segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Os alertas soam de todos os lados sobre os perigos de um cenário em que a economia se torne meio de projeção de poder dos Estados-nação, sob o registro do protecionismo e da autarquização dos mercados nacionais numa versão desastrada do populismo latino-americano. Contra isso já se contam instituições como a ONU e a própria União Europeia, que se espera atualize seu repertório às novas circunstâncias reinantes, além da consciência de que se torna cada vez mais necessário estimular a emergência de uma sociedade civil internacional. Utopias realistas nesse novo e ameaçador cenário se fazem cada vez mais ao alcance das mãos, a partir de processos já em curso, como os da legislação ambiental e os da mundialização do Direito, que abrem portas para uma sociedade cosmopolita, tão bem estudados pela pesquisadora francesa Meireille Delmas-Marty.

Se esses objetivos, antes da recente sucessão presidencial nos EUA, não contavam com soluções fáceis, eles parecem tornar-se ainda mais espinhosos depois dela. Com tirocínio político, que não nos faltou em outros momentos agudos da nossa História, podemos chegar a um bom porto. Em meio aos muitos perigos que nos rondam, inútil ficar com o olhar perdido em 2018. A hora da grande política é agora.

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Luiz Werneck Vianna é sociólogo e professor-pesquisador da PUC-Rio. ‘Em meio à tempestade’, O Estado de S. Paulo, 4/12/2016

Pela Lava-Jato e contra Renan

• Manifestações em 82 cidades defendem aprovação de medidas contra corrupção

Para Planalto, poderes devem estar atentos às ações da população

Milhares de pessoas foram às ruas em todos os estados e no DF contra mudanças no pacote anticorrupção e os ataques à Lava-Jato pelo Congresso. Manifestantes elegeram como alvo o presidente do Senado, Renan Calheiros, autor do projeto que pune o abuso de autoridade de juízes e promotores. Presidente da Câmara, Rodrigo Maia não foi poupado.

Um não à corrupção

• Atos em todos os estados defendem Moro e Lava-Jato; Renan e Rodrigo Maia são principais alvos

- O Globo

Apenas quatro dias após o Congresso desfigurar o pacote de dez medidas contra a corrupção e incluir nele a criminalização de juízes e integrantes do Ministério Público por abuso de autoridade, milhares de brasileiros foram ontem às ruas em todos os estados do país e no Distrito Federal para defender a Operação Lava-Jato e apoiar o juiz Sérgio Moro. Os principais alvos do protesto país afora foram os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), responsáveis pela condução das votações nas duas Casas legislativas. O presidente Michel Temer foi poupado, o que deixou o Palácio do Planalto aliviado. Pelas contas da polícia, 75 mil pessoas participaram dos atos — os organizadores estimam em 487 mil — em 82 cidades de todos os estados, o que faz dessa a maior manifestação de rua desde que a ex-presidente Dilma Rousseff deixou o poder temporariamente, em maio.

Temer levou a Renan apelo de Cármen Lúcia

• ‘Temos de salvar o país evitando essas crises’, disse ministra; presidente respondeu: ‘Concordo inteiramente’

Jorge Bastos Moreno - O Globo

A presidente do STF, Cármen Lúcia, pediu a Temer que intercedesse junto a Renan contra o projeto de abuso de autoridade de juízes, mas o senador recusou, conta O presidente Michel Temer recebeu no domingo passado um “apelo institucional” da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, para que transmitisse ao Poder Legislativo a solicitação de que não discutisse, nem votasse, o projeto que torna crime o abuso de autoridade de juízes e membros do Ministério Público, porque isso poderia gerar uma grave crise entre os Poderes, com consequências imprevisíveis. Temer procurou no mesmo dia o presidente do Senado, Renan Calheiros, que, no entanto, manteve-se irredutível.

Milhares vão às ruas pela Lava Jato e contra Renan

*Houve atos em 25 Estados e no Distrito Federal  * O presidente Temer foi poupado  *Manifestantes apontaram ‘sabotagem’ do presidente do Senado às investigações e ovacionaram o juiz Sérgio Moro

Milhares de manifestantes foram às ruas do País ontem em apoio à Operação Lava Jato, em defesa do pacote das 10 Medidas Contra a Corrupção e contra o Congresso. Apesar do receio do Planalto quanto a uma onda de atos contra o governo, o presidente Michel Temer foi poupado e os protestos se concentraram em críticas aos parlamentares, com foco dirigido ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Os atos – os primeiros da era Temer – ocorreram em 25 Estados e no Distrito Federal, e atraíram menos manifestantes do que os pelo impeachment de Dilma Rousseff. Aos gritos de “Fora, Renan”, os manifestantes apontavam o presidente do Senado como autor de uma tentativa de sabotagem à Lava Jato – na quarta-feira, ele quis aprovar um requerimento de urgência para votar em plenário o desfigurado pacote anticorrupção aprovado na madrugada pela Câmara. No mesmo dia, Renan virou réu no Supremo Tribunal Federal. Os atos também se voltaram contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O juiz Sérgio Moro, por sua vez, foi ovacionado

