sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Entre a Argentina e a Venezuela


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A primeira imagem da sucessão de 2010 será produzida na próxima terça-feira, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará na plataforma P-34, no Campo de Jubarte, na altura do Espírito Santo, para a primeira extração da camada do pré-sal.

O debate mal começou e já traz latente o risco de que se promova uma nova "argentinização" da sucessão presidencial, a exemplo daquela que marcou a campanha de 2002. Desta vez, são as vítimas que ensaiam o papel de algozes.

Na convenção tucana que sagrou o atual governador de São Paulo, José Serra (PSDB), candidato à Presidência da República, em junho de 2002, tocou o seguinte jingle: "Quero Serra, porque o Brasil quer mais. Avançar, melhorar, corrigir. O que eu conquistei, não vou jogar para cima. Com todo o respeito, não vou ser outra Argentina".

Oito anos depois, há muitos candidatos ao papel de Argentina, a começar pela Venezuela, país que nada em petróleo enquanto sua população se afoga na pobreza. É pouco provável que Lula, tantas vezes acusado de chavismo, o faça abertamente, mas não há dúvidas de que o presidente usará seu prestígio popular para convencer o eleitorado de que aquele a quem ungir candidato terá mais legitimidade para usar os recursos do pré-sal em seu benefício. Apenas no mês de agosto, o tema foi tratado em cinco discursos oficiais:

"Na hora em que a gente for buscá-lo (o petróleo), precisaremos nos lembrar do seguinte: este país tem uma dívida histórica com a educação do seu povo. Este país tem uma dívida histórica com os pobres, que não são poucos" (Inauguração da expansão da Alunorte, 14/08).

"Acho que Jesus Cristo, passando pelo Brasil, deve ter parado em uma plataforma ali perto da Bacia de Campos, e falado: "Eu vou ajudar esses meninos um pouquinho. Vou jogar um pré-sal, um petróleo mais fundo, para eles terem mais trabalho, mas eles vão buscar". A ajuda foi tão boa que nós encontramos." (Inauguração da usina de biodiesel da Petrobras em Quixadá, 20/08)

"Isso (o pré-sal) coloca o Brasil numa situação ainda mais privilegiada e com possibilidades enormes de ter um novo ciclo de crescimento, que possa durar 10, 15 ou mais anos, para a gente recuperar a quantidade de décadas que o Brasil ficou estagnado, não conseguiu crescer e só gerou desempregos". (Inauguração do terminal de regaiseficação de gás natural liquefeito, São Gonçalo do Amarante, 20/08)

"Esse petróleo é de 190 milhões de brasileiros, e nós vamos fazer valer a idéia de que ele é nosso. Daí porque eu disse que nós temos que utilizar esse petróleo para resolver um problema crônico de investimento na educação do nosso povo, para tirá-lo do atraso de 50 anos a que foi submetido. Ao mesmo tempo, utilizar uma parte desse dinheiro para resolver o problema dos miseráveis deste país, das pessoas que ainda não conquistaram sua cidadania. Já começou a melhorar". (20º aniversário da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, Brasília, 21/08)

O risco da mistificação no debate do pré-sal

"O pré-sal é um passaporte para o futuro e sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações e o combate à pobreza". (Reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Brasília, 28/08)

A proposta para o pré-sal que está sendo gestada por comissão interministerial ficará para depois das eleições municipais. É também a partir das urnas apuradas que os partidos começam a medir forças para a sucessão presidencial. É inevitável, portanto, que a discussão do pré-sal, desde a forma de exploração até a destinação da receita, coincida com a campanha presidencial.

A candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, cai como uma luva para esta plataforma de campanha. É egressa do setor energético, já ocupou a pasta das Minas e Energia, e capitaneou no governo a bem sucedida concessão das rodovias federais, sempre citada pelo presidente como exemplo de contrato privado em benefício do interesse público. Não por acaso, comanda a tal comissão interministerial.

O governador Marcelo Deda (PT), do Sergipe, um dos Estados banhados por royalties do petróleo, acha inevitável a coincidência. "São riscos inevitáveis da democracia. Teremos que decidir entre arquivar um debate estratégico ou arquivar as eleições?".

Lembra o lançamento do Real, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assinou a cédula da nova moeda em pleno ano eleitoral. "Isso nos levou equivocadamente a enfrentar o Real", diz. "Feliz o país que pode escolher seus governantes sob uma perspectiva de riqueza e não de escassez".

O debate em torno da apropriação da receita dos novos campos de petróleo não pode ofuscar a discussão sobre como conseguir os recursos para tirar o óleo de 7 mil metros abaixo do fundo do mar. Mas não dá para colocá-las em redomas de vidro como se a política e a economia regessem interesses independentes.

A perspectiva de uma sucessão dominada pelas opções de desenvolvimento de um país que enriquecerá é mais alvissareira do que a a toada do mensalão que embalou a de 2006. Se é pedir demais que vítimas e algozes da mistificação do debate político desta vez se entendam em torno de uma campanha mais madura, resta apostar que o eleitor, nessas maratonas bienais a que é submetido, tem aprendido a identificar o interesse público nas artimanhas da disputa pelo poder.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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