quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dois pesos:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O real se valorizou 107% sobre o dólar durante o governo Lula. Isso ajudou a manter a inflação baixa e aumentar a capacidade de compra do consumidor, mas é um problema para empresários e governo. O dólar vai cair mais com as novas decisões do Fed. O boom de gasto do governo elevou o crescimento do PIB, mas é ameaça ao equilíbrio fiscal. O que ajudou a eleição de Dilma Rousseff virou risco.

O novo governo terá problemas fiscais e cambiais à frente. Um dos desafios urgentes da presidente Dilma será escapar da armadilha da liquidez mundial que pode, como avisou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, produzir bolhas de crédito, de imóveis e ações nos emergentes.

Desde o início da crise, o Fed, banco central americano, tem inundado a economia de dólares através de emissão de moeda para socorrer bancos, empresas imobiliárias, automobilísticas e os devedores de hipotecas. A base monetária saltou de cerca de US$ 800 bilhões para US$ 2,3 trilhões (vejam no gráfico).

Ao mesmo tempo, a taxa de juros caiu de 5,25%, em meados de 2007, para uma faixa entre zero e 0,25%, agora. E o banco central americano prepara um outro tsunami monetário que os economistas chamam de relaxamento quantitativo.

Na área cambial, o fantasma que assombra a nova presidente é o lado oposto da moeda que assustou o presidente Lula.

Na eleição de Lula, o dólar chegou perto de R$ 4,00.

Parecia não ter teto. Hoje, está em R$ 1,70 e descendo.

Parece não ter piso.

Depois que as decisões do governo Lula no início do mandato acalmaram o mercado, o dólar corrigiu os excessos, mas aí veio o boom das commodities que aumentou muito o saldo comercial brasileiro. Isso, somado à onda de liquidez e aos juros altíssimos aqui, trouxe mais dólares ao Brasil.

Em 2005, o medo do Lula já tinha acabado, o dólar já tinha caído. Mesmo assim, de lá para cá o real já se valorizou mais de 60% em relação ao dólar.

A crise alimentou uma nova onda de liquidez que está invadindo as economias emergentes e o Brasil é um dos maiores alvos. Se em 2003 bastou o compromisso com a manutenção da estabilidade e da austeridade fiscal para lutar contra a desvalorização do real, agora a briga não é nada trivial.

Primeiro, o Brasil não controla parte das variáveis porque elas têm a ver com a política monetária de outros países. Segundo, de certa forma o governo se beneficia dessa alta da moeda. A queda do dólar tem um efeito deflacionista.

Produtos importados entram a preços mais baixos derrubando preços locais.

Um empresário me contou recentemente que produz uma máquina de produzir embalagens de plástico que custa R$ 80.000. A similar importada custa US$ 15.000.

Ele está revendo os custos para conseguir competir. Inúmeras empresas estão fazendo isso na área de bens de consumo e isso torna os preços mais baixos. As empresas que competem diretamente com o produto estrangeiro reclamam; as que importam componentes gostam, as que vivem de importar gostam mais ainda. O consumidor vai às compras.

Fica feliz e vota no governo.

Bom, agora é a hora de, passada a festa, corrigir os excessos. Mas como? O IOF mais alto não resolveu o problema. Controlar o câmbio seria abandonar um dos pés do tripé.

O outro pé do tripé, o superávit primário, tem sido abandonado aos poucos. Este ano, para garantir a eleição, o governo ampliou os gastos. E já tem aumentos previstos de salários de funcionários até 2012. A gastança ajudou também a pavimentar o caminho da vitória. Na campanha, a presidente eleita prometeu reduzir impostos, desonerar a folha e os investimentos.

Para cortar impostos sem perder arrecadação, só uma reforma tributária. Algumas medidas podem tirar receita dos estados. O modelo de exploração do petróleo do pré-sal tirará bilhões dos estados produtores, entre eles, Rio de Janeiro e Espírito Santo, governados por aliados.

Reforma tributária exige negociação com os governos estaduais. O PSDB foi o partido que mais vitórias teve: governará oito estados, e juntos eles representam 54% do PIB brasileiro.

Não há desafio simples no caminho da nova presidente.

O ideal é que ela aproveite a lua-de-mel para fazer um ajuste fiscal. Isso ajudará a enfrentar os dois desafios.

O problema: ela recusou, na campanha, que faria ajuste fiscal.

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