- Folha de S. Paulo
Entraram duas variáveis novas na equação política brasileira: a economia ainda vai arrastar-se por um bom tempo no fundo do vale da depressão; o Congresso passou a ser o alvo dileto e explícito do descontentamento popular.
A excepcionalidade do período que o país atravessa torna-se mais difícil de aquilatar quando a visão dos atores, como a nossa agora, está ofuscada pela tempestade.
O desempenho esperado da atividade econômica no quadriênio 2014-17, um recuo anual médio do PIB de 1,6%, não é compatível com o padrão dos 29 anos anteriores sob a Nova República.
Mesmo para a montanha-russa que marca a trajetória econômica de 1985 a 2013, um declínio como o estimado para os quatro anos seguintes teria menos de uma chance em cem de ocorrer. A virulência da pior recessão numa quadra comparável (1988-91) foi um décimo da atual. É como se estivéssemos num país diferente.
Em outra época, um terremoto com esse poder de estragos já teria varrido do mapa não apenas o chefe do governo, mas também o próprio regime político. Aconteceu em 1889, 1930, 1945, 1964 e 1985. O fato de não ter ocorrido desta vez é um indicador de resistência da arquitetura erguida sob a democracia de massas.
A grande maioria das pessoas que foram às ruas neste domingo reforçou os alicerces desse pacto político. Cobrou recato e decoro de autoridades que teimam em valer-se de seus poderes e artimanhas para driblar a aplicação impessoal das leis.
Se captarem o recado, deputados e senadores perceberão que é deles a prerrogativa de empreender uma longa rodada de caça aos privilégios, que vão muito além dos desfrutados pelos legisladores.
Que as regras de acesso ao poder, aos fundos públicos e ao mercado sejam mais homogêneas e aplicáveis a todos não é só o que exigem as ruas; é também o que requer a economia para sair do buraco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário