sábado, 22 de junho de 2019

*Marco Aurélio Nogueira: A era digital de risco

- O Estado de S.Paulo

Sergio Moro sai menor do episódio recente, mas na esfera política o jogo continua em aberto

O mundo político e a opinião pública estão há duas semanas às voltas com o vazamento de conversas telefônicas envolvendo o ministro Sergio Moro e procuradores da Lava Jato. São conversas constrangedoras e inadequadas quando se levam em conta as expectativas do sistema de justiça em que vivemos. As revelações, além do mais, deixam patente algo que todos sabem, mas nem todos levam suficientemente a sério: hoje não há ser vivo que se possa considerar imune a invasões de privacidade. A era digital, com seus recursos e instrumentos, fez com que os dados se tornassem moeda preciosa e facilmente manipulável.

Em entrevista publicada recentemente, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso observou que “hoje, o exercício da função pública é cada vez mais uma profissão de risco. A cada ano a privacidade vai se tornando mais vulnerável”. Para ele, “o que foi feito para facilitar e proteger reverte-se à condição de pesadelo”.

O cenário é sombrio quando se trata de segurança informacional. A revolução digital facilitou muita coisa, ampliou acessos e transparência, mas permitiu também que a vulnerabilidade se expandisse. Na velocidade de um clique, qualquer um pode perder dados valiosos e ter sua identidade virtual sequestrada.

Segundo dados governamentais, em 2018 ocorreram 20,5 mil notificações de incidentes computacionais em órgãos do governo, dos quais 9,9 mil foram confirmados. Desde 2014 o número não fica abaixo de 9 mil. No levantamento feito, 26% do total dos casos são de adulteração de sites públicos por hackers. Em segundo lugar estão os vazamentos de dados, com 20%.

A situação estrutural em que estamos remete ao que o sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015) chamou de “sociedade de risco”, expressão de uma fase histórica de transições aceleradas e reconfigurações. Em sua formulação, a “sociedade de risco” se tornaria progressivamente o casulo em que habitariam todos os humanos. Um casulo instável, marcado pela incerteza, por ameaças recorrentes e pela dificuldade de planejamento, no qual a vida transcorreria impulsionada pela inovação tecnológica, sem fornecer muitos espaços para a intervenção política. O risco não cairia do céu como uma fatalidade: viria por decisões humanas, “incertezas fabricadas”, rotinas, descuidos.

Quando Beck publicou Sociedade de risco (1986), a vida ainda não estava saturada de tecnologia de comunicação e informação, os celulares mal haviam sido projetados, os computadores e a internet engatinhavam, a própria globalização não havia se aprofundado tanto. Mas Beck antevia que o risco se converteria em companheiro de viagem da humanidade. Ganhos conseguidos como progresso iriam se mostrar carregados de perigo. Chernobyl aconteceria pouco depois da publicação do livro. A paisagem ficaria tingida por tragédias ambientais, crises econômicas sucessivas, tsunamis inesperados, aquecimento global.

A intensificação das relações de troca, de comunicação e de circulação de pessoas para além das fronteiras nacionais fez com que as sociedades nacionais, com seus respectivos governos, passassem a viver sob pressão. Muitos espaços e atores “transnacionais” condicionam as operações estatais. Os Estados não são mais os únicos sujeitos a determinar as leis e o Direito Internacional. Perderam soberania e, com isso, não conseguem mais prover segurança ou proteção para seus cidadãos, nem para seus próprios órgãos e servidores públicos. A vulnerabilidade digital é parte desse quadro.

O caso Moro associa-se à vulnerabilidade, mas não tem que ver somente com isso. O vazamento sugere que o então juiz não teria mantido a devida equidistância entre as partes, um tema controvertido, sobre o qual não há consenso. É evidente que ele não saiu bem na foto e foi forçado a descer do pedestal em que estava, ao mesmo tempo que ficou mais dependente do apoio de Bolsonaro.

