terça-feira, 8 de julho de 2025

Os hackers do Pix - Pedro Doria

O Globo

Ninguém precisou forçar o acesso a nenhum sistema, senha alguma teve de ser adivinhada. As falhas de segurança, que certamente existiram, até aqui não parecem ter sido do Banco Central

Quando alguém fala de qualquer crime envolvendo hackers, é inevitável que nos venha a imagem: um rapaz branquelo, espinhas no rosto, moletom de capuz e longas horas diante do computador. Pizzas, refrigerantes, energéticos. O desvio de dinheiro pelo sistema Pix ocorrido na semana passada, com perdas de R$ 400 milhões ou mais, não envolveu o estereótipo. A ação foi profissional, feita por quem sabia exatamente o que fazia e, principalmente, limpa. Ninguém precisou forçar o acesso a nenhum sistema, senha alguma teve de ser adivinhada. As falhas de segurança, que certamente existiram, até aqui não parecem ter sido do Banco Central.

Para que o Pix funcione e possamos fazer transferências imediatas, saindo da minha conta e entrando na sua, é preciso que três componentes distintos funcionem. Primeiro, as Contas de Pagamentos Instantâneos, ou Contas PI. Depois, o SPI, Sistema de Pagamentos Instantâneos. Por fim, o DICT, Diretório de Identificadores de Contas Transacionais.

Contas PI são grandes contas que os bancos precisam manter no Banco Central. São contas mesmo, como as que temos em nossas agências. Mas, lá, fica um volume grande de dinheiro que pertence aos próprios bancos. O dinheiro que entra e sai durante o dia, a cada Pix que alguém passa no país, só é movimentado realmente nessas contas, do Itaú, do Bradesco, do Santander, do Banco do Brasil e por aí vai. Caso alguém peça para que um valor saia de uma conta corrente no Bradesco para outra no BB, o dinheiro vai da Conta PI de um banco para a do outro.

A plataforma tecnológica que faz todas essas operações e sai ajustando os saldos instantaneamente é o SPI. É como um grande programa de computador, tão robusto quanto ágil, capaz de passar o dia gerenciando que dinheiro sai de onde e para onde vai. Para que funcione, depende do DICT, o banco de dados onde estão todas as chaves Pix. Nossos emails, CPFs e o que mais for usado para identificar nosso endereço bancário. O SPI usa o DICT para dar as ordens de transação.

No Brasil das fintechs e cooperativas, vários desses pequenos bancos digitais não têm tecnologia o suficiente para conduzir a operação de Pix. Os bancos grandes têm. Muitos miúdos, não. Terceirizam. Usam empresas capazes de operar a plataforma SPI. Assim como se servem de outras companhias, que mantêm Contas PI no Banco Central. Nem todo banco tem uma conta só sua, precisa de serviços de terceiros.

O problema foi aí. Uma das empresas mostrou ter um buraco em sua segurança: a C&M software. Ela não é um banco, mas uma provedora de tecnologia. Seu trabalho é conectar quem não tem tecnologia ao SPI. São 22 instituições. De acordo com a Polícia Federal, um funcionário da C&M foi subornado para criar login e senha para que a quadrilha pudesse também se conectar à plataforma. A primeira falha de segurança foi essa. Alguém com o poder de dar acesso ao sistema pôde ser convencido a abusar dele.

Ainda assim, não bastaria estar no SPI. Afinal, o dinheiro precisava sair de uma Conta PI e entrar noutra, dentro do Banco Central, sem disparar qualquer alarme de segurança nem no banco de que a grana sai, nem naquele em que entra. Porque os bancos devem ter controles — e têm — para enxergar transações fora da rotina.

Ora, se alguém que costuma mexer com centenas de reais por dia de repente recebe milhões, é estranho. Se, ao receber aqueles milhões, faz uma transferência imediata para cripto, dólar, o que for, é ainda mais estranho. Bancos grandes se protegem. Os pequenos, agora descobrimos, nem sempre.

A Conta PI de onde saíram as centenas de milhões, talvez mais, era de outra empresa: a BMP Money Plus. Ela não é propriamente um banco, mas faz o papel de um. É ela que gerencia as transações, detém a conta no BC para que boa parte dos bancos digitais possam operar. Pelo que sabemos até agora, foi dela o pior prejuízo.

O que o criminoso fez foi usar o SPI para dar uma ordem de transferência a centenas, talvez milhares de contas. O dinheiro deveria ser transferido a partir da Conta da BMP no Banco Central. Mas não havia informação de onde aquele volume precisava vir. Não saiu da conta corrente de ninguém. Só entrou na dos outros. Alguns dos bancos receptores perceberam que aqueles volumes, no meio da madrugada, eram estranhos. Barraram. Mas nem todos.

A investigação ainda está em curso.

 

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