• Manifestações em 245 cidades de 25 Estados e no DF defendem pacote anticorrupção e têm foco no presidente do Senado, visto como autor de tentativa para sabotar força-tarefa

Protestos pró-Lava Jato pedem ‘Fora, Renan’

Milhares de manifestantes foram às ruas do País ontem em apoio à Operação Lava Jato, em defesa do pacote das 10 Medidas Contra a Corrupção e contra o Congresso Nacional. Apesar do temor do Palácio do Planalto quanto a uma onda de atos contra o governo, o presidente Michel Temer foi poupado e os protestos se concentraram em críticas aos parlamentares, com foco no presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Atos contra corrupção se espalham pelo Brasil

• Protestos nas capitais levantam bandeiras pela moralização da política e saída de Renan

- O Estado de S. Paulo

Os protestos contra a corrupção mobilizaram milhares de manifestantes ontem em 25 Estados do País e no Distrito Federal. Um dos principais alvos dos atos foi o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Em Belo Horizonte, os manifestantes se concentraram na Praça da Liberdade, na região centro-sul da cidade. A Polícia Militar não divulgou o total de público. Ao mesmo tempo em que protestavam contra as mudanças no projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, com pedido de renúncias de Renan e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os organizadores criticaram o governador Fernando Pimentel (PT), investigado por corrupção pela Operação Acrônimo.

Planalto e base avaliam desacelerar projeto

• Matéria sobre abuso de autoridade poderá sair da pauta de votação do Senado amanhã em razão da pressão pública

- O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Após manifestações País afora, que tiveram como foco a atuação dos parlamentares para inibir investigações da Operação Lava Jato e ações de juízes e promotores, o Palácio do Planalto e líderes partidários do Senado avaliam que o projeto de lei de abuso de autoridade deverá ser desacelerado. A matéria poderá sair da pauta de votação do plenário do Senado amanhã.

Esse calendário de apreciação do projeto havia sido anunciado há três semanas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), principal alvo dos protestos de ontem. Segundo líderes da base e interlocutores do Planalto, a tendência é que a pressão pública retire a proposta de lei de abuso de autoridade da lista de prioridades de votação.

Planalto diz que 'poderes devem estar atentos às reivindicações'

• Durante todo o dia, manifestantes foram às ruas em apoio à Operação Lava Jato e contra as modificações no pacote de medidas contra a corrupção

- O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto divulgou nota no fim da tarde deste domingo no qual defende que os "Poderes da República estejam sempre atentos às reivindicações da população brasileira". Durante todo o dia, manifestantes foram às ruas em apoio à Operação Lava Jato e contra as modificações feitas no pacote de medidas contra a corrupção pela Câmara dos Deputados.

As alterações no pacote anticorrupção, proposto inicialmente pelo Ministério Público, foram aprovadas na madrugada da última quarta-feira pelos deputados. Há medidas vistas por investigadores e juízes como uma "retaliação" dos parlamentares, alvo da Lava Jato, como a previsão de crime de abuso de autoridade para magistrados e promotores. No mesmo dia, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tentou colocar o projeto para votação no Senado. Os manifestantes também entoam vozes de ordem contra o peemedebista no protesto de hoje.

Atos apoiam Lava Jato e criticam o Congresso

Thaís Bilenky, Joana Cunha – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Milhares de pessoas se reúnem para protestar contra a corrupção na avenida Paulista neste domingo (4). A maioria está vestida de verde ou amarelo, e muitos levam cartazes e gritam pedindo "Fora Renan", em referência ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB).

Segundo o MBL (Movimento Brasil Livre), um dos grupos que convocaram o ato, estiveram presentes 200 mil pessoas. A Polícia Militar falou em 15 mil pessoas. O ato, que começou a reunir manifestantes por volta das 14h30, foi encerrado pouco depois das 19h, quando a Paulista foi reaberta ao trânsito de carros.

Em discurso no carro do MBL, um dos líderes do grupo, Fernando Holiday afirmou que o protesto é independente de partidos.

"Pode ser PSDB, PMDB, PT, o povo se cansou", disse Holiday, que se elegeu vereador em São Paulo pelo DEM, em outubro, e toma posse no mês que vem.

"Eles pensaram que a gente ia voltar para casa. Mas vamos voltar às ruas até eles tomarem vergonha na cara". O MBL mantém interlocução com Temer desde a posse, em maio.

Alvos de protestos, Calheiros e Maia afirmam que manifestação é legítima

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Principais alvos dos protestos neste domingo (4) em todo o Brasil, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmaram que as manifestações são legítimas e que o Congresso está aberto a debates.