João Domingos: Candidato à reeleição

- O Estado de S.Paulo

Mudanças feitas são estratégicas para os planos do presidente Jair Bolsonaro

As mudanças feitas na estrutura do governo, como a escolha do general Luiz Eduardo Ramos para a coordenação política no lugar do ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e a nomeação do advogado e major da PM Jorge Oliveira para a Secretaria-Geral do Palácio do Planalto, estão relacionadas com a decisão de Jair Bolsonaro de disputar a reeleição em 2022. Também faz parte desse pacote da luta pela reeleição a demissão do general Santos Cruz, que dava pouca bola para a agenda conservadora de Bolsonaro, fundamental para manter o presidente conectado com seus eleitores fundamentalistas.

Bolsonaro sabe que o campo político da direita e da centro-direita está congestionado por pretensos candidatos à sua sucessão: os mais expostos são Sérgio Moro, João Doria, Wilson Witzel e Rodrigo Maia. Nos planos de Bolsonaro, pelo menos no que se fala nas rodas do poder, estaria a montagem de uma chapa com o ministro da Justiça no lugar do hoje vice, o general Hamilton Mourão. Nesse caso, Doria e o presidente da Câmara tenderiam a formar uma outra chapa. Witzel, por enquanto, está sem lugar nesse clube, embora tenha esperança de arrumar um jeito de a ele se associar. Por fora, menos falados, aparecem também pela centro-direita os nomes do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e do prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, ambos do DEM. Como se vê, há um congestionamento grande nessa estrada rumo a 2022.

Bolsonaro tenderia a convidar Sérgio Moro para sua vice por considerar que formaria uma chapa muito forte, além de trazer para seu lado um possível concorrente. E Moro, que completará 50 anos às vésperas da eleição de 2022, poderia construir sua candidatura a partir da experiência como vice, caso a chapa consiga a vitória.

Adriana Fernandes: Reforma e os juros

- O Estado de S. Paulo

O Banco Central deixou claro que precisa de um “avanço concreto” na reforma da Previdência

Com uma agenda de medidas para acelerar a retomada da economia à espera da votação da reforma da Previdência, a equipe econômica está na mão da Câmara dos Deputados para fechar um acordo de votação da proposta antes do recesso parlamentar.

O acordo parecia mais distante depois que o ministro da Economia, Paulo Guedes, bateu de frente com os líderes ao atacar a nova versão do texto, preparada e negociada pelo relator Samuel Moreira.

Em uma semana, porém, os ânimos nos bastidores se acalmaram. Sob a liderança do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o acordo para garantir a votação da proposta no plenário da Casa avançou.

Nas entrelinhas dessa articulação, a ideia é seguir com o carimbo de protagonismo da Câmara na aprovação da reforma e, mais ainda, no empurrão que falta para a queda dos juros.
O receio de deixar esse tema tão caro para o crescimento em aberto e sujeito à crise global — e, eventualmente, escândalos locais — pode fazer os parlamentares acelerarem o passo. Ninguém quer ser responsabilizado, mais tarde, pela piora da economia.

Tudo bem calculado.

É que a redução dos juros pelo Banco Central está intrinsecamente vinculada à reforma da Previdência. O recesso começa no dia 18 de julho. Se a reforma for aprovada antes, o BC poderá cortar a Selic na reunião de 30 de julho do Comitê de Política Monetária.

Economistas ouvidos pelo Broadcast, o serviço em tempo real do grupo Estado, acreditam que o Copom possa cortar a Selic já em julho. Mas se a votação ficar apenas para agosto, depois do recesso, o comitê deixaria para iniciar o ciclo de afrouxamento monetário para setembro, retardando a retomada.

*Demétrio Magnoli: Fruto proibido

- Folha de S. Paulo

Se os generais podem, por que tenentes, sargentos e soldados não poderiam?

