Valor Econômico
Conciliação buscada pelo ministro, na
verdade, ainda não apaziguou o embate, e o presidente Lula, no relato de um
ministro, teria ficado desagradado com a decisão
A decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender
ambos os decretos, o do Congresso e o do Executivo, na disputa do IOF revelou um ponto de
inflexão na relação entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal. A
invalidação dos decretos tira a bola de campo de um jogo em que os dois times
estão em guerra, mas, na prática, suspende os efeitos da majoração do imposto. A conciliação buscada pelo ministro, na verdade, ainda
não apaziguou o embate, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no relato de
um ministro, teria ficado desagradado com a decisão.
A mensagem no X do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, registra o acolhimento, pelo ministro, da tese da separação dos Poderes contida na ação governista que pediu a suspensão do decreto legislativo do Congresso, mas a declaração do presidente da Câmara de que a decisão de Moraes está em sintonia com a Casa não deixa dúvida de que Hugo Motta (Republicanos-PB) faturou esta decisão como uma vitória, que, de fato, ocorreu.
A campanha governista “ricos x pobres” nas
redes sociais, que tanto aborreceu o Congresso, prosseguirá. A relação entre
Executivo e STF, sintonizada, principalmente, em função dos inquéritos do
golpismo, trincou. No Palácio do Planalto, a decisão de Moraes é vista como
decorrente da pressão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP),
que tinha dois enviados especiais ao Fórum de Lisboa, onde a decisão foi
tomada, Hugo Motta e
o senador Rodrigo
Pacheco (PSD-MG).
Ao suspender ambos os decretos e marcar a
audiência de conciliação para o dia 15, Moraes deixa claro que o Congresso
extrapolou suas funções e afrontou a separação dos Poderes: “Os atos editados
pelo chefe do Poder Executivo que não materializem seu poder regulamentar não
se submetem ao controle repressivo por meio do decreto legislativo”. O
ministro, porém, acolhe a reclamação do Congresso sobre o caráter extrafiscal
do decreto governista, à revelia da Constituição: “A existência de séria e
fundada dúvida sobre o uso do decreto para calibrar o IOF para fins
puramente fiscais, em juízo de cognição sumária, é suficiente para analisar
eventual desvio de finalidade.”
A decisão do ministro é cautelar, ou seja, é
pendente de confirmação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. É neste momento que se avaliará se Alcolumbre terá
sido capaz de incutir a cizânia na Corte, como se acredita no Planalto. O
ministro Flávio Dino,
alvo maior do Congresso, pela atuação nos inquéritos que questionam a
transparência e a rastreabilidade das emendas parlamentares, já havia
sinalizado que este embate teria uma “solução simples”. Além de Dino e do
anfitrião do “Gilmarpalooza”, Gilmar Mendes, estavam no
fórum Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Dias Toffoli.
Na véspera, Alcolumbre, que não foi ao
evento, anunciou, em Brasília, que o Congresso deveria votar um projeto para
restringir a iniciativa de propositura de ações no STF, limitando, por exemplo,
a partidos que ultrapassem a cláusula de barreira. O alvo principal do senador
é o Psol, partido que tem se associado a entidades civis no questionamento das
emendas parlamentares.
Ao longo dos próximos 15 dias, Congresso e
governo disputarão a busca de soluções a serem levadas ao Supremo. Há uma
convergência crescente em torno do corte das desonerações, mas esta medida
teria que obedecer ao princípio da anualidade, o que obriga a busca por uma
medida de efeito imediato. A boa acolhida do ministro da Fazenda à decisão de
Moraes demonstra que Fernando
Haddad pode ajudar a desanuviar o desgaste da
interlocução. Do encontro do Brics,
no Rio, Haddad levantou a bandeira branca: “A
decisão do ministro [Alexandre de Moraes] busca esse caminho de mostrar até que
ponto cada Poder pode ir, para ir delimitando constitucionalmente qual é o
papel de cada um”.
Para a audiência de conciliação marcada por
Moraes para o dia 15, estão intimados a comparecer representantes da
Presidência da República, Senado, Câmara, Procuradoria-Geral da República, AGU
e as partes, ou seja, os dois partidos que acionaram o STF, PL e Psol.
Até lá, além da busca por soluções fiscais, o
Executivo terá que se dedicar a desanuviar a relação com o Supremo. A decisão
de Moraes foi produzida numa conjuntura de desgaste da relação marcada por
dissabores nas indicações para o Judiciário. A mais desgastante delas foi a
indicação do juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Carlos Pires Brandão, para uma
das vagas abertas de ministros do Superior Tribunal de Justiça.
Brandão teve o apoio do ministro Kassio Nunes Marques, do
ministro da Assistência Social, Wellington
Dias, e do governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT). Ao
atender a um ministro da cota bolsonarista do Supremo, Lula desgostou ministros
que tinham alternativas para o cargo e se veem desprestigiados pelo
presidente. Há mais de um mês, Lula está para
indicar duas cadeiras para o TSE.
Alexandre de Moraes defende a
recondução do ministro Floriano
Azevedo Marques. Flávio
Dino e a ministra Cármen Lúcia trabalham por Estela Aranha,
ex-secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, hoje no gabinete
da presidente do TSE, e o grupo Prerrogativas defende Vera Lúcia Santana Araújo, hoje
ministra-substituta da Corte Eleitoral.
O desgaste da relação de Lula com o Supremo
se dá num momento em que o governador Tarcísio Freitas busca aproximação com a
Corte. O que freia esta relação é a proximidade entre o governador e o
ex-presidente Jair Bolsonaro,
de quem Tarcísio depende para dar curso às suas ambições presidenciais.
Enquanto Tarcísio tem linha direta com ministros como Alexandre de Moraes, Lula tem se valido de interlocutores que acumulam desgastes nessa relação, como o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro da AGU, Jorge Messias, que lidam mais diretamente com a Corte por atuarem como filtro das decisões presidenciais, inclusive, nas indicações para os tribunais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário