nas páginas da História.

— Isso aqui vai ficar registrado como golpe. Dilma está sendo vítima de um projeto de retirada dos direitos trabalhistas. Tenho certeza de que ela será inocentada pela História — disse o senador Lindbergh Farias (PTRJ), ressaltando que ainda não considera a batalha contra o impeachment perdida.

Em Brasília, Dilma tem recebido senadores aliados e concedido entrevistas a emissoras de rádio. Sempre acorda cedo e mantém o hábito de pedalar antes de iniciar a rotina de trabalho. Interlocutores contam que ela está sóbria, consciente das dificuldades de virar o quadro político. Mas que não desistiu dos planos de voltar à Presidência.

A argumentação de quem conta com a possibilidade de reversão do quadro é que a denúncia sobre as “pedaladas fiscais”, uma das bases do impeachment, se fragilizou depois que a perícia do Senado e o Ministério Público Federal isentaram Dilma de ter atuado pessoalmente nas operações de crédito do Plano Safra. Para o Tribunal de Contas da União (TCU), a medida caracterizou a manobra financeira.

Os defensores de Dilma dizem também que ela, inicialmente, era acusada de ter assinado seis decretos de crédito suplementar que desrespeitavam a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Mas que, agora, apenas três continuam sustentando a denúncia de que a presidente afastada cometeu crime de responsabilidade.

Dilma, que não quis ir à comissão de impeachment fazer sua própria defesa, já declarou que irá ao plenário do Senado apresentar sua defesa para as denúncias antes do início da votação final do impeachment.

À espera de um fato novo
Além disso, o time de Dilma não descarta que, até o fim de agosto, quando o impeachment será julgado pelo plenário do Senado, um fato novo contra o governo Michel Temer apareça, ferindo mortalmente o presidente interino. Alguns aliados de Dilma secretamente torcem por uma nova delação, como a do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que é ligado ao núcleo político do governo Temer e sempre foi próximo do presidente interino.

Outro ponto que tem animado os aliados da petista é o fato de Temer governar com uma enorme e heterogênea coalizão, o que o impede de atender a todos os aliados. Eles torcem pelo aumento das insatisfações.

— A situação de Dilma é difícil, mas não é impossível. A margem entre o sucesso e o insucesso é estreita. Os votos são muito voláteis. Nada é consolidado na política. Algum fato novo pode surgir e mudar o rumo das coisas. Além disso, o coeficiente de traição é algo difícil de se contabilizar — disse um auxiliar de Dilma.

Um parlamentar aliado da presidente afastada disse que tem ouvido muitas reclamações vindas da base de Temer, e que isso pode se reverter em votos pró-Dilma.

— O governo Temer tem problemas. A base é muito grande, isso gera disputas por cargos, brigas. Juntar esse tanto de lado é muito complicado — disse ele.

Eleição de Rodrigo Maia na Câmara antecipa cenário de 2017

• Resultado fortalece Imbassahy, favorito no PSDB na disputa pela presidência da Casa

Eduardo Bresciani, Isabel Braga e Júnia Gama - O Globo

-BRASÍLIA- A eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara precipitou as articulações para a disputa de sua sucessão, em fevereiro de 2017, para um mandato de dois anos. O resultado fortaleceu o líder do PSDB, Antonio Imbassahy (BA), tido como o favorito da legenda para disputar o posto, e enfraqueceu Jovair Arantes (PTB-GO), que despontava como o deputado mais competitivo do centrão.

Apesar da distância da nova disputa, o assunto fez parte de muitas das articulações que levaram à eleição de Maia. Tanto que o novo presidente chegou a ser confrontado diretamente durante reunião do PMDB, entre o primeiro e o segundo turnos do pleito, sobre o suposto acordo para apoiar o PSDB na próxima eleição. Maia afirmou que não havia compromisso com os tucanos, mas reconheceu aos peemedebistas que seria “natural” sua aliança com eles. Em entrevista ao GLOBO publicada sexta-feira, Maia deu resposta semelhante, destacando que cabe aos tucanos construir uma candidatura.

Imbassahy, embora negue pleitear a vaga, reconhece que o PSDB tem interesse em se colocar como alternativa na próxima eleição.

— O que importa é, com a eleição de Rodrigo Maia, implantar agora uma agenda de interesse do Brasil, manter a base coesa e votar os projetos na direção da reconstrução da economia, como as reformas, inclusive a política. É evidente, porém, que o PSDB, sendo um partido de força e expressão política, e com os quadros que reúne, pode se apresentar como alternativa no momento próprio — afirmou o tucano.

Jovair na briga
Líder do PTB, Jovair Arantes diz que ainda é cedo para esse debate. Ele não nega a pretensão de tentar disputar, mas diz que uma candidatura é construída e que não basta apenas ter essa vontade.

— Discordo que a eleição de Maia fortaleça candidaturas. Em 2017 teremos outro cenário. Cada um tem a legitimidade de buscar se fortalecer, buscar a convergência — disse o líder do PTB, que acredita ser cedo para definições: — Não posso dizer se sou ou seria (candidato). Não existe candidatura do eu, é do conjunto. Se eu conseguir, serei. Mas ainda não é hora de dizer. E não posso ser o candidato do centrão, mas claro que, eu saindo, posso ter a simpatia dos deputados que compõem esse grupo.

Além de Imbassahy e Jovair, outras candidaturas deverão surgir nessa corrida, que deve ser acelerada a partir de novembro, após as eleições municipais. Maior partido da Casa, o PMDB tem dificuldade para apresentar um nome com viabilidade. Alguns parlamentares do partido citam o ministro do Esporte, Leonardo Picciani. Ele, no entanto, só deixaria o cargo se ocorresse um grande acordo na base em torno de seu nome, inclusive com uma sinalização do Palácio do Planalto para lhe garantir a vitória certa, cenário que, atualmente, é pouco provável.

Governo aproveita impeachment para pautar o Senado

• Para o Planalto, votação de processo contra Dilma vai mobilizar a Casa em torno de votações prioritárias para Temer

Isabela Bonfim Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA,- O Palácio do Planalto aposta no retorno dos trabalhos da Comissão Especial do impeachment do Senado, após o recesso parlamentar, para atrair quórum necessário às votações no plenário das pautas consideradas prioritárias pelo presidente em exercício Michel Temer. Na Câmara, por outro lado, a preocupação é de que as ausências travem as votações.

Os parlamentares voltam às atividades no Congresso Nacional no dia 2 de agosto, quando a comissão no Senado se reúne para a leitura do parecer do relator, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). A expectativa é de que as sessões atraiam outros senadores, ajudando a completar o quórum necessário para votar a pauta do governo.

Entre as matérias mais importantes está a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que, por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), precisa do apoio de três quintos da Casa (49 senadores). O projeto, aprovado na semana passada na Comissão de Constituição e Justiça, está pronto para ser levado ao plenário. A PEC prorroga para 2023 a desvinculação de 30% das receitas da União e, apesar de não aumentar a arrecadação do governo, flexibiliza a alocação dos recursos.

ICMS. Também pronto para ser votado no plenário é o projeto de fixação em 12% da alíquota de ICMS do querosene da aviação. A proposta sacrifica a arrecadação e o caixa dos Estados, mas o governo federal aposta na padronização do imposto para estimular as empresas aéreas.

Na lista, há ainda o projeto que regulamenta os jogos de azar e poderia angariar até R$ 15 bilhões por ano aos cofres públicos. A matéria, entretanto, sofre com divergências dentro da própria base do governo.

