Editorial
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O governo encaminhou ao Legislativo uma proposta de reforma política que nas questões da fidelidade partidária e da cláusula de barreira fica no meio do caminho das decisões tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a lei atual, mas está longe de ser uma solução de conciliação entre as liberalidades pretendidas por parcela dos partidos representados no Congresso e os rigores instituídos por decisões das cortes superiores de Justiça. Ao propor as eleições proporcionais por listas partidárias e o financiamento público de campanha exclusivo, o governo Lula se mete em questões polêmicas que, segundo o exemplo das tentativas anteriores de mudar estruturalmente as regras eleitorais, inviabilizam o entendimento entre os partidos, dada a divergência de interesses que essas questões encerram.
A mais polêmica proposta do governo talvez seja a que institui a lista fechada para as votações proporcionais. Por essa proposta, nas eleições para deputados estaduais e federais e vereadores, os partidos apresentam ao eleitor uma lista de candidatos cuja ordem é definida em convenção.
A proporção de votos que a lista tiver corresponderá ao número de parlamentares a que o partido tem direito - e serão eleitos os primeiros da lista, até que se complete o número de parlamentares correspondente aos votos obtidos. Por exemplo, se o PMDB tiver 20% dos votos a deputado federal num Estado com direito a 10 parlamentares, serão considerados deputados os dois primeiros nomes de sua lista escolhida pela convenção. Os deputados estaduais, os deputados federais e os vereadores não mais disputarão individualmente o voto e será o partido, em última instância, a definir quem será eleito.
Teoricamente, essa proposta acaba com o personalismo e valoriza não apenas o voto partidário, mas reafirma o conceito consagrado pelo STF de que o voto pertence ao partido, não ao candidato. Na prática, porém, tende a favorecer a burocracia partidária, que terá um enorme poder de excluir dissidências. Será praticamente impossível a um parlamentar que mantenha divergências internas com a cúpula partidária conseguir um lugar na lista que lhe permita voltar ao mandato, na medida em que sua votação individual deixa de contar a seu favor, mas passa a somar um "coletivo" de votos que vai favorecer os ungidos pelas direções partidárias guindados aos primeiros lugares da lista. No caso do PT, a vigência das listas fechadas tende a favorecer uma estrutura onde a burocracia partidária já tem enorme peso e a reduzir mais ainda a democracia interna.
O financiamento público exclusivo é outra questão polêmica. É, de fato, uma crítica fácil a de que os políticos não fazem jus ao dinheiro público, e que portanto eles que se virem com o financiamento privado. Mas apenas isso. Bater nessa tecla significa andar em círculos: como teoricamente o político não merece o financiamento público, ele deve procurar o financiador privado; e ele é intrinsecamente corrupto, segundo esse entendimento, porque se financia privadamente. A discussão aqui deve ser outra. As regras devem ser claras e o eleitor tem que fiscalizar o cumprimento delas - a referência da corrupção ou não deve ser a lei, e não prevalecer o senso comum de que todo financiamento público ou privado favorece a corrupção. Nesse debate, deve se levar em conta as experiências passadas. Durante a ditadura, e até o impeachment do presidente Fernando Collor, o financiamento era teoricamente público - mas financiava-se privadamente o caixa dois, com toda a corrupção que isso representou. O financiamento privado foi instituído como uma forma de "legalizar" as contribuições de pessoas físicas e jurídicas a campanhas, no pressuposto de que, se elas eram inevitáveis, melhor que fossem feitas à luz do dia.
