Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
DENVER, Colorado. Os planos do democrata Barack Obama para a América Latina, divulgados durante a convenção aqui em Denver em entrevistas de assessores e através de documentos, não parecem conter grandes novidades nem anunciar mudanças substantivas, na opinião de dois especialistas, a professora da Universidade do Novo México Kathryn Hochstetler, cientista política especializada em América Latina, e o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa. Ambos consideram que, até o momento, nenhum dos candidatos surgiu com propostas concretas para a América Latina e não acreditam que elas surgirão. "Suas políticas parecem ser derivadas de posições genéricas, tanto domésticas quanto internacionais", comenta Kathryn Hochstetler.
Na questão do etanol, por exemplo, a relutância de Obama em cortar os subsídios aos produtores locais e a taxação ao produto brasileiro tem duas origens, segundo a professora: ele é senador por um estado agrícola, Illinois, e terá que tomar medidas protecionistas se pretende receber os votos dos trabalhadores que apoiaram Hillary Clinton em alguns estados nas primárias.
A idéia de uma nova Aliança para o Progresso tem a ver com a tentativa de Obama se comparar com John Kennedy e também bate com sua orientação geral sobre política externa, que é de volta ao multilateralismo e busca de pontos de interesses comuns com os aliados.
No entanto, a professora Hochstetler acha que ele terá muitas dificuldades para colocar em prática as idéias, porque herdará um país fraco economicamente, com altos déficits orçamentários e despesas obrigatórias como as guerras do Iraque e do Afeganistão.
"O público americano também se fechou em um isolacionismo e não é muito entusiasmado com a idéia de resolver o problema de outros países quando há tantos problemas internos", comenta.
A única chance de mudar esse panorama pessimista seria aproveitar planos existentes no Congresso de revisão dos programas de ajuda externa dos Estados Unidos e conseguir realocar recursos, "mas não creio que isso gerará dinheiro suficiente para grandes mudanças", lamenta a cientista política.
Também Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp não crê que vá haver mudanças fundamentais nas relações do futuro governo norte-americano com a América Latina. "A região simplesmente não está na tela dos radares dos formuladores de decisões em Washington", diz.
As razões seriam várias: a América Latina não é ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, não tem armas nucleares nem terrorismo e não é uma área com grandes atrativos econômico-comerciais para as empresas americanas, que olham para outras regiões.
Além disso, ressalta Barbosa, a política externa dos EUA, nos primeiros anos do próximo governo estará às voltas com outras grandes prioridades: guerra do Iraque e Afeganistão, conflito no Oriente Médio entre Palestina e Israel, a nova Rússia, a crescente presença da China, a crise financeira internacional.
Para Rubens Barbosa, tirando os artigos de Barack Obama e de John McCain na "Foreign Affairs", sem nada de novo de cada um dos candidatos sobre a América Latina, tudo o que se lê sobre o pensamento dos dois sobre a região é atribuído a assessores. Ele se refere à entrevista dada pelo assessor para América Latina Daniel Restrepo, que menciona que haverá uma nova atitude em relação à região, destacando os seguintes pontos:
- Política ativa em relação à Venezuela e a Cuba. Estabelecer um diálogo com as lideranças dos dois países;
- O que é bom para os povos das Américas é bom para os EUA, que tem de ser um sócio e não um salvador;
- Ocupar o espaço vazio que Bush deixou na região e que permitiu o avanço da Venezuela;
oferecer uma outra visão e outra relação com todos os países do continente.
- Deixar de influir nas eleições: aceitar quem ganhar, mas buscar aperfeiçoar as democracias;
- Venezuela: falar diretamente com Chávez, no momento e no lugar escolhido por Obama;
-- Cuba: levantar gradualmente as sanções e reunir com as lideranças do país. Normalização das relações;
- Colômbia: Acordo de Livre Comércio;
- Criação de um fórum mundial de energia com o Brasil, México, os países do G-8, entres outras nações.
Rubens Barbosa considera "tudo muito genérico". "Eles não têm um pensamento claro. Alguma novidade sempre haverá, pois vai ser difícil superar o Bush em termos de platitudes em relação à região". Ele concorda que o Congresso, que continuará a ser controlado pelos democratas, seguirá protecionista em matéria de comércio exterior e dificilmente aprovará qualquer medida de abertura comercial proposta pelo futuro presidente.
"O cenário internacional não abre espaço para uma agenda de reforma das instituições multilaterais, em especial nas Nações Unidas", porque o interesse nacional dos EUA não mudará "nem drástica, nem rapidamente, e é isso que vai determinar a posição dos EUA", lamenta.
De nosso lado, Barbosa considera que "parece piada, se não fosse trágica," a decisão dos governos de instruir seus embaixadores em Washington, inclusive a Venezuela, a entregar uma carta a Obama para falar de Mercosul.
Para ele, o que de mais importante vai ocorrer na política externa dos EUA para a região, se Obama vencer, será a gradual normalização das relações com Cuba.
Na opinião do ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa, o continuado alheamento dos EUA na região é bom para o Brasil, que tem mais liberdade de ação. E para a China, que já é o segundo parceiro comercial de muitos países sul-americanos, inclusive o Brasil.