“Não fazemos política.” Ash Carter, secretário da Defesa sob Barack Obama, sintetizou desse modo sua crítica a um pequeno, mas significativo, incidente recente. O sujeito oculto da frase são as Forças Armadas dos EUA. A lição precisa ser ouvida pela cúpula militar brasileira, que parecia tê-la aprendido 35 anos atrás.

O incidente foi objeto de indagação numa entrevista de Carter à The Atlantic (14/6). Durante a visita de Donald Trump ao Japão, no final de maio, uma ordem transmitida por algum funcionário da Casa Branca a alguém na Marinha determinou que se ocultasse o nome do destroier USS McCain, fundeado numa base naval americana. Motivo: o navio foi batizado em homenagem ao falecido senador republicano John McCain(e também a seu pai e a seu avô, todos oficiais da Marinha), antigo inimigo político do presidente. A ordem foi cumprida, manchando uma valiosa tradição democrática.

A “violação da natureza apolítica das Forças Armadas”, na qualificação de Carter, parece pouca coisa. Não é: a estabilidade do sistema democrático da maior potência militar do planeta depende da subordinação absoluta dos militares ao poder civil. Nos EUA, generais fazem política (e um deles, Eisenhower, presidiu o país entre 1953 e 1961), mas só depois de passarem à reserva. No episódio do USS McCain, a subversão da tradição emergiu como perigoso precedente. E se, amanhã, o presidente for recebido numa base militar por soldados com os bonés MAGA (“Make America Great Again”) das campanhas de Trump?

Os que não têm armas cuidam da política; os que têm armas ficam proibidos de fazer política. Bolsonaro liga menos ainda para a regra de ouro que Trump. Até agora, nossa cúpula militar parecia engajada em conservá-la —mas isso já não é tão certo.

Fábio Fabrini: De caixa dois em caixa dois

- Folha de S. Paulo

Ninguém foi ouvido pelo tribunal e uma testemunha-chave do esquema foi excluída

Dinheiro privado, dado por dentro e por fora do caixa oficial, tem regido as eleições no Brasil.

Não é à toa que nossos últimos presidentes —Lula, Dilma e Temer— se viram encalacrados em investigações de custeio ilegal e lavagem de ativos em suas campanhas, envolvendo cifras mastodônticas.

Fernando Henrique Cardoso aparenta ter se safado de escrutínio semelhante porque, segundo a Vaza Jato, o ex-juiz Sergio Moro tinha certo apreço por seu apoio e desaconselhou apurações do MP.

A vitória de Jair Bolsonaro em 2018 pareceu trazer um fenômeno novo. Proibido o financiamento por empresas, após ampla mobilização popular à esquerda e à direita, elegeu-se um mandatário cujo comitê declarou gastos de R$ 2,4 milhões —ante R$ 318 milhões de Dilma em 2014.

Mas série de reportagens da Folha indica que ainda não acabou de morrer o que há de velho nas práticas das campanhas políticas.

Em outubro de 2018, o jornal noticiou que empresários pagaram para disparar, via WhatsApp, mensagens em massa pró-Bolsonaro, fator de grande influência na disputa.

Hélio Schwartsman: O socialismo vai voltar?

- Folha de S. Paulo

Avanços na computação ajudariam a solucionar o problema do cálculo socialista

Hoje, são poucos, mesmo entre autores socialistas, os que defendem a viabilidade de uma economia centralmente planificada pelo Estado, mas nem sempre foi assim.

Ao fim da Primeira Guerra, o filósofo austríaco Otto Negras tentou usar a experiência da economia de guerra —na qual o Estado interveio pesadamente, estabelecendo não só o que seria produzido como também a destinação que teria— como exemplo da superioridade do socialismo com planejador central sobre as forças de mercado.

Nem todos se convenceram. Economistas da Escola Austríaca, notadamente Ludwig von Mises e Friedrich Hayek discordaram. Para eles, só os mercados, através da flutuação dos preços, são capazes de calcular em tempo real aquilo que a sociedade deseja e pode produzir, levando à melhor alocação dos recursos. A querela ficou conhecida como problema do cálculo socialista.