Em notas divulgadas nesta tarde, nenhum dos dois menciona, no entanto, os motivos que levaram as pessoas a irem às ruas, como a alteração do projeto das 10 Medidas de Combate à Corrupção, o projeto sobre abuso de autoridade que está na pauta do Senado e a operação Lava Jato.

"O presidente do Senado, Renan Calheiros, entende que as manifestações são legítimas e, dentro da ordem, devem ser respeitadas", diz a nota enviada por sua assessoria.

"Assim como fez em 2013, quando votou as 40 propostas contra a corrupção em menos de 20 dias, entre elas a que agrava o crime de corrupção e o caracteriza como hediondo, o Senado continua permeável e sensível às demandas sociais".

Protestos miram Renan e defendem Moro

Por Arícia Martins, Cristiane Bonfanti e Carolina Oms – Valor Econômico

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Protestos realizados ontem em todo o país criticaram o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e defenderam o juiz Sergio Moro e a Operação Lava-Jato. Foram registradas manifestações em todos os Estados e no Distrito Federal. Segundo estimativas da polícia, cerca de 75 mil pessoas participaram dos atos em todo o país. De acordo com os organizadores, esse número é superior a 480 mil.

Em São Paulo, epicentro do movimento que pediu o afastamento de Dilma Rousseff, 15 mil pessoas, segundo a Polícia Militar (200 mil para os organizadores), protestaram contra o "jeito corrupto de fazer política", debaixo de sol forte e calor de 29 graus. Organizado por movimentos adeptos do impeachment - como o Vem pra Rua e o Movimento Brasil Livre - o ato não chegou a uma pauta unificada, mas repudiava a interferência na Operação Lava-Jato, as mudanças feitas pela Câmara no pacote anticorrupção e o foro privilegiado, além de benefícios como supersalários. O MBL pedia, ainda, a saída de Renan Calheiros, que virou réu no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em nota protocolar, Renan não diz se manterá votação de projeto

• Relator, Requião chama manifestantes de ‘mentecaptos manipuláveis’

Eduardo Barretto e Leticia Fernandes - O Globo

-BRASÍLIA- Grande alvo dos protestos de ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não informou se manterá a votação do projeto sobre abuso de autoridade, marcada para amanhã, mas afirmou, em nota, que o Senado está “sensível” às demandas sociais. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), outro criticado nas manifestações, afirmou, também em nota, que os protestos “fortalecem o debate transparente de ideias” no Congresso Nacional.

Responsável pelo relatório com a versão final do projeto sobre abuso de autoridade, que será apresentado amanhã, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) atacou duramente as manifestações no Twitter.

Aliviado, Planalto manda recado ao Legislativo

• Avaliação é que críticas estão direcionadas para Câmara e Senado

Eduardo Barretto - O Globo

-BRASÍLIA- No Palácio do Planalto, houve um grande alívio com a ausência quase total de manifestações contrárias ao presidente Michel Temer. Como o “Fora, Renan” predominou, a avaliação é que a crise se mantém no Congresso. Em uma nota curta, o governo deu um recado indireto ao Legislativo, cobrando os outros Poderes da República a estarem “sempre atentos” às ruas.

Os protestos em todo o país foram longamente elogiados pelo Planalto: “A força e a vitalidade de nossa democracia foram demonstradas mais uma vez, neste domingo, nas manifestações ocorridas em diversas cidades do país. Milhares de cidadãos expressaram suas ideias de forma pacífica e ordeira. Esse comportamento exemplar demonstra o respeito cívico que fortalece ainda mais nossas instituições. É preciso que os Poderes da República estejam sempre atentos às reivindicações da população brasileira”, diz o texto, assinado pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República.

Temer blinda Meirelles e equipe econômica

Por Andrea Jubé, Raymundo Costa e Rosângela Bittar – Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente Michel Temer decidiu efetivar o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, num processo de blindagem da equipe econômica contra movimentos que possam provocar instabilidade, como ocorrido na semana passada. O próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem sentido a pressão e conversou com Temer sobre o assunto. Temer reforçará a posição de Meirelles em todos os momentos em que isso for oportuno.

Temer reitera diariamente seu apreço por Meirelles e em nenhum momento deu qualquer sinal de que poderia fazer outra opção na condução da economia. O PSDB, em uma nova aproximação com o governo, chegou a alimentar a veleidade de comandar a economia, mas o presidente não estimulou o partido que, no máximo, poderá ocupar a Secretaria de Governo, vaga com a saída de Geddel Vieira Lima. O nome, atualmente, mais cotado para a pasta, é o do senador José Aníbal, suplente do senador José Serra, ministro das Relações Exteriores. Aníbal tem bom trânsito no Congresso e é próximo ao presidente Michel Temer.