O mensalão não foi o único caso, mas uma evidência escandalosa de que o caixa dois continuou convivendo com a mudança de legislação. E de que, seja público ou privado, o financiamento de campanha deve ser, sobretudo, objeto de fiscalização permanente. O poder econômico, isso é reconhecido pela lei e pela jurisprudência, desequilibra o jogo eleitoral e neutraliza qualquer medida que pretenda zelar pelo equilíbrio da disputa.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O governo encaminhou ao Legislativo uma proposta de reforma política que nas questões da fidelidade partidária e da cláusula de barreira fica no meio do caminho das decisões tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a lei atual, mas está longe de ser uma solução de conciliação entre as liberalidades pretendidas por parcela dos partidos representados no Congresso e os rigores instituídos por decisões das cortes superiores de Justiça. Ao propor as eleições proporcionais por listas partidárias e o financiamento público de campanha exclusivo, o governo Lula se mete em questões polêmicas que, segundo o exemplo das tentativas anteriores de mudar estruturalmente as regras eleitorais, inviabilizam o entendimento entre os partidos, dada a divergência de interesses que essas questões encerram.
A mais polêmica proposta do governo talvez seja a que institui a lista fechada para as votações proporcionais. Por essa proposta, nas eleições para deputados estaduais e federais e vereadores, os partidos apresentam ao eleitor uma lista de candidatos cuja ordem é definida em convenção.
A proporção de votos que a lista tiver corresponderá ao número de parlamentares a que o partido tem direito - e serão eleitos os primeiros da lista, até que se complete o número de parlamentares correspondente aos votos obtidos. Por exemplo, se o PMDB tiver 20% dos votos a deputado federal num Estado com direito a 10 parlamentares, serão considerados deputados os dois primeiros nomes de sua lista escolhida pela convenção. Os deputados estaduais, os deputados federais e os vereadores não mais disputarão individualmente o voto e será o partido, em última instância, a definir quem será eleito.
Teoricamente, essa proposta acaba com o personalismo e valoriza não apenas o voto partidário, mas reafirma o conceito consagrado pelo STF de que o voto pertence ao partido, não ao candidato. Na prática, porém, tende a favorecer a burocracia partidária, que terá um enorme poder de excluir dissidências. Será praticamente impossível a um parlamentar que mantenha divergências internas com a cúpula partidária conseguir um lugar na lista que lhe permita voltar ao mandato, na medida em que sua votação individual deixa de contar a seu favor, mas passa a somar um "coletivo" de votos que vai favorecer os ungidos pelas direções partidárias guindados aos primeiros lugares da lista. No caso do PT, a vigência das listas fechadas tende a favorecer uma estrutura onde a burocracia partidária já tem enorme peso e a reduzir mais ainda a democracia interna.
O financiamento público exclusivo é outra questão polêmica. É, de fato, uma crítica fácil a de que os políticos não fazem jus ao dinheiro público, e que portanto eles que se virem com o financiamento privado. Mas apenas isso. Bater nessa tecla significa andar em círculos: como teoricamente o político não merece o financiamento público, ele deve procurar o financiador privado; e ele é intrinsecamente corrupto, segundo esse entendimento, porque se financia privadamente. A discussão aqui deve ser outra. As regras devem ser claras e o eleitor tem que fiscalizar o cumprimento delas - a referência da corrupção ou não deve ser a lei, e não prevalecer o senso comum de que todo financiamento público ou privado favorece a corrupção. Nesse debate, deve se levar em conta as experiências passadas. Durante a ditadura, e até o impeachment do presidente Fernando Collor, o financiamento era teoricamente público - mas financiava-se privadamente o caixa dois, com toda a corrupção que isso representou. O financiamento privado foi instituído como uma forma de "legalizar" as contribuições de pessoas físicas e jurídicas a campanhas, no pressuposto de que, se elas eram inevitáveis, melhor que fossem feitas à luz do dia.
O mensalão não foi o único caso, mas uma evidência escandalosa de que o caixa dois continuou convivendo com a mudança de legislação. E de que, seja público ou privado, o financiamento de campanha deve ser, sobretudo, objeto de fiscalização permanente. O poder econômico, isso é reconhecido pela lei e pela jurisprudência, desequilibra o jogo eleitoral e neutraliza qualquer medida que pretenda zelar pelo equilíbrio da disputa.
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