DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
As empresas estatais desempenharam um importante papel na evolução da economia brasileira no pós 2.ª Guerra Mundial. Essas empresas emergiram, quase sempre de forma pragmática, no bojo de diversos ciclos de expansão, visando a complementar a produção de bens e serviços em setores intensivos de tecnologia, ou de baixa rentabilidade privada no médio prazo, ou com grande margem de risco para os volumosos investimentos. Essa produção se tornou indispensável para a continuidade do processo de acumulação, por causa de dificuldades de importação em situações de crise no balanço de pagamentos.
A crise econômica brasileira dos anos 1980 afetou profundamente as empresas de propriedade do governo, especialmente os grupos que estavam executando grandes projetos de investimento. A interrupção dos fluxos de capitais externos para o Brasil suprimiu a principal fonte de financiamento dessas empresas, prorrogando os cronogramas físicos dos projetos, aumentando os seus custos e, ainda, adiando a entrada das receitas esperadas nos seus fluxos de caixa. Assim, as perspectivas de expansão das empresas estatais eram desfavoráveis pelo lado de suas fontes de financiamento, uma vez que, no início dos anos 1990, havia também se esgotado a poupança pública, ou seja, a capacidade de autofinanciamento do seu controlador.
Enormes dificuldades surgiram, igualmente, para uma gestão eficiente e eficaz das empresas públicas a partir da segunda metade dos anos 1980. As razões do relativo insucesso no desempenho econômico e financeiro de muitas empresas estatais se encontram em variados aspectos: a partilha político-partidária no recrutamento dos seus quadros técnicos e gerenciais; a indefinição de seus objetivos e de sua própria missão institucional; a estrutura organizacional precariamente estabelecida; a desprofissionalização da alta direção; etc.
Além do mais, as empresas estatais sempre desempenharam funções múltiplas no Brasil: de um lado, eram unidades produtivas que exigiam resultados financeiros positivos; do outro lado, eram unidades organizacionais às quais o Estado atribuía papéis na execução das políticas públicas. Entre estes papéis se destacam: o controle de tarifas e preços para reduzir as taxas inflacionárias; a participação acionária em projetos pioneiros; a localização em áreas deprimidas para atenuar desequilíbrios regionais de desenvolvimento; etc. Isso resultava, em geral, na redução da lucratividade financeira necessária para suas reinversões.
Assim, esse fraco desempenho econômico das empresas estatais e a impossibilidade de maiores transferências de recursos pelo governo, por causa de sua própria fragilidade financeira, trouxeram a necessidade de iniciar um processo de privatização, acompanhando a tendência mundial de uma menor intervenção governamental na economia.
O processo de privatização no Brasil passou por diferentes fases. Iniciou-se, timidamente, nos anos 1980, com as vendas das empresas privadas que vieram, circunstancialmente, para o controle dos bancos oficiais: de 1985 a 1989, 13 empresas foram vendidas na primeira fase do programa de privatização, atingindo um valor total de US$ 1 bilhão. A segunda fase começou em 1990, com maior intensidade, reforçada por uma lei do Congresso, incluindo grandes empresas não consideradas como monopólios constitucionais, nos setores de aço, petroquímico e fertilizantes. A partir de 1994, o processo de privatização se acelerou no País, apoiado pela quebra desses monopólios, e avançou nos segmentos das telecomunicações, de energia, dos bancos estaduais, etc.
Em alguns setores estratégicos, as privatizações foram acompanhadas da organização de agências regulatórias que visam a defender o interesse público junto aos novos controladores nas suas decisões operacionais e estratégicas. Essas agências se encontram numa etapa de aprendizagem para a melhoria do seu desempenho institucional, correndo o risco de serem capturadas pelos interesses privados que visam a regulamentar.
É evidente que transformações profundas e relativamente rápidas no desmonte do setor produtivo estatal nos anos 1990 resultariam em que alguns processos de privatizações se tornassem mais bem-sucedidos do que outros, tanto em termos do processo em si (estratégias de valorização de ativos, grau de transparência, nível de confiança da opinião pública, comunicação social, etc.) quanto em relação às consequências do processo para o bem-estar da população (imposição de condicionalidades quanto a novos investimentos, à qualidade de serviços, à precificação e seus efeitos distributivos, etc., para os novos controladores privados).
Mesmo considerando que essa metamorfose das empresas estatais se deu com muitos acertos e alguns desacertos, o balanço geral das privatizações no Brasil é extremamente positivo, do ponto de vista macroeconômico e do ponto de vista microeconômico.
As empresas privatizadas deixaram de pressionar os déficits fiscais pela redução das necessidades de financiamento, contribuíram para a retomada dos investimentos em setores estratégicos e trouxeram saldos positivos para os superávits primários do setor público consolidado e para o saldo das transações correntes nas contas externas.
Da mesma forma, adotaram estratégias empresariais e novas técnicas de gestão, a coordenação mais eficaz de suas cadeias produtivas, a substituição de processos produtivos ultrapassados pela nova geração de inovações das tecnologias de informação, assim como a autonomia e a flexibilidade de seus processos decisórios, contribuindo de maneira inequívoca para um aumento generalizado dos níveis de competitividade sistêmica nos setores e ramos industriais de sua atuação.
O ciclo das grandes privatizações setoriais praticamente se esgotou. Ficaram as experiências geralmente bem-sucedidas do passado, que, entretanto, não podem ser reavaliadas apenas por argumentos historicamente descontextualizados e doutrinariamente superados no Brasil contemporâneo.