Como relata William Davies no excelente “Nervous States”, Von Mises admite que governos poderiam em princípio fazer essa conta, mas teriam de ir a campo para coletar informações, desenvolver modelos matemáticos e rodá-los. Ao fim do processo, a realidade já seria outra.

O fracasso do socialismo real acabou dando razão à Escola Austríaca. Mas, como ideias nunca morrem, há quem afirme que, com os avanços na computação, as dificuldades de cálculo já são ou muito em breve serão superadas. Outras possibilidades incluem sistemas de controle por redes descentralizadas.

Marcus Pestana: A reforma da Previdência Social na reta final da votação

- O Tempo (MG)

Aprofundar a consciência sobre a gravidade da situação

O assunto mais comentado na imprensa e nas redes sociais continua sendo a reforma de nosso sistema previdenciário. Assunto polêmico e de repercussão ampla, desencadeia um forte embate de opiniões dos mais variados matizes. É preciso muita serenidade e sensibilidade no tratamento do tema.

O Brasil precisa dar urgentemente uma guinada em seus destinos. O crescimento econômico é resistentemente baixo, o desemprego e o desalento assombram a vida de mais de 18 milhões de trabalhadores brasileiros, nosso desempenho nas avaliações internacionais de qualidade da educação é inaceitável, nos rankings de competitividade ficamos mal na foto e a capacidade fiscal de os governos gerarem políticas públicas impactantes é cada vez menor.

Para abordar uma crise tão profunda e cheia de faces não há a chamada “bala de prata”, uma panaceia qualquer ou um nocaute espetacular. Temos que percorrer uma longa agenda de reformas e mudanças visando recuperar os investimentos, melhorar a infraestrutura, qualificar o capital humano, aumentar a produtividade, tornar o ambiente de negócios mais saudável. Na melhoria do ambiente institucional, três grandes reformas deveriam puxar a fila: a previdenciária, a tributária e a política.

Mas a bola da vez é a reforma previdenciária. E por que, apesar de não ser uma varinha mágica que resolverá todos os problemas nacionais, ela tem hoje centralidade e urgência? A questão central hoje é o grave desequilíbrio das contas públicas. Isso impede a retomada dos investimentos, empurra os juros para a estratosfera, inibe a ação governamental. E o elemento central e explosivo é o desequilíbrio previdenciário.

Nunca é demais repetir. O sistema previdenciário foi consolidado mundo afora no século XX para proteger o trabalhador idoso e pobre que não consegue mais, por meio do seu trabalho, assegurar uma vida digna para si e sua família. O sistema tem que ser justo, portanto, do ponto de vista social. E sustentável, porque senão os direitos prometidos se assemelharão à venda de lotes na Lua.

*Roberto Simon: Heróis contra reformas

- Folha de S. Paulo

Brasil da Lava Jato tem a aprender com países como Chile e Peru

Além dos contatos indevidos —talvez ilegais— entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores, os vazamentos do Intercept mostraram como a conversão da Lava Jato numa mitologia de grandes guerreiros contra a corrupção custou caro, institucionalmente, ao Brasil. Olhando a situação brasileira de uma perspectiva regional, esses custos ficam ainda mais evidentes.

A enxurrada da Lava Jato se prendeu no redemoinho do personalismo, com Moro, Deltan Dallagnol, Lula e outros como grandes heróis ou vilões (a ordem dos papéis varia conforme o gosto ideológico do freguês). E quando o combate à corrupção é uma luta entre virtuosos e degenerados, o cerne sempre são indivíduos, nunca as instituições.

Os resultados são trágicos: fomos incapazes de converter a pressão da Lava Jato em uma agenda de reformas institucionais. Várias das condições que levaram ao cartel das empreiteiras —sobretudo na relação entre dinheiro privado e política— se mantêm.