Quórum baixo. A maior preocupação do Planalto, entretanto, está na Câmara. Em ano eleitoral, agosto e setembro costumam ser meses de baixa produtividade. O novo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), revelou a intenção de realizar sessões deliberativas às segundas e terças-feiras, mas há dúvidas se a proposta vai funcionar. O líder do governo, André Moura (PSC-SE), por exemplo, defende o modelo de duas semanas de esforço concentrado.

Moura espera aprovar na primeira quinzena de agosto o projeto de lei que desobriga a Petrobrás de ser operadora exclusiva do pré-sal, a renegociação da dívida dos Estados e o projeto de lei da governança em fundos de pensão. A proposta do teto para os gastos do governo só deve chegar ao plenário em setembro.

Política deve guiar decisão sobre impeachment

Por Vandson Lima e Thiago Resende – Valor Econômico

BRASÍLIA - Os decretos de crédito suplementar editados pela presidente afastada Dilma Rousseff sem aval do Congresso Nacional foram irregulares? A pedalada foi operação de crédito? Para o Tribunal de Contas (TCU) e técnicos do Senado responsáveis pela perícia, a resposta é sim.

Já o procurador da República Ivan Cláudio Marx, responsável pelo procedimento criminal aberto no Ministério Público Federal no Distrito Federal, acredita que não e por isso pediu o arquivamento do inquérito. Dilma participou do primeiro ato, não do segundo, crê a perícia.

Todo esse emaranhado de discussões técnicas, no entanto, não será determinante no voto que os senadores, em especial o grupo que está indefinido - ou que não divulga sua decisão -, dará sobre a cassação definitiva de Dilma.

"Cada dia mais se consolida a ideia entre os senadores que o voto será uma decisão política. É a percepção de que o governo Michel Temer está funcionando ou não que fará os senadores decidirem", atesta Wellington Fagundes (PR-MT), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e um dos integrantes da comissão processante do impeachment - talvez o único sobre o qual paire dúvidas do voto no julgamento final.

"Temer tem quer provar que há segurança política com sua permanência. Já Dilma acenou com uma nova eleição. Os senadores se inclinarão em função disso", aponta o senador.

Presidente do PSB, Carlos Siqueira diz estar convicto que seu partido repetirá o placar da admissibilidade do processo, depositando cinco votos pela saída de Dilma e dois contra. "Romário não vai mudar de posição, [Antonio Carlos] Valadares e Roberto Rocha também não. Esqueça", garante.

Autoproclamado independente na gestão Dilma, o PSB aderiu em larga maioria a Temer. O partido não indicou nomes para a composição do governo, mas liberou seus parlamentares a negociarem espaços individualmente - um jogo que o multifacetado PMDB manobra como poucos.

Os senadores do PSB, votantes no impeachment, foram responsáveis por indicações em frentes tão diversas quanto o comando do Ministério de Minas e Energia, a presidência da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) ou a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

"Político não decide nada por questão técnica. Decide pela política. O impeachment precisa de fundamento jurídico, mas é um processo essencialmente político. Dilma não vai ser tirada por causa das pedaladas, ainda que isso não deixe de ser crime. Ela criou um clima político e econômico insustentável", argumenta Siqueira.

"A questão é que, se ela tivesse conduzido bem a economia, tivesse dialogado com o Congresso, ela não seria cassada, como será. Ela errou na economia feio e na condução política de maneira mais feia ainda, estúpida eu diria", continua.

Lideranças políticas de seus Estados, os senadores também ponderam as consequências de suas escolhas nas urnas. Valadares, por exemplo, terá o filho concorrendo a prefeito de Aracaju (SE), em oposição ao PT.

No caso de Romário, que andou fazendo críticas à gestão Temer, ele já teria sido avisado que pode até perder a legenda para concorrer a prefeito no Rio se mudar de ideia sobre o impeachment.

Contrário ao impeachment, João Capiberibe (PSB-AP) acredita que a partir de agosto, Temer será mais "agressivo" na articulação. "Nomeações para o segundo escalão, por exemplo, ainda estão em espera", observou o senador.

Apesar das negociações firmadas com o Planalto, senadores tem reclamado, segundo Capiberibe, que Temer não tem cumprido ainda todo o prometido.

O grupo próximo a Temer é otimista, acredita ter mais de 60 dos 81 votos - são necessários 54 - para confirmar a saída de Dilma, cujo julgamento final deve ocorrer por volta do dia 25 de agosto, em sessão que deve durar "de quatro a cinco dias", segundo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Se os argumentos estão postos, a decisão, no entanto, alguns senadores pretendem divulgar somente no momento do voto.

"Ainda estou entre os indefinidos. Acredito que eleições antecipadas seria a melhor solução", diz Acir Gurgacz (PDT-RO).

'Agenda positiva' de Renan para se cacifar contra Lava Jato empaca

Mariana Haubert – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na mira da Operação Lava Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem tentado impor uma pauta considerada por ele como positiva à Casa com o intuito de resgatar seu papel institucional e, dessa forma, reduzir os desgastes oriundos das investigações contra ele.

O problema é que essa agenda tem encontrado resistência entre os líderes partidários, justamente por não ter sido discutida com todos eles antes de ser anunciada.

Há duas semanas, o peemedebista convocou a imprensa para anunciar quais projetos seriam prioritários nas últimas votações antes do recesso branco, que começou na última sexta-feira (15) e vai até o final do mês.

No pacote estavam propostas polêmicas, como a legalização dos jogos de azar no país –texto pronto para ser votado em plenário–, e o projeto que estabelece punições para autoridades que cometerem abusos, que ainda depende da análise de uma comissão especial.

Os líderes, no entanto, se incomodaram com a imposição de Renan e reclamaram pelo fato de o presidente da Casa não ter feito sequer uma reunião para tratar do assunto antes do anúncio de sua pauta.

Na visão deles, o alagoano passou por cima de suas prerrogativas e tentou se cacifar sozinho, ao ser o responsável pelo que seria votado.

Assim, o semestre acabou com quase nenhum dos projetos anunciados pelo peemedebista analisados.

Os senadores aprovaram apenas uma proposta de emenda à Constituição que limita os gastos de assembleias legislativas e tribunais de contas estaduais. De acordo com ela, a despesa anual desses órgãos não poderá exceder o gasto do exercício financeiro do ano anterior. Se for maior, passará a constituir crime de responsabilidade.

A insatisfação dos senadores obrigou Renan a chamar uma reunião de líderes na última quarta (18).

Por falta de acordo em torno de algumas das outras propostas, elas foram deixadas para o segundo semestre.

Assim, Renan entra nos últimos meses de seu mandato na presidência do Senado tendo que negociar uma pauta consensual.

No entanto, com a realização dos Jogos Olímpicos em agosto e a campanha eleitoral, a partir de setembro, alguns líderes veem com ceticismo a hipótese de a Casa conseguir votar todos os projetos elencados por Renan até o fim do ano.

Condições
Ao fazer um balanço sobre os trabalhos do semestre na semana passada, o presidente do Senado minimizou a situação e disse que a Casa "surpreendentemente" trabalhou muito bem, mesmo durante um período de forte crise econômica e de instabilidade política.

"Não há problema nisso. Queria que votasse se houvesse condição. Como não são matérias urgentes, que podem esperar agosto, elas esperarão", disse, após encerrar a última sessão deliberativa do semestre.

O Senado retomará seus trabalhos no dia 2 de agosto.

Mais de metade dos municípios atrasa entrega de prestação de contas de 2015

Por Rodrigo Carro – Valor Econômico

RIO - Dezesseis anos depois da entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mais da metade dos 5.570 municípios brasileiros ainda enfrenta dificuldades para prestar contas ao Tesouro Nacional dentro do prazo fixado. Até 30 de abril deste ano, prazo estipulado pela lei, apenas 2.740 municípios (49% do universo total) haviam entregue a Declaração de Contas Anuais (DCA) referente ao ano passado, segundo dados do Tesouro.