Professor do IBMEC/MG, foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco
As empresas estatais desempenharam um importante papel na evolução da economia brasileira no pós 2.ª Guerra Mundial. Essas empresas emergiram, quase sempre de forma pragmática, no bojo de diversos ciclos de expansão, visando a complementar a produção de bens e serviços em setores intensivos de tecnologia, ou de baixa rentabilidade privada no médio prazo, ou com grande margem de risco para os volumosos investimentos. Essa produção se tornou indispensável para a continuidade do processo de acumulação, por causa de dificuldades de importação em situações de crise no balanço de pagamentos.
A crise econômica brasileira dos anos 1980 afetou profundamente as empresas de propriedade do governo, especialmente os grupos que estavam executando grandes projetos de investimento. A interrupção dos fluxos de capitais externos para o Brasil suprimiu a principal fonte de financiamento dessas empresas, prorrogando os cronogramas físicos dos projetos, aumentando os seus custos e, ainda, adiando a entrada das receitas esperadas nos seus fluxos de caixa. Assim, as perspectivas de expansão das empresas estatais eram desfavoráveis pelo lado de suas fontes de financiamento, uma vez que, no início dos anos 1990, havia também se esgotado a poupança pública, ou seja, a capacidade de autofinanciamento do seu controlador.
Enormes dificuldades surgiram, igualmente, para uma gestão eficiente e eficaz das empresas públicas a partir da segunda metade dos anos 1980. As razões do relativo insucesso no desempenho econômico e financeiro de muitas empresas estatais se encontram em variados aspectos: a partilha político-partidária no recrutamento dos seus quadros técnicos e gerenciais; a indefinição de seus objetivos e de sua própria missão institucional; a estrutura organizacional precariamente estabelecida; a desprofissionalização da alta direção; etc.
Além do mais, as empresas estatais sempre desempenharam funções múltiplas no Brasil: de um lado, eram unidades produtivas que exigiam resultados financeiros positivos; do outro lado, eram unidades organizacionais às quais o Estado atribuía papéis na execução das políticas públicas. Entre estes papéis se destacam: o controle de tarifas e preços para reduzir as taxas inflacionárias; a participação acionária em projetos pioneiros; a localização em áreas deprimidas para atenuar desequilíbrios regionais de desenvolvimento; etc. Isso resultava, em geral, na redução da lucratividade financeira necessária para suas reinversões.
Assim, esse fraco desempenho econômico das empresas estatais e a impossibilidade de maiores transferências de recursos pelo governo, por causa de sua própria fragilidade financeira, trouxeram a necessidade de iniciar um processo de privatização, acompanhando a tendência mundial de uma menor intervenção governamental na economia.
O processo de privatização no Brasil passou por diferentes fases. Iniciou-se, timidamente, nos anos 1980, com as vendas das empresas privadas que vieram, circunstancialmente, para o controle dos bancos oficiais: de 1985 a 1989, 13 empresas foram vendidas na primeira fase do programa de privatização, atingindo um valor total de US$ 1 bilhão. A segunda fase começou em 1990, com maior intensidade, reforçada por uma lei do Congresso, incluindo grandes empresas não consideradas como monopólios constitucionais, nos setores de aço, petroquímico e fertilizantes. A partir de 1994, o processo de privatização se acelerou no País, apoiado pela quebra desses monopólios, e avançou nos segmentos das telecomunicações, de energia, dos bancos estaduais, etc.
Em alguns setores estratégicos, as privatizações foram acompanhadas da organização de agências regulatórias que visam a defender o interesse público junto aos novos controladores nas suas decisões operacionais e estratégicas. Essas agências se encontram numa etapa de aprendizagem para a melhoria do seu desempenho institucional, correndo o risco de serem capturadas pelos interesses privados que visam a regulamentar.
É evidente que transformações profundas e relativamente rápidas no desmonte do setor produtivo estatal nos anos 1990 resultariam em que alguns processos de privatizações se tornassem mais bem-sucedidos do que outros, tanto em termos do processo em si (estratégias de valorização de ativos, grau de transparência, nível de confiança da opinião pública, comunicação social, etc.) quanto em relação às consequências do processo para o bem-estar da população (imposição de condicionalidades quanto a novos investimentos, à qualidade de serviços, à precificação e seus efeitos distributivos, etc., para os novos controladores privados).
Mesmo considerando que essa metamorfose das empresas estatais se deu com muitos acertos e alguns desacertos, o balanço geral das privatizações no Brasil é extremamente positivo, do ponto de vista macroeconômico e do ponto de vista microeconômico.
As empresas privatizadas deixaram de pressionar os déficits fiscais pela redução das necessidades de financiamento, contribuíram para a retomada dos investimentos em setores estratégicos e trouxeram saldos positivos para os superávits primários do setor público consolidado e para o saldo das transações correntes nas contas externas.
Da mesma forma, adotaram estratégias empresariais e novas técnicas de gestão, a coordenação mais eficaz de suas cadeias produtivas, a substituição de processos produtivos ultrapassados pela nova geração de inovações das tecnologias de informação, assim como a autonomia e a flexibilidade de seus processos decisórios, contribuindo de maneira inequívoca para um aumento generalizado dos níveis de competitividade sistêmica nos setores e ramos industriais de sua atuação.
O ciclo das grandes privatizações setoriais praticamente se esgotou. Ficaram as experiências geralmente bem-sucedidas do passado, que, entretanto, não podem ser reavaliadas apenas por argumentos historicamente descontextualizados e doutrinariamente superados no Brasil contemporâneo.
Professor do IBMEC/MG, foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco
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