Por Rodrigo Carro – Valor Econômico
RIO - Dezesseis anos depois da entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mais da metade dos 5.570 municípios brasileiros ainda enfrenta dificuldades para prestar contas ao Tesouro Nacional dentro do prazo fixado. Até 30 de abril deste ano, prazo estipulado pela lei, apenas 2.740 municípios (49% do universo total) haviam entregue a Declaração de Contas Anuais (DCA) referente ao ano passado, segundo dados do Tesouro.
O atraso frequente nas contas - até sexta-feira quase 200 prefeituras não haviam entregue a DCA de 2014 - faz com que especialistas em contas públicas defendam mudanças no envio dos balanços anuais e na própria LRF. "Não podemos nos conformar com essa situação: todo ano, de 500 a 600 municípios deixam de entregar as contas", afirma Gil Castello Branco, fundador da organização não governamental Contas Abertas.
Estados e municípios que descumprem os prazos para apresentação das contas ficam impedidos de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito. De acordo com o Tesouro, até 30 de junho - data da publicação da Consolidação das Contas Públicas - o número de municípios que haviam encaminhado as DCAs havia atingido 4.500 (80% do total). Desde então, esse percentual evoluiu para 86%.
Por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, a Secretaria do Tesouro Nacional informou que o envio das contas anuais é verificado no momento da análise dos pleitos de operações de crédito. "Caso não haja conformidade com a legislação, os pleitos são negados", ressaltou a assessoria, por e-mail. Com relação às transferências voluntárias, o Tesouro esclareceu que a integração de sistemas permite a "verificação dos requisitos constantes do Artigo 51 da LRF, como o envio da DCA, para a concessão dos recursos do convênio nas transferências voluntárias."
Apesar de a lei determinar a suspensão de transferências para prefeituras que não prestarem contas, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, conta que em muitos casos "não há nem penalização". Ele atribui os atrasos a dificuldades de infraestrutura e de treinamento. "No Brasil, temos 500 municípios em que a prefeitura não dispõe nem de telefone", afirma.
A troca do sistema utilizado pelos municípios para enviar a DCA e outros documentos fiscais é também alvo de críticas por parte de Ziulkoski. Desde 2014, a entrega da declaração pode ser feita pelo Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), em substituição ao Sistema de Coleta de Dados Contábeis dos Entes da Federação (Sistn), utilizado anteriormente.
"Não fomos consultados sobre a troca nem houve uma mobilização das prefeituras", queixa-se o presidente da CNM. "Pensam que, do outro lado [, nas prefeituras] há um técnico bem preparado, especializado em orçamento público."
Dados levantados pela entidade indicam que, apesar das dificuldades, em alguns Estados a prestação de contas está muito acima da média nacional. Em Pernambuco, por exemplo, o envio das DCAs já foi feito por 98,4% das prefeituras. Na Paraíba, somente seis delas - de um total de 223 municípios - ainda não encaminharam o documento.
Um dos autores da LRF, o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV), sustenta que há formas mais eficientes de compartilhar dados financeiros das prefeituras. "Defendo que haja um acordo operacional entre a Fazenda e todos os tribunais de contas, de forma a ser feita uma única coleta e a ser organizada e socializada uma única base de dados", diz Afonso.
O pesquisador lembra que há mais de dez anos o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) concedeu um financiamento elevado para modernizar os tribunais de contas brasileiros, justamente com o objetivo de permitir o intercâmbio de dados. A troca de informações entre os tribunais de contas e o Tesouro também é defendida por Ziulkoski, da CNM.
Para além da questão da prestação de contas, Castello Branco, da Contas Abertas, vê necessidade de uma reformulação da LRF. "Com a recessão, houve uma deterioração muito rápida nas contas dos Estados e municípios e os relatórios [previstos na LRF] não indicavam isso", sustenta. "É preciso reavaliar a LRF pelo lado dessas brechas que fizeram com que essa situação de penúria não fosse detectada."
"É óbvio que tem algumas coisas que não funcionaram", admitiu Afonso durante um debate sobre o tema realizado na semana passada, na Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro. "Senão, não estaríamos nessa situação."
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