O atraso frequente nas contas - até sexta-feira quase 200 prefeituras não haviam entregue a DCA de 2014 - faz com que especialistas em contas públicas defendam mudanças no envio dos balanços anuais e na própria LRF. "Não podemos nos conformar com essa situação: todo ano, de 500 a 600 municípios deixam de entregar as contas", afirma Gil Castello Branco, fundador da organização não governamental Contas Abertas.

Estados e municípios que descumprem os prazos para apresentação das contas ficam impedidos de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito. De acordo com o Tesouro, até 30 de junho - data da publicação da Consolidação das Contas Públicas - o número de municípios que haviam encaminhado as DCAs havia atingido 4.500 (80% do total). Desde então, esse percentual evoluiu para 86%.

Por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, a Secretaria do Tesouro Nacional informou que o envio das contas anuais é verificado no momento da análise dos pleitos de operações de crédito. "Caso não haja conformidade com a legislação, os pleitos são negados", ressaltou a assessoria, por e-mail. Com relação às transferências voluntárias, o Tesouro esclareceu que a integração de sistemas permite a "verificação dos requisitos constantes do Artigo 51 da LRF, como o envio da DCA, para a concessão dos recursos do convênio nas transferências voluntárias."

Apesar de a lei determinar a suspensão de transferências para prefeituras que não prestarem contas, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, conta que em muitos casos "não há nem penalização". Ele atribui os atrasos a dificuldades de infraestrutura e de treinamento. "No Brasil, temos 500 municípios em que a prefeitura não dispõe nem de telefone", afirma.

A troca do sistema utilizado pelos municípios para enviar a DCA e outros documentos fiscais é também alvo de críticas por parte de Ziulkoski. Desde 2014, a entrega da declaração pode ser feita pelo Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), em substituição ao Sistema de Coleta de Dados Contábeis dos Entes da Federação (Sistn), utilizado anteriormente.

"Não fomos consultados sobre a troca nem houve uma mobilização das prefeituras", queixa-se o presidente da CNM. "Pensam que, do outro lado [, nas prefeituras] há um técnico bem preparado, especializado em orçamento público."

Dados levantados pela entidade indicam que, apesar das dificuldades, em alguns Estados a prestação de contas está muito acima da média nacional. Em Pernambuco, por exemplo, o envio das DCAs já foi feito por 98,4% das prefeituras. Na Paraíba, somente seis delas - de um total de 223 municípios - ainda não encaminharam o documento.

Um dos autores da LRF, o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV), sustenta que há formas mais eficientes de compartilhar dados financeiros das prefeituras. "Defendo que haja um acordo operacional entre a Fazenda e todos os tribunais de contas, de forma a ser feita uma única coleta e a ser organizada e socializada uma única base de dados", diz Afonso.

O pesquisador lembra que há mais de dez anos o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) concedeu um financiamento elevado para modernizar os tribunais de contas brasileiros, justamente com o objetivo de permitir o intercâmbio de dados. A troca de informações entre os tribunais de contas e o Tesouro também é defendida por Ziulkoski, da CNM.

Para além da questão da prestação de contas, Castello Branco, da Contas Abertas, vê necessidade de uma reformulação da LRF. "Com a recessão, houve uma deterioração muito rápida nas contas dos Estados e municípios e os relatórios [previstos na LRF] não indicavam isso", sustenta. "É preciso reavaliar a LRF pelo lado dessas brechas que fizeram com que essa situação de penúria não fosse detectada."

"É óbvio que tem algumas coisas que não funcionaram", admitiu Afonso durante um debate sobre o tema realizado na semana passada, na Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro. "Senão, não estaríamos nessa situação."

Crise petista abre caminho para Psol avançar em quatro capitais

• Em Porto Alegre, Luciana Genro está numericamente à frente em todas os cenários pesquisados

Por Cristiane Agostine, Estevão Taiar e Ricardo Mendonça – Valor Econômico

SÃO PAULO - Com apenas seis deputados em Brasília e limitada estrutura partidária, o Psol está com candidatos competitivos em pelo menos quatro grandes cidades: São Paulo, Rio, Porto Alegre e Belém. Em 2012, o partido ganhou apenas em Macapá, com Clecio Luís, que abandonou a sigla para ingressar no Rede Sustentabilidade. Na capital gaúcha a sigla lidera, segundo pesquisa do Instituto Methodus entre os dias 7 e 10 de julho.

Financiado pelo próprio instituto, conforme o registro oficial, o estudo com 600 entrevistas e quatro pontos de margem de erro mostra Luciana com 20,8%, seguida pelo ex-prefeito Raul Pont (PT), com 14,5%. Sebastião Melo (PMDB) com 13,7%; Vieira da Cunha (PDT), 11%; e Nelson Machezan Jr. (PSDB), com 6,5%. Os demais alcançaram menos de 2%. Na simulação com menos postulantes, a candidata do Psol marcou 22,8%, também seis pontos acima de Pont.

Luciana avalia que seu desempenho explicita as dificuldades enfrentadas pelo PT, partido que a expulsou em 2003 por divergências em relação à reforma da Previdência. "O PT não serve mais para liderar um processo de construção de uma alternativa de esquerda", disse. "Há a necessidade de um novo campo na política."

Filha do ex-prefeito, ex-governador e ex-ministro Tarso Genro (PT), Luciana, que foi candidata a presidente em 2014, é bem conhecida em Porto Alegre. Ela acredita que isso ajuda a explicar o atual cenário, mas afirma que dificilmente a disputa final ficará entre ela e Pont, ambos identificados com a esquerda. A tendência, diz, é de crescimento de alguém ligado ao governo local, do PMDB, ou ao prefeito José Fortunati (PDT).

A outra capital com candidato do Psol disputando a liderança é Belém. Num levantamento do instituto Paraná Pesquisas no início de junho por encomenda da TV Record (710 entrevistas, quatro pontos de margem de erro), o deputado Edmilson Rodrigues apareceu com 29,4%, atrás do deputado Delegado Éder Mauro (PSD), 33,9%. O prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB) marcou 8,6%. Os demais ficaram abaixo de 5%.

Edmilson já foi prefeito de Belém por dois mandatos, quando era filiado ao PT. Mauro, seu principal concorrente hoje, faz discurso radicalmente oposto ao do Psol, de exaltação à polícia e pela redução da maioridade penal. Na política local, poucos esperam uma reação de Coutinho, cuja gestão é muito criticada. Mas há expectativa de crescimento de Carlos Maneschy (PMDB), estreante que deverá ter bom tempo de TV e apoio do clã comandado pelo senador Jader Barbalho.

Em São Paulo e no Rio, os nomes do Psol aparentam ter chances menores. É difícil encontrar algum analista que veja possibilidade real de vitória da deputada e ex-prefeita Luiza Erundina na capital paulista ou do deputado estadual Marcelo Freixo no Rio. Nos dois casos, porém, o partido tem condições de alcançar um bom desempenho, o que ajuda nas eleições para vereador, em eventuais negociações de apoio no segundo turno -o que o Psol dificilmente fará- e na consolidação da imagem da sigla como opção viável para as próximas eleições.

