DEU NO VALOR ECONÔMICO
O que Lula certamente quer, Dilma constitucionalmente não lhe pode dar: o aerolula, a criadagem, o rapapé internacional, a bajulação dos parlamentares e governadores, a execução cega de suas ordens pelos subordinados, os prazeres e o poder do poder. O desconforto de Lula com a iminente saída do governo é um fato e só proporcional à volúpia com que usufruiu, nos últimos anos, a sua circunstância.
O hipótetico desejo de permanecer nas rédeas da aliança política que consolidou, porém, existe e não é inalcançável, dada a proximidade da sua volta à cena, em 2014. Os políticos são sabidos e pragmáticos, perscrutam sempre o mandato seguinte.
Lula não vai ficar por aí dando palestra, porque não é disso. Ele manterá contato com governadores, presidentes de partidos, as maiorias que formou no Congresso, empresários, instituições privadas, com o objetivo de coordenar algumas ações. A mais imediata é a reforma política, inclusive porque não depende de governo e poderá trabalhar nela sem interferir na presidência de Dilma, acredita o presidente.
Isto não significa que Lula e Dilma trabalharão afastados. Ela não vai fazer tudo o que ele quer e ele não vai pedir tudo. Indicará e discutirá a formação do governo, pedirá manutenção do emprego de quem se sente protetor, mas não vai impor. Já se falou que Lula sugeriu a permanência do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Mas, agora, começaram a exagerar: diz-se que vai pedir, ou já pediu, também por Nelson Jobim (Defesa) e Fernando Haddad (Educação). Sobre Jobim, por mais que um dirigente do staff da presidente eleita tenha considerado absurdo cogitar sua nomeação porque teria dito, ao longo da campanha eleitoral, que poderia ser ministro de Dilma ou de José Serra, há um outro argumento a favor dele muito forte: o de que deu certo nesta área tão conturbada e, o mais importante, é um ministro do PMDB que já vem selecionado, sem riscos.
Quanto a Haddad, lembra-se no grupo de transição que é economista e, como tal, poderia ter qualquer outro cargo técnico no governo, portanto não se vê necessidade de deixá-lo na pasta que comanda há anos onde a nova presidente quer dar uma boa chacoalhada.
Talvez o presidente não tenha ainda feito essas encomendas, nem vá fazer. Quem conhece Dilma tem achado improváveis as listas de ministeriáveis que têm sido recitadas por assessores. Acham que o que aparece é um ministério quase idêntico ao que aí está, já desgastado, um repeteco do governo Lula, e não seria do feitio do presidente uma interferência nessa proporção.
Dilma, por exemplo, fará um Ministério com muito, mas muito mais mulheres do que as que têm sido nominadas até aqui. Para começar, um nome não comentado ainda mas é grande seu prestígio com a presidente eleita é o da presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho. Dilma gosta do trabalho que ela fez nos programas habitacionais, tem comando e deve aumentar seu espaço no novo governo.
Outra ministra muito provável é a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que perdeu a disputa da reeleição mas foi considerada por Dilma uma guerreira incansável diante de uma situação adversa em Santa Catarina, onde foi batida pela oposição. Graça Foster já foi mencionada como melhor primeira amiga, a quem pode ser destinada a Petrobras, o ministério das Minas e Energia ou até a Casa Civil. Clara Ant já está trabalhando com Dilma, Miriam Belchior também, a dupla de petistas do gabinete Lula deve ficar. Marta Suplicy, a senadora eleita, é nome possível para o governo, e Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, pode permanecer. A jornalista Helena Chagas deve ser a ministra da Comunicação, o atual, de Lula, Franklin Martins, não quer ficar.
Ser mulher é um dado; não ser candidato em 2012, é outro critério. Como Lula, Dilma deve pedir que o ministro fique os quatro anos para não haver descontinuidade do governo. Ter perdido as eleições de 2010 não será um empecilho, depende do empenho do político depois da derrota: o prestígio de Ideli é exemplo disso, como também de Aloizio Mercadante, derrotado na disputa pelo governo de São Paulo, que deve ganhar um ministério.
Lula conhece os princípios, não vai impor um repeteco de seu governo. Até porque, nessa questão, o presidente tem acurada visão crítica do que ocorreu com os vizinhos argentinos.
Contam os registros da época que a presidente Cristina Kirchner enfrentava, em 2008, uma das crises mais fortes do governo, quando tentou fazer passar no Congresso uma lei de retenção, o imposto de exportação da produção agrícola, e o campo se rebelou. O vice-presidente da República deu voto de minerva no Congresso, contra seu próprio governo. A classe média urbana ficou a favor dos ruralistas e Cristina perdeu apoio. Lula passava por lá no auge da crise e foi chamado pela presidente argentina para um café privado, conversa de aconselhamento. Queria a presidente ouvir sua opinião sobre o que fazer, devido à experiência dele com a crise do mensalão.