Foi dessa forma que o Brasil virou o país dos grandes guerreiros contra a corrupção, mas de sistemas eleitorais e partidários disfuncionais, péssimas leis de financiamento da política e quase nenhum controle sobre o lobby. Não precisava ter sido assim —basta olhar ao redor na América Latina.

Merval Pereira:Leis para todos os gostos

- O Globo

Esse debate que se desenrola sobre os diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e o chefe dos procuradores da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol não parece ter o poder de levar a uma decisão drástica do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a nulidade da condenação do ex-presidente Lula.

Principalmente porque as supostas provas levantadas pelo site The Intercept são flagrantemente ilegais, fruto de um mais que provável hackeamento de celulares de diversas autoridades envolvidas na Operação Lava-Jato.

Mas, sobretudo, porque ficou claro que não é possível definir como transgressão às normas legais as conversas entre Moro e Dallagnol, muito devido às incongruências de nossa legislação.

Há normas para todos os gostos, desde a Constituição até os regimentos internos dos diversos tribunais, passando pelas normas próprias das organizações que regem o exercício da advocacia.

Umas permitem que se entenda que as partes podem conversar com os juizes separadamente, outras definem que uma parte só pode ser ouvida na presença da outra.

O aconselhamento do juiz a uma das partes pode ser causa de nulidade, mas a definição do que seja aconselhamento fica por conta da interpretação de cada jurista. O hoje ministro Sérgio Moro, que citou o testemunho público do advogado Luis Carlos Dias Torres, garante que sempre conversou com dezenas de advogados que o procuraram dentro da Operação Lava-Jato.

Esse não foi o caso dos advogados de Lula, que nunca pediram uma audiência. Mesmo assim, como o próprio Zanin admitiu, houve várias conversas entre o Juiz e a defesa do ex-presidente nos intervalos das audiências.

Míriam Leitão: Etapas do choque da energia barata

- O Globo

Em 30 dias serão divulgadas ações para o ‘choque de energia barata’, que respeitará as leis de mercado com a articulação entre governos e setor privado

O ministro Paulo Guedes tem prometido em vários discursos dar um choque de energia barata no país, sem explicar como será possível isso. O que se diz dentro do governo é que muitas medidas serão anunciadas em no máximo 30 dias para transformar essa promessa em realidade. Há uma articulação que liga órgãos do governo, empresas privadas, e instâncias da federação para que possa haver mais competição no setor de gás. O objetivo é, em um ano e meio a dois, reduzir o preço do gás natural de US$ 12,5 por milhão de BTU para algo como US$ 7 ou menos.

As conversas estão ocorrendo entre o Ministério das Minas e Energia, ANP, Petrobras, Ministério da Economia, TCU e Cade. O primeiro movimento deve ser o Cade decidir sobre um processo anti-concorrencial da Petrobras, e notificar a estatal de que deve vender ativos e permitir maior competição no setor. A venda da TAG já faz parte desse plano. O problema é que mesmo vendendo a rede de gasoduto ela tem, por contrato, direito de preferência no transporte do gás.

Murillo de Aragão: Política e convicção

-Revista Istoé

Mais que um processo legal, a Lava Jato virou um psicodrama que aciona energias baseadas em convencimento. Como resultado, o consenso perde espaço. Resta esperar que o juízo prevaleça

A convicção é a força motriz da ação política. E a política quase sempre é uma operação futuro a descoberto. Promete-se algo a partir de uma convicção e, a partir daí, se recolhem apoios para seguir em frente. A convicção é a pedra angular do processo, sem a qual não se consegue convencer os aliados, nem intimidar os adversários, muito menos derrotar os inimigos.

A convicção, como pressupunha Nietzsche, pode ser uma inimiga da verdade, já que não é, necessariamente, fundamentada nela. A grosso modo, a convicção — quando mais forte que a verdade — tende a ser contaminada por doses elevadas de misticismos, dogmas e crendices.