Pesquisa do Datafolha em São Paulo nos dias 12 e 13 mostra Erundina à frente do prefeito Fernando Haddad (PT) nos dois cenários investigados. Quando Celso Russomanno (PRB) aparece no cartão de resposta, ela alcança 10%, seis pontos abaixo de Marta Suplicy (PMDB) e dois acima do petista. O deputado e apresentador de TV lidera com 25%. Sem Russomanno, Erundina tem 13%, dois à frente do petista e oito atrás de Marta, com quem disputaria eventual segundo turno. Com 1.092 entrevistas, a margem de erro é de três pontos.

Para Erundina, o Psol mantém os "princípios da origem do PT" e por isso tem atraído eleitores que sempre votaram no partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

• Erundina afirma que o engajamento contra Eduardo Cunha ajudou o partido a ganhar destaque nacional

Erundina afirma que o engajamento do Psol para tirar o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara e o lançamento de seu nome para disputar o comando da Casa- ela teve 22 votos no primeiro turno da Câmara- ajudaram o partido a ganhar destaque no cenário nacional com a bandeira contra a corrupção.

Para o economista Maurício Moura, diretor do instituto Ideia Inteligência, a chamada crise de representação também ajuda o Psol. Fortalece o que ele chama de "candidatos de nicho". Como exemplo disso, no polo oposto, ele cita o caso do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que teve 8% das intenções de voto para a Presidência na última pesquisa nacional do Datafolha. Um dos filhos do parlamentar, Flávio Bolsonaro, é pré-candidato da sigla no Rio de Janeiro.

Tanto Moura como os representantes do Psol concordam que a maior dificuldade do partido será o limitado acesso à TV. Sem alianças, os candidatos devem ter poucos segundos por dia em cada bloco da propaganda eleitoral e não mais que duas inserções nos intervalos da programação. E com menos de dez deputados, poderão ficar fora dos debates das emissoras. Conforme a nova lei eleitoral, as TVs não serão obrigadas a convidá-los.

As pesquisas citadas foram registradas com os códigos RS-388/2016, PA-09736/2016 e SP-02963/2016.

Consensos – Aécio Neves

- Folha de S. Paulo

Em meio à tempestade provocada pelas crises brasileiras, alguns consensos vão se formando sobre desafios e caminhos possíveis para o país.

Há consenso, por exemplo, de que a produtividade média no Brasil é muito baixa para uma nação ainda com elevada proporção de jovens, e que isso se deve a vários fatores, entre eles, a baixa escolarização da nossa população.

Também sabemos que, com esgotamento do bônus demográfico -o contingente recorde de pessoas em idade ativa- o PIB tenderá a crescer menos no longo prazo e aumentará demanda por despesas previdenciárias e de saúde.

É opinião dominante que empreender no Brasil é tarefa para poucos, dado os obstáculos à inovação -excesso de regras federais, estaduais e municipais; leis trabalhistas complexas; ausência de um mercado de capitais eficiente, que viabilize investimentos em pesquisa e desenvolvimento e em infraestrutura tecnológica por parte das empresas.

Ninguém duvida que o Estado é provedor de serviço ineficiente e que seu gigantismo deprime perspectiva de crescimento de longo prazo, que é necessário mais agilidade e políticas para o futuro.

Ou que a excessiva tributação desestimula o esforço e o acúmulo de poupanças daqueles que são tributados, dirigindo recursos para quem não deveria estar sendo subsidiado.

Pois bem. Sendo tudo isso matéria prima para a formação de alguns importantes consensos, o que, afinal, estamos esperando para mudar o rumo das coisas no país?

A lista de reformas é extensa e complexa, mas imprescindível para aumentar a eficiência da economia e criar novos fatores de propulsão do crescimento econômico. E isso exigirá mudanças estruturais, muito especialmente dos marcos regulatórios existentes, para, por exemplo, garantir uma efetiva independência às agências reguladoras, assim como a extinção de "cartórios" garantidos por lei.

É imperativo preservar direitos dos trabalhadores mas também melhorar a legislação trabalhista brasileira, que impõe custos que inviabilizam competição em mercado globalizado. E avançar mais na reforma fiscal, para além do teto de despesas públicas. Não há como adiar reforma previdenciária, que precisa ser enfrentada com coragem social.

Esses são apenas os primeiros passos na direção de um Estado mais eficiente, capaz de oferecer proteção aos mais frágeis e um real compartilhamento de riscos.

Ousadia, espírito público, liderança política, transparência, compromisso com o futuro e capacidade de diálogo são condições imprescindíveis para pavimentar um modelo de desenvolvimento sustentável.

Com isso, o Brasil irá construir as bases para enfrentar os desafios que ainda nos aguardam no século 21.
---------------------
Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB

Brasileiros preferem Temer a Dilma - Ricardo Noblat

- O Globo

Um governo eleito não pode ser derrubado. Nem pela violência. Nem por artimanhas jurídicasDILMA ROUSSEFF

Números do Datafolha são positivos para Temer. Tome-se como positivos para o presidente interino, Michel Temer, por de fato serem, os resultados da pesquisa nacional do instituto Datafolha realizada nos dias 14 e 15 de julho e que ouviu 2.792 eleitores em 171 municípios. Temer elegeu a economia como prioridade de seu governo. Montou uma equipe econômica que nem a presidente afastada Dilma Rousseff ousou criticar até aqui. Está se dando bem.

SÃO MUITOS os indicadores oferecidos pela pesquisa de que os primeiros 60 dias do governo provisório valeram a pena para Temer. O índice dos que consideram sua gestão ótima ou boa é de 14% — um pontinho percentual acima dos que pensavam o mesmo da gestão de Dilma no início de abril último. A reprovação, contudo, é bastante inferior à que amargava Dilma antes de ser afastada do cargo.

O GOVERNO de Temer é avaliado como ruim ou péssimo por 31% dos entrevistados. Em abril, 65% avaliavam como ruim ou péssimo o governo de Dilma. A diferença é explicada, segundo o Datafolha, pelos que acham a gestão Temer regular (42%) e pelos que achavam regular (24%) a gestão de Dilma. Pelo menos 13% não souberam dizer o que acham da gestão Temer.

EM ABRIL, quando Dilma ainda governava o país, o Datafolha mediu as expectativas dos brasileiros sobre um eventual futuro governo Temer. As expectativas eram de que seria um governo ruim ou péssimo para 38% dos consultados. Agora, o percentual dos que continuam pensando assim caiu para 31%. As expectativas de que o governo seria regular subiram nove pontos, de 33% para 42%.

MELHORARAM AS EXPECTATIVAS dos brasileiros sobre o futuro da economia do país e sobre sua situação pessoal, atingindo o maior patamar desde dezembro de 2014. Eles estão mais confiantes na queda da inflação, na diminuição do risco de ficar desempregados e no aumento do poder de compra. O Índice Datafolha de Confiança registrou avanços em cinco dos sete indicadores que o compõem.

EM DEZEMBRO DE 2014, dois meses após a reeleição de Dilma, apenas 9% viam a corrupção como o principal problema. A corrupção, agora, é citada espontaneamente como o principal problema por 32%. Compreensível, dada às investigações da Lava-Jato. Depois vêm a saúde (17%), desemprego (16%; índice mais alto desde março de 2009), violência e falta de segurança (6%) e educação (6%).

PARA DILMA, e os que apostam no seu retorno ao cargo, a pesquisa trouxe más notícias. O afastamento definitivo dela é defendido por 58% dos brasileiros. Só 35% se opõem à saída. Há ainda 3% que declaram ser indiferentes e 3% não opinaram. Em abril, 61% defendiam o afastamento e 33% eram contrários. As variações ocorreram praticamente dentro da margem de erro da pesquisa.