O presidente pensou, a determinada altura, quando assumiu seu mandato efetivo, trocar Dyogo, considerado um técnico em cargo político de grande complexidade, onde se tratam os temas como a administração pública, funcionalismo, contas do governo. Porém, agora, o momento exige outra postura.

A aproximação do PSDB com o governo, com a consequente proposta de que fossem ouvidas as sugestões do ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, no sentido de estancar a recessão, e sugestões para que o presidente convidasse alguém do partido para o ministério do Planejamento no lugar de Dyogo, indicando-se então o nome do senador Tasso Jereissati, acenderam as luzes de alerta para Meirelles e para Temer.

Pressão para tirar Meirelles leva Temer a lançar minipacote

• Aliados cobram resultados contra recessão, mas presidente reitera confiança no ministro da Fazenda

Em meio à pressão de aliados para fazer ajustes na economia e trocar seu ministro da Fazenda, o presidente Michel Temer disse a Jorge Bastos Moreno que se recusa a tirar Henrique Meirelles, mas que prepara medidas emergenciais contra a recessão, sem dar detalhes. Temer reconheceu ser preciso “impulsionar a economia com dez medidas”, que serão tomadas por Meirelles, a quem manifestou confiança. Os que mais defendem a saída do ministro são os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros, além de outros líderes do PMDB e os tucanos Aécio Neves e Tasso Jereissati. Mas a impaciência com a escassez de sinais de recuperação da economia preocupa também agentes econômicos que apoiaram o impeachment e agora cobram resultados.

Presidente lançará pacote contra crise

• Diante de pressões por saída de Meirelles, Temer anunciará dez medidas para estimular economia

Jorge Bastos Moreno - O Globo

Os principais conselheiros e aliados políticos do presidente Michel Temer, alegando necessidade de medidas urgentes para combater a recessão, passaram a defender ajustes na economia e a substituição do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mas, em entrevista exclusiva, ontem, ao GLOBO, o presidente da República reagiu: aceita a primeira proposta e até anunciou um pacote de dez medidas “microeconômicas”, a ser divulgado nos próximos dias, mas se recusa veementemente a trocar o ministro.

Premiê da Itália perde referendo e renuncia ao cargo

- Valor Econômico

Os italianos rejeitaram ontem por uma larga margem as reformas constitucionais propostas pelo premiê Matteo Renzi, levando ao fim de seu governo, iniciado em 2014. Por volta da meia-noite de ontem (21h de Brasília), Renzi admitiu a derrota nas urnas e anunciou que entregará sua renúncia ao presidente Sergio Mattarella na tarde de hoje, o que deve causar instabilidade nos mercados financeiros.

Ontem, logo após a divulgação das pesquisas de boca de urna que apontaram uma vitória do "não" por 54% a 58%, contra 42% a 46% do "sim", o euro caiu rapidamente frente ao dólar, para US$ 1,0550, de US$ 1,0625 antes da notícia. Em seguida, as projeções com base na apuração dos votos apontaram um apoio ainda maior ao "não", de 59%. Após o pronunciamento de Renzi, o euro acentuou a queda para US$ 1,0505 - menor cotação em vinte meses.

"A experiência do meu governo termina aqui", disse Renzi, em discurso transmitido pela tevê, após os primeiros resultados sugerirem a derrota do "sim" por até 20 pontos percentuais. Ele acrescentou que assumia total responsabilidade pela derrota "extraordinariamente clara".

Referendo derruba Renzi

• Premier cumpre promessa e renuncia após eleitores rejeitarem reforma constitucional

- O Globo

-ROMA- Em um duro golpe que culminou na renúncia do primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, os eleitores rejeitaram ontem em referendo o que seria a maior reforma política na História republicana do país, após meses de uma campanha que dividiu a população e deixou a Europa em alerta. Líder da legenda de centro esquerda Partido Democrático (PD), o premier cumpriu sua promessa e anunciou que vai apresentar sua demissão hoje ao presidente italiano, Sergio Mattarella. As primeiras projeções divulgadas na noite de ontem indicavam uma vitória do “Não” com ampla margem, o que pode reforçar o chamado da oposição para eleições antecipadas no próximo ano e afetar a estabilidade da terceira maior economia da zona do euro.

Segundo pesquisas de boca de urna, entre 54% e 59% dos italianos votaram “não”, enquanto de 41% a 46% optaram pelo “sim”. A consulta teve alta participação, com um comparecimento de cerca de 60% dos eleitores às urnas. Logo após a divulgação das primeiras projeções, Renzi fez um pronunciamento no qual disse assumir todas as responsabilidades pela derrota.

— O “não” venceu de forma clara. Eu perdi, não vocês — disse. — Eu acredito em democracia. Quando se perde, não dá para fingir que nada aconteceu. Minha experiência como chefe de governo termina aqui.