Os movimentos políticos mais fanáticos tiveram na forte convicção a forma de se alavancar perante às sociedades, quase sempre em torno de uma narrativa emocional. Alguns dos exemplos mais notórios de convicção mentirosa como força de alavancagem política são o nazismo e o stalinismo.

As convicções no Brasil também movem a política, ainda que, na prática, os interesses ganhem acentuada relevância. Todavia, os principais movimentos de transformação política do País nasceram de convicções ideológicas e programáticas bem definidas pelo tenentismo dos anos 1920: a Revolução de 1930, o Estado Novo e o Movimento Cívico-Militar de 1964.

Ricardo Noblat: Governo da família

- Blog do Noblat / Veja

General cede lugar a major
A ala militar do governo levou mais uma lapada do presidente Jair Bolsonaro com a escolha do major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Antônio de Oliveira Francisco para a Secretaria-Geral da Presidência, em substituição ao general da reserva Floriano Peixoto.

O que credenciou o major a ser promovido a ministro foi sua estreita ligação com a família Bolsonaro há muito tempo. O pai dele serviu por 20 anos ao então deputado Jair Bolsonaro. E Jorge Antônio de Oliveira Francisco ao deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero 3, durante os últimos 10 anos.

O novo presidente do BNDES morou no mesmo prédio de Bolsonaro, pai, e é amigo dos seus filhos. Contou com o apoio deles para chegar aonde chegou. Carlos, o Zero 3, é o mais feliz com sua ascensão. É Carlos o que mais cobra uma devassa nas contas do banco para provar que o PT se beneficiou dele.

A nomeação do major é mais um sinal inquestionável de que os garotos e o seu guru, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, arrombaram a porta do governo derrotando todos os que a eles se opunham.

Vem mais bala por aí

Alerta geral
O site The Intercept guarda munição a ser disparada contra outros portadores de togas, e também procuradores da República para além do primeiro escalão da Operação Lava Jato no Paraná.

O Rio de Janeiro será tratado como um caso especial quando novos documentos forem revelados.

Uma lei para as agências reguladoras: Editorial / O Estado de S. Paulo

Depois de mais de seis de anos de tramitação, o Congresso aprovou a Lei Geral das Agências Reguladoras. Ter um marco jurídico adequado para as agências reguladoras era uma antiga necessidade do País, especialmente sentida nos anos em que o PT esteve no governo federal. Incapaz de respeitar a esfera de atuação das agências, o partido de Lula da Silva submeteu-as a constantes pressões políticas, desvirtuando sua missão de promover a qualidade e a continuidade da prestação dos serviços públicos. Além de assegurar a necessária autonomia das agências reguladoras, era preciso ter regras claras para o preenchimento de suas diretorias.

As agências reguladoras foram criadas a partir dos anos 1990, durante o processo de reforma do Estado brasileiro. Com a privatização de muitas empresas estatais e a concessão de serviços públicos a grupos privados, era necessário prover o Estado de uma nova capacidade regulatória, que, livre de pressões político-partidárias, protegesse o interesse público nessas áreas. Segundo destacou o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o texto aprovado afasta o risco da “captura regulatória” – que agentes políticos ou empresariais, distorcendo a regulação, utilizem as agências para fazer valer seus próprios interesses.

Lá na frente: Editorial / Folha de S. Paulo

Contrariando o discurso de campanha, Bolsonaro indica intenção de disputar 2º mandato

"Meu muito obrigado a quem votou e a quem não votou em mim também. Lá na frente todos votarão, tenho certeza disso." A frase foi dita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), na manhã de quinta-feira (20) em visita à cidade de Eldorado (SP), onde passou sua infância.