À PARTE A POSIÇÃO de cada um sobre o impeachment, 71% acreditam que Dilma será afastada de vez da Presidência, contra 22% que não acreditam. Entre a volta dela e a permanência de Temer até 2018, 50% imaginam que o melhor para o país seria a segunda opção. A primeira opção (volta de Dilma) seria o melhor para o país na opinião de apenas 32% dos pesquisados.

O QUADRO ELEITORAL para 2018 permanece muito indefinido. Quando confrontados com qualquer lista de candidatos, 25% dos eleitores respondem que no primeiro turno votariam em branco ou nulo. Lula lidera as simulações de primeiro turno, mas perderia para Marina Silva ou José Serra no segundo. Ele é o candidato mais rejeitado: 46% dizem que não votariam nele de jeito nenhum.

Façam suas apostas - José Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

Fora os candidatos, seus padrinhos e apadrinhados, quase ninguém está preocupado com a eleição municipal. O desdém é ainda maior do que em anos anteriores. A causa é a desilusão com os políticos e com a própria política. Isso fica claro na recente pesquisa do Datafolha em São Paulo, mas vale para outras capitais. Em Curitiba, o Ibope registrou o mesmo grau de distanciamento do eleitor em relação às candidaturas. No que isso vai dar? Em surpresas e sustos.

Interceptados na rua pelos pesquisadores do Datafolha, nada menos do que 83% dos paulistanos foram incapazes de dizer, por conta própria, o nome de um candidato a prefeito que estará na urna eletrônica daqui a dois meses e duas semanas. Faltam 76 dias para votarem, mas só 16% têm um nome na ponta da língua. O resto não sabe responder, cita nomes de políticos que não são candidatos ou diz que vai anular ou votar em branco. A grande maioria só consegue escolher um postulante depois de ser informado pelo pesquisador de quais são as opções.

Não é sempre assim? O desinteresse e a desinformação sempre foram altos, mas nunca tão altos. Em julho de 2012, ou seja, faltando tanto quanto falta hoje para a eleição, o principal grupo de eleitores sem candidato era do mesmo tamanho que hoje. Os mesmos 61% não sabiam responder espontaneamente ao Datafolha em quem votariam para prefeito. A grande diferença este ano é a taxa de branco e nulo: de 8% quatro anos atrás, pulou para 18% agora, na pesquisa espontânea. Quando o eleitor souber quem são os candidatos esse porcentual vai cair, certo? Errado.

Nos cenários estimulados, quando são confrontados com listas de nomes de possíveis candidatos, a taxa de branco e nulo aumenta em vez de diminuir. Vai a 20%. O eleitor não está nada satisfeito com o atual prefeito (só 14% acham a gestão de Fernando Haddad, do PT, ótima ou boa), mas tampouco se empolga com as alternativas – seja porque não gosta delas, seja porque não sabe muito bem quem são elas.

Os potenciais de voto dos candidatos paulistanos auferidos pelo Datafolha são de dar dó. Com exceção do líder Celso Russomanno (PRB), todos os outros nomes cogitados até agora provocaram a resposta “não votaria de jeito nenhum” na maioria do eleitorado. Dos 52% de Marta Suplicy (PMDB) aos 77% de Marco Feliciano (PSC), passando por 56% de Luiza Erundina (PSOL), 58% de Andrea Matarazzo (PSD), 65% de João Doria (PSDB) e 69% de Haddad.

Isso quer dizer que Russomanno, com apenas 38% de “não votaria de jeito nenhum” e 47% de “votaria com certeza” ou “poderia votar”, já está eleito? Não. Por pelo menos três motivos:

1) Apenas 4% dos eleitores citam seu nome espontaneamente. É menos do que os que citam Haddad de cabeça (6%). Isso significa que Russomanno tem um voto muito pouco consolidado. Seu eleitor já se mostrou volátil quatro anos atrás, quando ele liderou até a reta final e acabou fora do segundo turno na última hora.

2) Seu tempo de TV é ridiculamente menor do que os de Doria e Haddad. Em uma eleição curta e sem doações empresariais, a TV (e a propaganda negativa via redes sociais e WhatsApp) ainda manda.

3) Russomanno corre sério risco de ter sua candidatura impugnada pela Justiça. Tanto é assim que nem conseguiu convencer partidos de peso a se coligarem à sua chapa.

Em resumo, a eleição para prefeito de São Paulo – e provavelmente em muitas outras metrópoles brasileiras – será uma disputa entre candidatos rejeitados ou desconhecidos pela maioria da população, que farão uma campanha curta, com 40 dias de duração, sem a abundância de recursos de pleitos passados, e que enfrentarão o descaso e o desinteresse do eleitor.

O resultado? Uma eleição que será decidida na última hora e na qual o único favorito deve ser um forfait. Nunca uma eleição se pareceu tanto com corrida de cavalos.

Governo Temer se ajeita e joga pelo resultado - Valdo Cruz

- Folha de S. Paulo

Pouco mais de dois meses após tomar posse, o governo Temer vai se ajeitando e começa a melhorar na reta final de sua primeira batalha decisiva: o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff.

Como diriam os cronistas esportivos, sobe de rendimento na hora certa. Não chega a ser um desempenho que encante a galera, que se mostra mais confiante com o novo técnico do país, mas ainda está com um pé atrás sobre seu potencial.

Esse é o retrato da pesquisa Datafolha, que corrobora o que a equipe de Temer vinha dizendo nos bastidores e joga uma ducha de água fria na presidente afastada e aliados.

Dilma contava com um fracasso na gestão Temer para ouvir o grito das arquibancadas de "volta, Dilma". No início do jogo, ficou até animada com os tropeços de seu reserva, que ocupou seu lugar no campo e está com toda pinta de virar titular.

Afinal, o Datafolha mostrou que metade da população prefere que Temer continue no lugar da petista. Até que Dilma não fez feio, 32% desejam sua volta, mas é número incapaz de gerar uma pressão avassaladora pelo seu retorno ao posto.

Mais importante para Temer é que seu governo passou a despertar mais otimismo nos brasileiros em relação ao futuro da economia e sua situação pessoal. E tem avaliação melhor do que a da antecessora.

Daí que a hipótese de volta da petista gera arrepios em muita gente. Em três conversas, um empresário, um executivo e um banqueiro tiveram a mesma reação sobre tal possibilidade: o país interrompe a tímida reação e quebra de vez.

Dois gostavam de Dilma. O terceiro, nem um pouco. Refletem o sentimento de que ela pode até sofrer um julgamento juridicamente frágil, mas errou e seu tempo passou.

Enfim, o clima começou a desanuviar no Palácio do Planalto com o time de Temer jogando para o gasto na hora certa, perto de sua primeira grande batalha. Superada, terá de mostrar a que veio. A conferir.

Um novo ambiente, uma nova agenda na Câmara - Marcus Pestana

- O Tempo (MG)

É urgente recolocar a economia brasileira nos trilhos. A retomada paulatina da confiança no país já sinaliza a possibilidade de sairmos da recessão e termos crescimento positivo de 2% em 2017. O Brasil tem todas as condições de crescer de forma sustentada se superarmos o grave estrangulamento fiscal e criarmos um ambiente institucional favorável, com mais eficiência e menos corrupção, mais profissionalismo e menos clientelismo e aparelhamento da máquina pública. Mas os resultados não caem com a chuva, nem vêm com o vento, não brotam por geração espontânea.

Depois da devastadora experiência do PT no poder – que resultou, paralelamente a importantes avanços sociais, na maior recessão desde 1929 e no maior escândalo de toda a nossa história –, temos que produzir um conjunto ousado de reformas estruturais que modernizem nossas instituições e destravem o crescimento.