Antes do pronunciamento, partidos da oposição já reforçavam o coro pela renúncia imediata do premier e por novas eleições:

— Renzi vai sair e com ele os lobbies poderosos que também foram derrotados — afirmou Renato Brunetta, líder parlamentar do partido de centro-direita Força Itália, do ex-primeiroministro Silvio Berlusconi.

Vitória dos Verdes na Áustria freia ascensão populista na Europa

• Resultado da eleição presidencial pode ajudar campanha de Merkel na Alemanha

Graça Magalhães Ruether - O Globo

-BERLIM- A vitória do político verde Alexander van der Bellen nas eleições presidenciais austríacas, realizadas ontem, freou temporariamente as ambições do populismo anti-establishment na Europa. Depois de uma mobilização nacional, Bellen derrotou Norbert Hofer, do Partido da Liberdade, de extrema-direita, contrário à União Europeia e que defendia a construção de muros nas fronteiras para evitar a entrada de refugiados no país.

— Eu lutei desde o início por uma Áustria pró-Europa e por valores como liberdade, fraternidade e tolerância — afirmou o presidente eleito, de 72 anos, que nasceu no Tirol em uma família de refugiados do Leste Europeu.

Bellen assumirá a presidência da Áustria, um cargo mais cerimonial, no fim de janeiro com a missão de superar a divisão interna causada pela longa campanha eleitoral, a mais agressiva no país desde o final da Segunda Guerra Mundial. Hofer, aceitou a derrota e afirmou em seu perfil no Facebook que está “infinitamente triste” com o resultado. Ao mesmo tempo, seus adeptos usavam as redes sociais para especular sobre o perigo de “transformação da Áustria em um Estado muçulmano”.

Diálogo necessário- Aécio Neves

- Folha de S. Paulo

Os últimos dias foram pródigos em demonstrar os contornos de um novo Brasil.

Poucas vezes houve um debate tão agudo acerca de proposições, demandas, argumentos e contraditórios em torno de causas nacionais.

É uma mudança e tanto, em tempo tão curto.

São avanços que precisam ser saudados todos os dias, considerado o país que historicamente sempre foi leniente com problemas crônicos e graves como corrupção e impunidade.

Perdeu, Renan! - Ricardo Noblat

- O Globo

 “A Lava-Jato é sagrada” Renan Calheiros, presidente do Senado, que tudo tem feito para abortá-la ou enfraquecê-la

Graças ao ministro José Dias Toffoli, o Senado continuará a ser presidido por Renan Calheiros (PMDB-AL), convertido em réu na semana passada por desvio de dinheiro público. E o Brasil viverá até fevereiro próximo a esdrúxula situação, sem par em países civilizados, de ter um dos seus poderes sob o controle de um sujeito alvo de gigantescas manifestações de rua contra a corrupção. Que lhe parece?

A RENAN, nada demais. Ele se diz convencido de sua inocência. E garante que a Justiça, em breve, se convencerá também. Só não chega ao ponto de repetir, como Lula, que não há no mundo ninguém mais honesto do que ele. Sempre haverá o Papa Francisco. De sua parte, Toffoli dorme o sono profundo dos justos. Quando nada, calcula ter salvado o país de uma crise ao salvar Renan.

Saindo de casa, de novo – Valdo Cruz

- Folha de S. Paulo

Desta vez, o governo Temer escapou. Sensação de alívio no Palácio do Planalto. O mesmo não dá para dizer sobre o Congresso, principalmente Renan Calheiros. O presidente do Senado foi o alvo predileto dos protestos deste domingo.

O recado das ruas foi claro. Elas estão atentas aos movimentos de Brasília, inclusive os feitos na surdina, na calada da noite. Como os que desfiguraram o pacote anticorrupção, uma iniciativa popular adulterada pelos deputados. E que Renan tentou aprovar a toque de caixa.

A dúvida é se os protestos de ontem serão suficientes para acordar o Legislativo, que deu demonstrações claras de estar totalmente fora de sintonia com as ruas.

Política é a única saída - José Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

• Como os políticos sabem mas muitos preferem esquecer ou nunca souberam, não há saída menos ruim fora da política

Em mais uma demonstração de força da antipolítica, os protestos deste domingo foram cirurgicamente dirigidos contra o Congresso - personalizado no presidente do Senado, Renan Calheiros -, preservando a cara de Michel Temer. Só a cara. Cortar-lhe os braços (os direitos e os nem tanto) não é poupá-lo. É tentar manietá-lo. Por essa - digamos - intervenção, Temer persistiria mais algum tempo contemplando o pudim, mas sem poder tocá-lo.

Os braços postiços seriam os iluminados de sempre: os que têm o domínio do conhecimento, a experiência e o aplomb necessários. É uma versão remixada da velha fé na tecnocracia. Ironicamente, o motivo por trás da tentativa de amputação do poder de Temer e do PMDB é que os tecnocratas deles - Henrique Meirelles na Fazenda, e Ilan Goldfajn no Banco Central - não estariam "performando".