DEU EM O GLOBO
DENVER, Colorado. Os planos do democrata Barack Obama para a América Latina, divulgados durante a convenção aqui em Denver em entrevistas de assessores e através de documentos, não parecem conter grandes novidades nem anunciar mudanças substantivas, na opinião de dois especialistas, a professora da Universidade do Novo México Kathryn Hochstetler, cientista política especializada em América Latina, e o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa. Ambos consideram que, até o momento, nenhum dos candidatos surgiu com propostas concretas para a América Latina e não acreditam que elas surgirão. "Suas políticas parecem ser derivadas de posições genéricas, tanto domésticas quanto internacionais", comenta Kathryn Hochstetler.
Na questão do etanol, por exemplo, a relutância de Obama em cortar os subsídios aos produtores locais e a taxação ao produto brasileiro tem duas origens, segundo a professora: ele é senador por um estado agrícola, Illinois, e terá que tomar medidas protecionistas se pretende receber os votos dos trabalhadores que apoiaram Hillary Clinton em alguns estados nas primárias.
A idéia de uma nova Aliança para o Progresso tem a ver com a tentativa de Obama se comparar com John Kennedy e também bate com sua orientação geral sobre política externa, que é de volta ao multilateralismo e busca de pontos de interesses comuns com os aliados.
No entanto, a professora Hochstetler acha que ele terá muitas dificuldades para colocar em prática as idéias, porque herdará um país fraco economicamente, com altos déficits orçamentários e despesas obrigatórias como as guerras do Iraque e do Afeganistão.
"O público americano também se fechou em um isolacionismo e não é muito entusiasmado com a idéia de resolver o problema de outros países quando há tantos problemas internos", comenta.
A única chance de mudar esse panorama pessimista seria aproveitar planos existentes no Congresso de revisão dos programas de ajuda externa dos Estados Unidos e conseguir realocar recursos, "mas não creio que isso gerará dinheiro suficiente para grandes mudanças", lamenta a cientista política.
Também Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp não crê que vá haver mudanças fundamentais nas relações do futuro governo norte-americano com a América Latina. "A região simplesmente não está na tela dos radares dos formuladores de decisões em Washington", diz.
As razões seriam várias: a América Latina não é ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, não tem armas nucleares nem terrorismo e não é uma área com grandes atrativos econômico-comerciais para as empresas americanas, que olham para outras regiões.
Além disso, ressalta Barbosa, a política externa dos EUA, nos primeiros anos do próximo governo estará às voltas com outras grandes prioridades: guerra do Iraque e Afeganistão, conflito no Oriente Médio entre Palestina e Israel, a nova Rússia, a crescente presença da China, a crise financeira internacional.
Para Rubens Barbosa, tirando os artigos de Barack Obama e de John McCain na "Foreign Affairs", sem nada de novo de cada um dos candidatos sobre a América Latina, tudo o que se lê sobre o pensamento dos dois sobre a região é atribuído a assessores. Ele se refere à entrevista dada pelo assessor para América Latina Daniel Restrepo, que menciona que haverá uma nova atitude em relação à região, destacando os seguintes pontos:
- Política ativa em relação à Venezuela e a Cuba. Estabelecer um diálogo com as lideranças dos dois países;
- O que é bom para os povos das Américas é bom para os EUA, que tem de ser um sócio e não um salvador;
- Ocupar o espaço vazio que Bush deixou na região e que permitiu o avanço da Venezuela;
oferecer uma outra visão e outra relação com todos os países do continente.
- Deixar de influir nas eleições: aceitar quem ganhar, mas buscar aperfeiçoar as democracias;
- Venezuela: falar diretamente com Chávez, no momento e no lugar escolhido por Obama;
-- Cuba: levantar gradualmente as sanções e reunir com as lideranças do país. Normalização das relações;
- Colômbia: Acordo de Livre Comércio;
- Criação de um fórum mundial de energia com o Brasil, México, os países do G-8, entres outras nações.
Rubens Barbosa considera "tudo muito genérico". "Eles não têm um pensamento claro. Alguma novidade sempre haverá, pois vai ser difícil superar o Bush em termos de platitudes em relação à região". Ele concorda que o Congresso, que continuará a ser controlado pelos democratas, seguirá protecionista em matéria de comércio exterior e dificilmente aprovará qualquer medida de abertura comercial proposta pelo futuro presidente.
"O cenário internacional não abre espaço para uma agenda de reforma das instituições multilaterais, em especial nas Nações Unidas", porque o interesse nacional dos EUA não mudará "nem drástica, nem rapidamente, e é isso que vai determinar a posição dos EUA", lamenta.
De nosso lado, Barbosa considera que "parece piada, se não fosse trágica," a decisão dos governos de instruir seus embaixadores em Washington, inclusive a Venezuela, a entregar uma carta a Obama para falar de Mercosul.
Para ele, o que de mais importante vai ocorrer na política externa dos EUA para a região, se Obama vencer, será a gradual normalização das relações com Cuba.
Na opinião do ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa, o continuado alheamento dos EUA na região é bom para o Brasil, que tem mais liberdade de ação. E para a China, que já é o segundo parceiro comercial de muitos países sul-americanos, inclusive o Brasil.
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