Para que tenhamos êxito, faz-se necessário estabilizar o processo político brasileiro e recuperar a capacidade decisória do Congresso Nacional. Para isso é fundamental virar a página. A Câmara dos Deputados, esgotando, em agosto, o processo de cassação do ex-presidente Eduardo Cunha, repaginando sua arquitetura política com a desconfiguração do chamado “centrão” e dando fluidez à agenda de deliberações. O Senado Federal, concluindo o processo de impeachment. E o conjunto do sistema político, aprendendo a conviver com a operação Lava Jato e suas congêneres, respeitando a autonomia dos Poderes e absorvendo seus avassaladores efeitos.

O processo político deve se transformar numa alavanca da superação da crise, e não ser obstáculo aos avanços necessários. A instabilidade política impediu que temas importantes, como o novo regime fiscal, a nova governança nos fundos de previdência complementar e a nova regra de exploração do pré-sal, por exemplo, fossem aprovados. E temos que avançar em mudanças essenciais nos sistemas político-eleitoral, tributário, trabalhista e de organização do mercado de trabalho e previdenciário.

Em setembro, temos que zerar o placar e começar vida nova. O Brasil tem pressa, e a realidade impõe mudanças radicais. Mas há motivos para um centrado otimismo. A Câmara dos Deputados, em sua última semana de trabalho antes do recesso, produziu dois fatos da maior importância para melhorar o ambiente político e preparar um ciclo transformador de reformas estruturais.

A CCJ derrotou por 48 votos a 12 o recurso de Eduardo Cunha contra sua cassação, preparando a etapa final no plenário, a ser concluída na primeira quinzena de agosto. E elegemos por 275 a 170 o candidato da frente PSDB/DEM/PSB/PPS, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, a partir de uma visão avançada, moderna e plural do processo político e legislativo, que representa o nascimento de um novo ambiente e de uma nova agenda, após o traumático episódio do afastamento e renúncia de Eduardo Cunha.

Mãos à obra por um novo Brasil!
--------------
Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG)

A Câmara de Maia, Cunha e Costa Neto - Marcos Nobre

• O baixo centrão não será facilmente desidratado

- Valor Econômico

Nos discursos como candidato e como presidente eleito da Câmara, Rodrigo Maia fez questão de repetir à exaustão que não seria um representante das cúpulas partidárias, mas das bases, de cada deputado e deputada. Prestou sua homenagem ao baixo centrão, condizente com a hesitação que acompanhou até o último momento a decisão do governo Temer de apoiar sua candidatura. O governo interino tem claro que um dos importantes fatores da instabilidade estrutural do sistema político está na descoordenação visível no baixo centrão e já deixou claro que o próximo objetivo é devolver o poder às hierarquias partidárias, único arranjo em que o presidente em exercício consegue efetivamente operar. Ou, em suas próprias palavras, depois desditas de maneira protocolar, como já virou hábito neopalaciano: "Eu quero desidratar essa coisa de centrão".

Com a eleição de Maia para a presidência da Câmara, mais um passo importante foi dado rumo à pax pemedebista de Temer. Falta medir agora o tamanho do passo. E da perna que o deu. Porque, ao contrário do que se propagou, Maia está longe de ser o anti-Eduardo Cunha em termos de sua trajetória recente. É mais do que conhecida sua sólida aliança política com Cunha nos últimos anos.

O que fez de Maia o anti-Cunha foi o projeto de empoderar as cúpulas partidárias do baixo centrão, essa mistura de baixo clero e centrão, dando condições para que retomem o poder e a autoridade sobre as bancadas perdidos por obra e graça de Eduardo Cunha. Quanto mais fragmentado o cenário partidário, quanto mais esburacadas as regras de fidelidade partidária, tanto mais políticos com mandato se movem segundo seus interesses mais imediatos. Anulam, simplesmente, o tipo de coordenação e de unidade de ação típico de partidos que funcionam. Ainda mais se encontram proteção e coordenação fora do alcance da própria hierarquia de seus partidos, em uma figura como Eduardo Cunha.

O objetivo de Temer é claro, mas o caminho está longe de desimpedido. O baixo centrão é um bloco de cerca de 220 votos dos 13 partidos sempre-governo - PP, PSD e tutti quanti. A base de que partiu a candidatura de Rodrigo Maia no primeiro turno da votação - os neogoverno de PSDB, DEM, PPS, mais o PSB - recebeu em seguida o apoio decisivo dos ex-governo - PT, PCdoB, PDT. Para alcançar a vitória expressiva que alcançou, bastavam então que 50 votos do baixo centrão mudassem de lado. Conseguiu isso com a adesão do PR. E conseguiu a adesão do PR porque o governo Temer entregou a quantidade necessária de fita adesiva.

Ainda assim, é muito significativo que não tenha ocorrido uma debandada no baixo centrão. Com o anúncio do apoio dos ex-governo e do PR, a contabilidade dizia que a vitória de Maia estava assegurada. A tendência de desagregação do bloco dos sempre-governo em um caso como esse seria o resultado óbvio. E, na hora da xepa, a troca de lado teria saído relativamente barata.

Isso talvez tivesse acontecido, não fosse por alguns elementos decisivos. O primeiro deles é uma obviedade que parece ter passado desapercebida: a eleição foi apenas para a presidência. Todo o restante da mesa diretora da Câmara permanece onde está, segundo a mesmíssima distribuição de poder estabelecida por Eduardo Cunha quando de sua eleição, em fevereiro de 2015. A mesa diretora atual deverá cumprir seu mandato até o final de janeiro de 2017.

É aí que a coesão dos 170 votos recebidos por Rogério Rosso no segundo turno da eleição para a presidência da Câmara mostra que o jogo em favor da recuperação de poder por parte das cúpulas partidárias está muito longe de estar jogado. O que Eduardo Cunha representa continua muito vivo na Câmara e não será nada fácil devolver o baixo centrão de volta às garrafas partidárias de antes. Porque, no fundo, o que caracteriza esse baixo centrão é justamente uma relação frouxa e oscilante entre as cúpulas partidárias e as bases parlamentares. As cúpulas são apoiadas quando conseguem convencer de que se trata de coordenar as ações em vista de um inimigo ou de um objetivo comum. Foi o que aconteceu no caso da votação do impeachment de Dilma Rousseff. É o que acontece quando se trata de combater o objetivo do governo Temer de dissolver o próprio baixo centrão. Mas a regra é impedir que as cúpulas partidárias acumulem poder e autoridade suficientes para impor condutas uniformes, assim como punições em caso de descumprimento da orientação hierárquica.

Rodrigo Maia ganhou seu lugar à cabeceira da mesa, mas terá de jogar com as cartas de Eduardo Cunha. Incluindo a carta na manga que é o líder do governo na Câmara, André Moura, com quem Maia tentou disputar a posição, mas sequer passou da fase de qualificação. Moura foi imposto a Temer pelo baixo centrão com requintes de humilhação. Foi feita a Temer a ameaça de criar a figura do "líder da maioria" caso Moura não fosse nomeado.

A rachadura no baixo centrão que deu essa vitória tão cheia de amarras a Rodrigo Maia foi realizada pelo PR. É o partido do 2o. vice-presidente da Câmara, deputado Giacobo, que, no primeiro turno de votação, obteve 59 votos. Mas é, antes de tudo, o partido do ex-deputado Valdemar Costa Neto. No rastro do mensalão, Costa Neto renunciou ao mandato de deputado em 2005. Foi novamente eleito deputado em 2006 e em 2010, tendo renunciado uma vez mais ao mandato apenas em 2013, após sua condenação a sete anos e dez meses de prisão no processo do mensalão.