O futuro dos partidos - Marcos Nobre

-Valor Econômico

• Ou se aprofunda a democracia ou vence a barbárie

A cúpula do Partido Republicano fez de tudo e mais um pouco para evitar que Donald Trump se tornasse o candidato à presidência. Viu o partido ser invadido e tomado por um outsider, sem conseguir impor um nome menos hostil. A máquina partidária perdeu o controle do processo. Mas venceu as eleições presidenciais.

A máquina do Partido Democrata não queria que Bernie Sanders vencesse Hillary Clinton na disputa pela indicação. Como no caso do Partido Republicano, também cerca de 30 milhões de pessoas participaram das primárias democratas. Em uma disputa acirrada, a cúpula usou a carta na manga dos chamados superdelegados para fazer prevalecer sua posição. A máquina se impôs. Mas o partido perdeu as eleições presidenciais.

Os EUA realizam primárias para a escolha de suas candidaturas presidenciais há muito tempo. A novidade são os movimentos de massa em favor de candidaturas inteiramente avessas às pretensões das cúpulas partidárias. Esse movimento não se restringe aos EUA, mas é uma tendência que vem se consolidando nos últimos anos em diferentes partes do mundo. Milhões de pessoas que veem nas disputas internas aos partidos políticos apenas um jogo de cartas marcadas decidiram atropelar os conchavos de sempre para defender posições que desafiam o poder das cúpulas.

As medidas contra a corrupção e a defesa da ética - Marcus Pestana

- O Tempo (MG)

A corrupção no Brasil atingiu escala industrial. Generalizou-se, foi drenada para toda a máquina pública e institucionalizada para financiar um projeto de poder e o enriquecimento ilícito de uns poucos. Volto a dizer, para não aguçar o que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata”, que a corrupção existe desde a Grécia Antiga e não é fato monopolizado pelo Brasil. O que muda, de país para país, é o grau de impunidade.

Com o agigantamento do papel do Estado e de sua burocracia, multiplicaram-se os balcões pelo qual transitam interesses, processos, deliberações que impactam a distribuição de riquezas, propiciando focos potenciais de corrupção. Decisões que beneficiam alguns e que podem gerar vantagens ilícitas para agentes políticos e servidores públicos. A corrupção nasce da falta de solidez de caráter de seus atores. Os remédios eficazes são o fortalecimento das instituições, a construção de um marco legal e normativo eficaz e a adoção de transparência nas decisões.

Um país diferente Vinicius Mota

- Folha de S. Paulo

Entraram duas variáveis novas na equação política brasileira: a economia ainda vai arrastar-se por um bom tempo no fundo do vale da depressão; o Congresso passou a ser o alvo dileto e explícito do descontentamento popular.

A excepcionalidade do período que o país atravessa torna-se mais difícil de aquilatar quando a visão dos atores, como a nossa agora, está ofuscada pela tempestade.

O desempenho esperado da atividade econômica no quadriênio 2014-17, um recuo anual médio do PIB de 1,6%, não é compatível com o padrão dos 29 anos anteriores sob a Nova República.

Reação realista – Editorial / O Globo

• A saída da crise passa por ajuste fiscal, com reforma previdenciária, e não medidas meramente no âmbito policial

Fruto de equívocos continuados na condução da política econômica no inquilinato lulopetista no Planalto, a partir do segundo mandato de Lula, e da crônica inoperância do poder público diante da necessidade de o Estado adotar medidas estruturais de contenção da sangria do Tesouro, em especial no que tange à manutenção suicida de uma política previdenciária insustentável — que se agravou no primeiro mandato de Dilma e no pouco tempo em que ela se sustentou no seu segundo mandato na Presidência —, a debacle fiscal do Brasil, a maior da História do país, é um aluvião que arrasta para o centro da crise boa parte dos estados.

A riqueza da democracia – Editorial/O Estado de S. Paulo

Diante das várias alterações feitas pela Câmara dos Deputados no Projeto de Lei (PL) 4.850/2016 – que reúne o pacote de medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) –, houve quem reclamasse da suposta ousadia dos parlamentares em mexer num texto que, tendo recebido o apoio de 2 milhões de assinaturas, foi apresentado ao Congresso como um projeto de lei de iniciativa popular.

Sem admitir expressamente, as críticas à atuação da Câmara dão a entender que um projeto de lei de iniciativa popular deveria ser automaticamente aprovado pelo Congresso, como se não recaísse sobre os parlamentares o dever inarredável de estudar o conteúdo e as consequências de cada proposta. Alterar um projeto de lei apoiado por 2 milhões de assinaturas seria – parecem dizer esses críticos – um desrespeito à democracia. Tal crítica, porém, não procede. Vige no País uma democracia representativa e a instituição habilitada a discutir as leis é o Congresso, eleito pelo voto direto. Longe de ser mera formalidade, a democracia representativa é o sistema menos imperfeito para fazer ouvir a voz de todos os cidadãos. Basta pensar que, nas eleições de 2016, foram mais de 140 milhões de eleitores cadastrados no Tribunal Superior Eleitoral.