A declaração, em clima de reencontro festivo com amigos e familiares, poderia ter sido interpretada como um chiste sem maior relevância. O mandatário, contudo, que já havia tratado do tema em entrevistas concedidas em abril e maio, voltou a mencioná-lo na tarde daquela mesma quinta.

Instado por jornalistas a explicar a manifestação matinal, disse que só descartaria a ideia de disputar novo mandato se fosse aprovada "uma boa reforma política". Caso contrário, "estamos aí para continuar mais quatro anos" —afirmou, em seu habitual coloquialismo.

Não deixa de chamar a atenção que Bolsonaro, ainda por completar seis meses de governo, se pronuncie sobre um pleito marcado para 2022. Parece, na realidade, inclinado a dirimir eventuais dúvidas, que ele mesmo, diga-se, suscitou.

Desdobramentos pós-reforma são de impacto: Editorial / O Globo

Não faltam projetos para reativar a economia, mas, para isso, é preciso um quadro fiscal equilibrado

Faz 21 anos que o tucano paulista Antônio Kandir errou ao apertar os botões de votação na Câmara, e a fixação de uma idade mínima para a aposentaria foi rejeitada no Congresso. Essas duas décadas que o país perdeu, até o Legislativo ter nova oportunidade de reparar aquele erro, podem ser quantificadas em bilhões de reais que poderiam ter evitado que o Estado brasileiro chegasse à situação de insolvência técnica.

Este longo tempo serve também para demonstrar a dificuldade que há, em países democráticos, para se aprovar uma reforma que tem a ver com o padrão de vida dos mais velhos, com o pacto intergeracional etc. Ninguém, em princípio, abre mão de nada, o que tende a levar as contas públicas ao total descontrole.

Da mesma forma, quando há recessão ou virtual estagnação da economia, como a atual, nem sempre há a compreensão de que a retomada do crescimento passa pelo ajuste, para que o horizonte fiscal do Estado fique sem nuvens. Porque ninguém investirá numa economia que pode, logo à frente, cair no precipício da insolvência.

Armas contra o golpe: Editorial / Revista IstoÉ

Jair Bolsonaro quer armar o povo para evitar um golpe de estado. Foi seu último argumento para a ideia fixa de tentar passar, na marra se possível, mudanças inconstitucionais no tocante a porte e posse de armas de fogo. Não deu. O Senado sepultou o intento, com folgada margem.

A Comissão de Constituição e Justiça também já havia aplicado uma acachapante derrota ao plano presidencial nesse sentido, elaborando até parecer contrário. O Supremo Tribunal Federal era outra esfera preparada a derrubar o desvio de norma se ele fosse além das linhas de controle legislativas. E, não menos importante, a própria população, em pesquisa recente do Ibope, tinha voltado a reiterar, pela enésima vez, que era majoritariamente contra: 73% dos pesquisados disseram “não” ao porte e 61% rejeitaram o afrouxamento das regras de posse previstas no Estatuto do Desarmamento de 2003.

O decreto feria a lei nas duas frentes e exorbitava prerrogativas presidenciais. Lição de moral, deveras repetida, novamente em teste na teimosia intrínseca do mito: um mandatário pode muito, mas não pode tudo. Concluída a etapa de desaprovações, desponta a questão do golpe que, teoricamente, pelas maquinações cerebrais de Messias, estaria em vias de acontecer. Ou ao menos seguiria como pesadelo recorrente, já que parece lhe atormentar diuturnamente, mais do que a qualquer um. Como se daria e por intermédio de quem a tal tentativa de deposição do recém-eleito? Talvez, na elucubração mais frequente e previsível de sua ala de pensamento, caberia à esquerda dos “comunistinhas” tal feito. Com base em que Bolsonaro enxerga algum ambiente para um golpe? Empunhando a bandeira de uma destituição iminente pelas vias da tomada ilegal do Planalto parece trafegar na mesma trilha de delírios conspiratórios que o PT seguiu recentemente.

Manuel Bandeira: O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Marisa Monte: Ainda Bem