Não obstante os obstáculos, Costa Neto continuou a dirigir seu partido como antes. No início de maio deste ano, recebeu o indulto que o livrou do cumprimento do restante de sua pena, já então em regime de prisão domiciliar. Após o impeachment, reapareceu para apoiar a participação do partido no governo Temer. E, agora, para decidir a eleição em favor de Rodrigo Maia.

Uma simples regra de três política pede que se imagine Eduardo Cunha enfrentando o mesmo tipo de obstáculos que Costa Neto. É só comparar o poderio de um e de outro para ver que o jogo da estabilização do governo Temer na Câmara está ainda longe de seu fim.
------------------
Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Petismo sugere um novo refrão populista: rouba, mas distribui – Vinicius Mota

- Folha de S. Paulo

É curioso o resultado do Datafolha acerca do principal problema do país. Na média, confirma-se o destaque da corrupção como a resposta bem mais frequente, dada por 1/3 dos pesquisados.
Para um grupo populoso, porém, saúde e desemprego são temas tão valiosos quanto a corrupção. Nesse estrato, cada um dos três itens obtém pouco mais de 1/5 das respostas.

Trata-se dos eleitores cuja renda familiar mensal não excede dois salários mínimos (R$ 1.760), que representam 49% da amostra. Esse padrão de desvio da média global se repete entre os 35% que estudaram no máximo até o nível fundamental.

Esse eleitor mais pobre e menos instruído, tão preocupado com emprego e saúde quanto com corrupção, proporciona melhores resultados para o petismo na pesquisa. Rejeita menos Lula e lhe dá mais intenção de votos. Apoia menos o impeachment e a permanência de Temer. É o vetor que por ora evita a implosão eleitoral do PT e de seu líder.

O populismo sempre foi uma resposta provável à degradação das condições de vida de grandes contingentes sociais. No Brasil, várias configurações da elite política já entoaram a melodia populista, que associou ao ademarismo e ao malufismo o bordão "rouba, mas faz".

A elite oriunda do sindicalismo, de movimentos católicos, da burocracia e da academia estatal agora adapta o slogan. Fazemos o que todos os outros fazem, sugere em sua ginástica mental, mas pelo menos distribuímos renda e oportunidades.

O "rouba, mas distribui" pode colar, pois há substrato demográfico para absorver a mensagem. Será, no entanto, uma via minoritária, pela qual o PT dificilmente obterá os principais cargos eletivos do país.

A fatia dos que concluíram o ensino médio, hoje 2/3 do eleitorado, está em franca expansão. É improvável, dado o colchão social brasileiro, que a base da pirâmide de renda volte a crescer como tendência secular.

Quando agosto vier - Luiz Carlos Mendonça de Barros

• É a vez da volta dos valores liberais de uma economia privada eficiente e gerida com competência

- Valor Econômico

A renúncia do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados - e a eleição de Rodrigo Maia como seu sucessor - é o penúltimo passo na direção de novos rumos na política brasileira. O simples fato de que o novo presidente pertence ao Democratas, partido de centro direita no espectro partidário brasileiro, já é um sinal claro das mudanças que vêm ocorrendo depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Afinal, este grupamento político foi perseguido com violência, nos últimos 10 anos, pelo PT.

Para que a hegemonia política dos últimos 14 anos seja declarada oficialmente morta falta apenas que o afastamento definitivo da presidenta petista seja aprovado pelo Senado. E isto deve acontecer quando agosto vier.

A mudança do equilíbrio político no Congresso é a condição necessária para que - também na economia - a sociedade brasileira possa encarar o futuro com mais otimismo. A equipe econômica do presidente Temer, nestes poucos meses no comando do Ministério da Fazenda e do Banco Central, já mostrou que tem condições técnicas para colocar a economia no rumo correto. Mas sem o apoio decisivo do Congresso não pode ir muito longe nesta sua tarefa. O estrago deixado pela gestão petista é profundo demais para ser superado apenas com medidas conjunturais. Reformas estruturais de peso precisam ser alcançadas nos próximos anos.

A próxima reforma – Editorial / Folha de S. Paulo

Se reverter a crise de confiança na solvência do Estado é o passo imediato fundamental para estancar a ruína econômica, as esperanças de prosperidade futura do país dependem de uma agenda de modernização institucional que estimule a produtividade e reduza o custo de fazer negócios.

Entre os obstáculos a serem equacionados, destaca-se a obsoleta legislação trabalhista, gestada nos longínquos anos 1940 e causadora de um anômalo e crescente contencioso entre empregados e empregadores.

Conforme noticiou esta Folha, somente no ano passado foram iniciadas 2,66 milhões de ações do gênero, um recorde histórico que infelizmente deverá ser superado neste 2016, em razão da expansão das taxas de desemprego.

Na raiz do problema está uma cultura paternalista na gestão de conflitos, reforçada pela estrutura sindical oligopolizada, abrigada no Estado e financiada por contribuições obrigatórias, inclusive de trabalhadores não afiliados.

O paternalismo enfraquece a disposição à negociação e a autonomia das partes em decidir conforme suas preferências. Na tradição brasileira, o legislado tende a se sobrepor ao acordado em convenções coletivas.

Simples e profunda – Editorial / O Globo

• Corrupção política há em todo o mundo, mas no Brasil mecanismos legais, mas deletérios, a impulsionam

A eleição de um novo presidente da Câmara, semana passada, em substituição ao afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), abre perspectivas positivas para o Legislativo levar adiante uma reforma política eficaz. Esta é uma demanda que se arrasta no sistema representativo do Brasil por anos, jamais enfrentada com a necessária seriedade pelos parlamentares. Eleito o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a Casa, pelas palavras dele, tem a oportunidade de enfim se reencontrar com a agenda política do país.

Antes, o presidente interino, Michel Temer, já havia sinalizado, de um Executivo que busca implementar necessárias mudanças no país (política, econômica e fiscal) para um Congresso que ainda reluta em abandonar o crônico paradigma do excesso de fisiologismo, quais os pontos mais imediatos de uma reforma política simples, como deve ser, mas não menos profunda: a adoção de uma cláusula de desempenho para os partidos e a proibição de coligações nas eleições proporcionais.

A oportuna particularidade de, no espaço de poucos dias, os chefes do Executivo e de uma das Casas do Legislativo terem mostrado sintonia num tema vital para o futuro político do país não pode ser desperdiçada. A degradação do sistema de representação do país passa não só pelos gargalos mais visíveis, expressos em mecanismos que perpetuam o jogo do toma lá dá cá. Nela há também um inequívoco componente cultural, na forma de parlamentares que disputam eleições para, ao anteparo de seus mandatos, obter dividendos materiais. Neste particular, esta não é uma exclusividade do Brasil. Corrupção política, em maior ou menor grau, existe em todo o mundo. O que lhe dá no país a dimensão de “malfeitos” levados ao extremo são os dispositivos — legais, mas deletérios — que, na prática, a “institucionalizam”.

Entrosamento com TCU facilita tarefa de Meirelles – Editorial / Valor Econômico

A sabedoria popular consagrou há muito tempo a máxima de que "o combinado não sai caro". Desde que assumiu o comando da economia nacional, há dois meses, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem seguido à risca o mandamento. Não obstante os super poderes a ele conferidos pelo presidente interino, Michel Temer, o ministro fez das consultas e visitas ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma prática quase cotidiana.

As digitais do tribunal estão impressas na raiz do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff - que, por sinal, nunca quis admitir Meirelles em seu governo, apesar das sucessivas indicações do ex-presidente Lula. A presidente afastada reconheceu, na semana passada, que considera Meirelles "competente". A relação do governo Dilma com o TCU, segundo relatos de ministros do tribunal, foi marcada por arrogância mal disfarçada de apreço. Com o governo Lula, foram cenário para críticas e tentativas de suprimir poderes da corte de contas.