Copom sofre pressões para acelerar distensão monetária – Editorial /Valor Econômico

Crescem as críticas de setores do governo, de economistas, de representantes da economia real e até de participantes do mercado financeiro à estratégia gradual de distensão monetária do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que na semana passada reduziu a taxa básica de juros em apenas 0,25 ponto percentual, de 14% ao ano para 13,75% ao ano.

É natural o debate entre especialistas sobre o ritmo adequado de queda da taxa básica de juros, desde que o foco seja o quanto o BC pode aliviar as condições monetárias da economia, tendo em vista as perspectivas e riscos de cumprimento da meta de inflação. Sob esse ângulo, há argumentos aceitáveis para sustentar a tese de que houve excesso de zelo do Copom, que poderia ter feito já um corte de 0,5 ponto percentual na Selic.

O poeta do espanto

Mariana Filgueiras - O Globo

“O Brasil perdeu o intelectual mais lúcido e o maior poeta de sua geração, que soube como poucos conciliar ética, estética e política. E esta última levou-o à prisão e ao exílio.
Zuenir Ventura Jornalista e escritor

“Acredito que seja o grande poeta do nosso tempo. Ele foi o criador da mais radical explosão da linguagem e participou de todos os momentos da poesia brasileira nos últimos 50 anos.”
Geraldo Carneiro Poeta

“Compor com Gullar era uma aula. Muitas pessoas precisam de um dicionário para fazer letras, ele era a própria enciclopédia.” 
Fagner Cantor, compositor e parceiro do poeta

“O seu legado é a obra, que, às vezes, faz a gente até esquecer a biografia. Mas este não é o caso. Ele teve uma vida bonita, difícil e de grande dignidade.”
Nélida Piñon Escritora e imortal da ABL

“É raro que, desde a primeira experiência em livro, um poeta seja referência para os pares da mesma idade. Notável, no caso de ‘A luta corporal’, e imbatível, até os nossos dias.”
Silviano Santiago Escritor e crítico literário

“Se hoje, o arcanjo, uma ameaça detrás das estrelas, desse um passo apenas em direção a nós, nosso coração, sobressaltado, explodiria”.

Foi esse verso, exatamente esse, dentro do livro “Elegias de duíno”, do poeta tcheco Rainer Maria Rilke, o primeiro a assombrar o maranhense José Ribamar Ferreira Gullar. Ele tinha 19 anos e ganhou o livro de presente de um amigo, que enviara o exemplar do Rio de Janeiro a São Luís com a recomendação de leitura urgente.

— É um verso assombroso. Assim que eu comecei a ler, pensei: então a poesia é isso! A poesia não era o que eu, antes de ler Rilke, pensava que ela fosse — contou Ferreira Gullar ao GLOBO, em 2010, desprezando o seu primeiro livro, “Um pouco acima do chão”.

O arcanjo certamente foi correndo de encontro ao coração explodido do jovem escritor: além de descobrir a poesia, Ferreira Gullar tomou-a para si, tornando-se um dos maiores poetas brasileiros em toda a história literária nacional.

Rilke abriu caminho para leituras de T.S. Elliot, Paul Válery (principalmente “O cemitério marinho”), Rimbaud, Drummond e outros que o influenciariam. E para a certeza de que a poesia estava “na coisa sórdida, no pus, nos insetos, no desprezível” e “no espanto”, como gostava de listar. E na própria linguagem. Em 1954, aos 24 anos, já vivendo no Rio de Janeiro, casado com a atriz Thereza Aragão, Gullar trava em seu próprio caminho “A luta corporal”, livro que cai como uma bomba na cena literária brasileira com seus versos vanguardistas (o poeta Armando Freitas Filho lembra de tê-lo copiado inteiro, à mão, para melhor entendê-lo; o escritor Silviano Santiago conta que até hoje sabe seus versos de cor).

Era a luta com a própria linguagem, diria Gullar repetidamente anos depois, ao explicar a obra que de certa forma anunciava o movimento neoconcreto.

— Concluí que a poesia não podia ser apenas versos bem feitos. Comecei, então, a pensar que a linguagem era velha. Que eu mesmo, com vinte e poucos anos, era velho. Eu tive uma formação parnasiana rigorosa. Eu precisava mudar também. Se a linguagem é velha, ela envelhece o poema. Então, resolvi chegar a uma linguagem tão nova quanto o poema que ia escrever — detalhou Gullar ao crítico José Castello.

