• Premier cumpre promessa e renuncia após eleitores rejeitarem reforma constitucional
- O Globo
-ROMA- Em um duro golpe que culminou na renúncia do primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, os eleitores rejeitaram ontem em referendo o que seria a maior reforma política na História republicana do país, após meses de uma campanha que dividiu a população e deixou a Europa em alerta. Líder da legenda de centro esquerda Partido Democrático (PD), o premier cumpriu sua promessa e anunciou que vai apresentar sua demissão hoje ao presidente italiano, Sergio Mattarella. As primeiras projeções divulgadas na noite de ontem indicavam uma vitória do “Não” com ampla margem, o que pode reforçar o chamado da oposição para eleições antecipadas no próximo ano e afetar a estabilidade da terceira maior economia da zona do euro.
Segundo pesquisas de boca de urna, entre 54% e 59% dos italianos votaram “não”, enquanto de 41% a 46% optaram pelo “sim”. A consulta teve alta participação, com um comparecimento de cerca de 60% dos eleitores às urnas. Logo após a divulgação das primeiras projeções, Renzi fez um pronunciamento no qual disse assumir todas as responsabilidades pela derrota.
— O “não” venceu de forma clara. Eu perdi, não vocês — disse. — Eu acredito em democracia. Quando se perde, não dá para fingir que nada aconteceu. Minha experiência como chefe de governo termina aqui.
Antes do pronunciamento, partidos da oposição já reforçavam o coro pela renúncia imediata do premier e por novas eleições:
— Renzi vai sair e com ele os lobbies poderosos que também foram derrotados — afirmou Renato Brunetta, líder parlamentar do partido de centro-direita Força Itália, do ex-primeiroministro Silvio Berlusconi.
PROPOSTA PREVIA REDUZIR PODER DO SENADO
Aprovada pelo Congresso em abril, a reforma previa reduzir drasticamente o papel do Senado — diminuindo de 300 cadeiras para 100 —, recuperar os poderes de autoridades regionais e simplificar a vida política em um país que teve 60 governos desde 1948. Para Renzi, a medida tornaria a Itália mais atrativa aos investidores e seria necessária para aumentar a governança e reduzir os custos do Estado. Sua decisão de vincular o resultado ao seu futuro, no entanto, transformou o referendo em um plebiscito sobre sua liderança política.
Da extrema-direita à extrema-esquerda, a reforma despertou críticas de todos os setores políticos e de uma ala de dentro do próprio partido de Renzi que se rebelou contra o que consideraram um retrocesso democrático e uma decisão autoritária. O jovem premier, de 41 anos, que muitas vezes pareceu estar lutando sozinho na campanha, votou no meio da manhã em sua cidade natal toscana de Pontassieve, mas não fez comentários.
Aliados de Renzi insistiram para que ele ficasse no cargo independentemente do resultado. Analistas dizem que o presidente Mattarella, que deverá escolher um novo nome para formar governo, dificilmente o fará antes que o Parlamento aprove o novo orçamento.
EUROPA TEME INSTABILIDADE E ONDA POPULISTA
O referendo acabou acendendo o alerta vermelho na União Europeia (UE), preocupada com a onda populista após a vitória do Brexit — saída do no Reino Unido da UE —, e de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Os mercados financeiros e políticos europeus temem que o voto antissistema possa causar instabilidade política e renovar a turbulência para os bancos da Itália, levando a zona do euro a uma nova crise.
Em sua manchete, o jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung” advertiu ontem que “a soberba (de Renzi) é seu defeito” e que “a Europa está em jogo”. Já o jornal britânico “The Guardian” afirmou que o referendo fazia parte de uma série de votações na Europa que poderia “anunciar o fim do projeto europeu na sua forma atual”.
Um dos principais partidários do “Não”, o partido populista e anti-establishment Movimento 5 Estre las (M5S) fez uma uma fervorosa campanha contra a reforma, na esperança de ver crescer sua força em eventuais eleições antecipadas. Liderada pelo comediante Beppe Grillo, a legenda defende um novo referendo: desta vez para votar a saída italiana da zona do euro. Outro partido que tenta pegar carona com a onda populista é a legenda direitista Liga do Norte, aliada da sigla de Berlusconi.
Nas últimas semanas, pesquisas e casas de aposta já davam vitória ao “Não”, mas muitos eleitores ainda estavam indecisos sobre seu voto. O ministro da Economia, Pier Carlo Padoan, procurou acalmar os nervos dos mercados na sexta-feira, dizendo que não há risco de terremoto financeiro caso o “Não” vencesse, apesar de poder haver “48 horas de turbulência”.
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