Sabedor do grande potencial do TCU para causar dores de cabeça ao governo, Meirelles tem feito consultas preventivas sobre as medidas que planeja pôr em prática. Para as mais importantes, vem optando por ir pessoalmente ao edifício sede do tribunal, sempre acompanhado por integrantes do primeiro escalão da equipe econômica.

O ajuste e os impostos – Editorial / O Estado de S. Paulo

Plano de estabilização sem aumento de impostos será uma novidade no Brasil, muito bem-vinda, mas por enquanto muito incerta. Segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o plano A é consertar as contas públicas sem depender de maior tributação. Mas a contenção do gasto, já se sabe, será apenas parte do esforço - na melhor hipótese, a principal. O governo deverá recorrer também a privatizações e concessões para fortalecer a receita. Mas ficará nisso? Sem descartar uma elevação de impostos e contribuições, o presidente em exercício Michel Temer decidiu adiar qualquer anúncio a respeito do assunto.

“Só cogitaremos se for absolutamente indispensável”, disse ele ao Estado. Enquanto isso, técnicos do governo continuam fazendo contas e já estimam para o próximo ano uma receita adicional de R$ 8 bilhões, mas sem mostrar de onde pode vir esse dinheiro e sem confirmar se haverá elevação de alíquotas. Não devem estar fazendo um exercício meramente acadêmico.

O futuro da globalização - Albert Fishlow*

- O Estado de S. Paulo

Os últimos tempos têm testemunhado impressionantes mudanças em todo o mundo. Às vezes, o foco no que está ocorrendo no Brasil – um caso considerável – faz com que não se perceba a rapidez com que o renascimento do nacionalismo está acontecendo. Mas, ocasionalmente, não deixa de haver também um elemento cômico, shakespeariano talvez, nessa tragédia. Em primeiro lugar, a recente decisão britânica de sair da União Europeia. O desligamento se dará com a nova primeira-ministra, Teresa May, que ocupará o cargo de David Cameron, que queria que o reino Unido permanecesse na UE. Entre as mudanças no gabinete conservador está a nomeação de Boris Johnson como ministro do Exterior, após sua derrotada para Teresa May.

Agora começa a parte realmente complexa. Determinar qual será a nova relação do país com a Europa, e lutar para que sejam minimizadas as consideráveis consequências políticas e econômicas negativas serão tarefas difíceis. Nos dois anos que decorrerão até o estabelecimento do status final do Reino Unido, a Escócia, que votou em grande parte a favor da permanência na UE, ameaça abandonar o Reino Unido, assim como a Irlanda do Norte. Muitos imigrantes europeus que vivem no Reino Unido por suas oportunidades de emprego estão reavaliando as vantagens de permanecer no país. Além disso, o papel de Londres como centro financeiro da UE se tornou incerto, uma vez que muitas empresas estudam a possibilidade de se transferirem para Paris ou Frankfurt.

A abdicação da esquerda - Dani Rodrik

• A revolta popular que parece estar em curso assume diversas e complicadas formas: reafirmação de identidades locais e nacionais, demanda por responsabilização democráticas, rejeição a partidos centristas e desconfiança em relação às elites e experts

- Valor Econômico

Enquanto o mundo está atordoado com o choque do Brexit, começa a cair a ficha - para economistas e formuladores de políticas governamentais - que eles subestimaram substancialmente a fragilidade política da atual forma de globalização. A revolta popular que parece estar em curso está assumindo diversas e complicadas formas: reafirmação de identidades locais e nacionais, demanda por maior controle e responsabilização democráticas, rejeição a partidos políticos centristas e desconfiança em relação às elites e experts.

Essa reação era previsível. Alguns economistas, inclusive eu, de fato advertimos sobre as consequências de levar a globalização econômica para além dos limites das instituições que regulamentam, estabilizam e legitimam os mercados. A hiperglobalização do comércio e das finanças, destinada a criar mercados mundiais perfeitamente integrados, desagregou as sociedades nacionais.

No Brasil, ler é coisa que se faz por obrigação – Ruy Castro

- Folha de S. Paulo

Há tempos, assisti a um comercial de TV sobre um produto esportivo, talvez um tênis, cujo mote era a necessidade de "liberar o corpo". O anúncio falava de pessoas "reprimidas", que seriam mais felizes se vivessem ao ar livre usando o produto. Entre estas, mostrava uma moça sentada, lendo um livro, dentro de uma biblioteca - o Real Gabinete Português de Leitura, no centro do Rio. Mensagem subliminar: a leitura é uma chatice, uma obrigação, o contrário de ser livre e feliz.

Uma pesquisa recente do Instituto Pró-Livro e do Ibope, "Retratos da Leitura no Brasil", citada pelo colunista Antônio Gois, do "Globo", traz dados alarmantes: 44% da população brasileira não têm o hábito de ler livros, e esse número não se alterou nos últimos 12 anos. Apenas 33% dos brasileiros tiveram a influência de alguém para adquirir o gosto pela leitura, quase sempre a mãe - o que não é um mal, mas por que não citar igualmente um professor?

Porque, diz a pesquisa, os professores também leem pouco e mal. Embora 84% tenham dito que leram um livro nos três meses anteriores à pesquisa, a maioria não se lembra do título ou não respondeu, e, quando se lembra, o mais citado é a Bíblia. Sim, não podemos nos esquecer dos seus baixos salários, que os impedem de comprar livros. Mas não é para isto que existem as bibliotecas?

Não no Brasil. Segundo a pesquisa, 75% dos entrevistados associam a biblioteca a um lugar para estudar ou pesquisar (naturalmente, por obrigação), não como um espaço de lazer, para ler por prazer, trocar livros ou fazer amigos. Em 2015, apenas 53% das escolas brasileiras tinham biblioteca ou sala de leitura.

Quanto ao Real Gabinete Português de Leitura, um monumento carioca, sua beleza faz dele um cenário requisitado pelos comerciais de TV. Até para veicular mensagens que o degradam e ofendem.

Canção elegíaca – Joaquim Cardoso

Quando os teus olhos fecharem
Para o esplendor deste mundo,
Num chão de cinza e fadigas
Hei de ficar de joelhos;
Quando os teus olhos fecharem
Hão de murchar as espigas,
Hão de cegar os espelhos.

Quando os teus olhos fecharem
E as tuas mãos repousarem
No peito frio e deserto,
Hão de morrer as cantigas;
Irá ficar desde e sempre,
Entre ilusões inimigas,
Meu coração descoberto.

Ondas do mar - traiçoeiras ¬
A mim virão, de tão mansas,
Lamber os dedos da mão;
Serenas e comovidas
As águas regressarão
Ao seio das cordilheiras;
Quando os teus olhos fecharem
Hão de sofrer ternamente
Todas as coisas vencidas,
Profundas e prisioneiras;
Hão de cansar as distâncias,
Hão de fugir as bandeiras.

Sopro da vida sem margens,
Fase de impulsos extremos,
O teu hálito irá indo,
Longe e além reproduzindo,
Como um vento que passasse
Em paisagens que não vemos;
Nas paisagens dos pintores
Comovendo os girassóis
Perturbando os crisantemos.

O teu ventre será terra
Erma, dormente e tranqüila
De savana e de paul;
A tua nudez será fonte,
Cingida de aurora verde,
A cantar saudade pura
De abril, de sonho, de azul
Fechados no anoitecer.

------------
(Signo Estrelado, 1960)

Edu Lobo - Canto triste