A luta começava em versos lineares, como os do poema “O mar intacto”: “O girassol/ vê com assombro/ que só a sua precariedade floresce. Mas esse/ assombro é que é ele, em verdade. / Saber-se/ fonte única de si/ alucina”. E terminava enfurecida, como nos últimos versos do poema “Roçzeiral”, já totalmente visual.

Com os amigos Lygia Clark, Helio Oiticica e Amílcar de Castro, começou a elaborar poemas de profunda sintaxe visual. Dois textos publicados por Gullar no “Jornal do Brasil”, no entanto, estabelecem as diferenças entre o que ele próprio fazia no Rio e o que faziam os poetas concretos de São Paulo, como Haroldo e Augusto de Campos: “Manifesto neoconcreto” e “Teoria do não-objeto”. Nos textos, defende a experimentação nas artes e a importância da intuição na criação, em contraposição ao racionalismo do movimento paulistano.

Veio o nascimento de Brasília e um maior envolvimento do poeta com o Brasil e os movimentos sociais. Gullar presidiu o CPC da UNE, escreveu cordel, poesia política. Filiou-se ao Partido Comunista no dia do golpe militar de 1964 e foi um dos fundadores do Grupo Opinião, para o qual colaborou com textos de teatro. Em 1968, Gullar foi preso, ficando na mesma cela que Gilberto Gil. Em 1971, parte para o exílio em Moscou, passando ainda por Santiago, Lima e Buenos Aires. A imprensa alternativa ganha seu nome na lista de peso dos seus colaboradores.

Em 1975, embrenha-se “Dentro da noite veloz”, livro que vinha escrevendo desde 1962 e que traz outra safra de poemas brasileiros para sempre. Foi quando Vinicius de Moraes trouxe uma fitinha cassete de Buenos Aires, e cópias da gravação correram de mão em mão. Nela, Gullar lia um poema que tinha acabado de escrever no exílio. Como a ditadura Argentina endurecia, ele escreveu o texto como se fosse “a última coisa da sua vida”: era o “Poema sujo”. Foi o sucesso do “Poema sujo” que trouxe Gullar de volta ao Brasil. Foi interrogado durante 72 horas ininterruptamente pelos militares, mas acabou solto. Livre, retomou o “assombro” pela poesia, palavra que prezava tanto. Depois, ele a substituiu por “espanto” sempre que lhe perguntavam sobre inspiração. Como escreveu em “Traduzir-se”, de “Na vertigem do dia” (1975-1980): “Uma parte de mim/almoça e janta:/ a outra parte/ se espanta”.

Entre muitos outros prêmios, Gullar foi laureado com o Jabuti por “Muitas vozes” (1999), com o Prêmio Machado de Assis, da ABL (2005), e com o Prêmio Camões (2010). Fez livros infantis, ensaios literários, crítica de arte, fez ele mesmo arte visual: suas colagens ganharam uma exposição individual em Copacabana em 2014. Envolveu-se em polêmicas vívidas: em 2010, criticou a obra “Bandeira branca”, de Nuno Ramos, em discussão que ocupou os jornais por alguns dias (“Não há Jesus Cristo que me convença que colocar um urubu dentro de uma gaiola é fazer arte”, acusou ele sobre a obra exposta na Bienal de São Paulo). A mais recente aconteceu este ano, quando ele e o poeta Augusto de Campos, trocaram farpas publicamente por posições políticas e artísticas.

Há exatos dois anos, depois de manifestar-se contrariamente à sua indicação, Ferreira Gullar foi empossado imortal na Academia Brasileira de Letras. Num discurso sobre seu amor à poesia, que levou os colegas às lágrimas, encerrou dizendo, simplesmente: “Estou feliz da vida”.

O poeta, ensaísta, crítico, dramaturgo, tradutor e memorialista Ferreira Gullar morreu ontem, às 11h, aos 86 anos. Internado há 20 dias no Copa D’Or, na Zona Sul do Rio, por complicações pulmonares, o escritor desenvolveu um pneumotórax que se agravou com uma pneumonia. Segundo o escritor Zuenir Ventura, que o acompanhou internado, suas últimas palavras foram à filha Luciana (Gullar teve outros dois filhos, Paulo e Marcos, este, morto em 1990), pedindo para não prolongarem sua vida com aparelhos: “Me leva para Ipanema. Quero entrar no mar e ir embora”.

Poema sujo – Ferreira Gullar

(Trecho inicial)

turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti

bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era...
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
perdeu-se na profusão das coisas acontecidas
constelações de alfabeto
noites escritas a giz
pastilhas de aniversário
domingos de futebol
enterros corsos comícios
roleta bilhar baralho
mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa
e de tempo: mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
em alguma gaveta

Edu Lobo - O Trenzinho do Caipira (Villa-Lobos/Ferreira Gullar) - letra