Lula sugeriu-lhe criar um gabinete de crise, com dois ou três ministros no máximo, para não contaminar todo o governo que, isolado do problema, não ficaria paralisado. Disse-lhe também que havia, ali, a sombra do seu marido, o ex-presidente Nestor Kirchner, situação criticada pelos opositores. Ela ainda tentou argumentar, afirmando que quando Nestor era presidente e ela senadora, também diziam que ela mandava no governo.
O fato é que Cristina Kirchner levou a sociedade conjugal à Casa Rosada. Seu marido, morto na semana passada, tinha presença até física no governo. Chegava ao Palácio antes dela e, como se fosse o mais natural do mundo, despachava os assuntos de rotina com ministros.
Argentinação, portanto, não vai haver, Lula se horrorizou com o que viu. Não se deve, porém, afastar o paralelo americano: Hillary Clinton tinha tantas ideias e acompanhava tão de perto o governo que, quando saiu candidata a presidente, chegou à campanha com um programa pronto, detalhado e em muitos aspectos já experimentado.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
O que Lula certamente quer, Dilma constitucionalmente não lhe pode dar: o aerolula, a criadagem, o rapapé internacional, a bajulação dos parlamentares e governadores, a execução cega de suas ordens pelos subordinados, os prazeres e o poder do poder. O desconforto de Lula com a iminente saída do governo é um fato e só proporcional à volúpia com que usufruiu, nos últimos anos, a sua circunstância.
O hipótetico desejo de permanecer nas rédeas da aliança política que consolidou, porém, existe e não é inalcançável, dada a proximidade da sua volta à cena, em 2014. Os políticos são sabidos e pragmáticos, perscrutam sempre o mandato seguinte.
Lula não vai ficar por aí dando palestra, porque não é disso. Ele manterá contato com governadores, presidentes de partidos, as maiorias que formou no Congresso, empresários, instituições privadas, com o objetivo de coordenar algumas ações. A mais imediata é a reforma política, inclusive porque não depende de governo e poderá trabalhar nela sem interferir na presidência de Dilma, acredita o presidente.
Isto não significa que Lula e Dilma trabalharão afastados. Ela não vai fazer tudo o que ele quer e ele não vai pedir tudo. Indicará e discutirá a formação do governo, pedirá manutenção do emprego de quem se sente protetor, mas não vai impor. Já se falou que Lula sugeriu a permanência do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Mas, agora, começaram a exagerar: diz-se que vai pedir, ou já pediu, também por Nelson Jobim (Defesa) e Fernando Haddad (Educação). Sobre Jobim, por mais que um dirigente do staff da presidente eleita tenha considerado absurdo cogitar sua nomeação porque teria dito, ao longo da campanha eleitoral, que poderia ser ministro de Dilma ou de José Serra, há um outro argumento a favor dele muito forte: o de que deu certo nesta área tão conturbada e, o mais importante, é um ministro do PMDB que já vem selecionado, sem riscos.
Quanto a Haddad, lembra-se no grupo de transição que é economista e, como tal, poderia ter qualquer outro cargo técnico no governo, portanto não se vê necessidade de deixá-lo na pasta que comanda há anos onde a nova presidente quer dar uma boa chacoalhada.
Talvez o presidente não tenha ainda feito essas encomendas, nem vá fazer. Quem conhece Dilma tem achado improváveis as listas de ministeriáveis que têm sido recitadas por assessores. Acham que o que aparece é um ministério quase idêntico ao que aí está, já desgastado, um repeteco do governo Lula, e não seria do feitio do presidente uma interferência nessa proporção.
Dilma, por exemplo, fará um Ministério com muito, mas muito mais mulheres do que as que têm sido nominadas até aqui. Para começar, um nome não comentado ainda mas é grande seu prestígio com a presidente eleita é o da presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho. Dilma gosta do trabalho que ela fez nos programas habitacionais, tem comando e deve aumentar seu espaço no novo governo.
Outra ministra muito provável é a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que perdeu a disputa da reeleição mas foi considerada por Dilma uma guerreira incansável diante de uma situação adversa em Santa Catarina, onde foi batida pela oposição. Graça Foster já foi mencionada como melhor primeira amiga, a quem pode ser destinada a Petrobras, o ministério das Minas e Energia ou até a Casa Civil. Clara Ant já está trabalhando com Dilma, Miriam Belchior também, a dupla de petistas do gabinete Lula deve ficar. Marta Suplicy, a senadora eleita, é nome possível para o governo, e Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, pode permanecer. A jornalista Helena Chagas deve ser a ministra da Comunicação, o atual, de Lula, Franklin Martins, não quer ficar.
Ser mulher é um dado; não ser candidato em 2012, é outro critério. Como Lula, Dilma deve pedir que o ministro fique os quatro anos para não haver descontinuidade do governo. Ter perdido as eleições de 2010 não será um empecilho, depende do empenho do político depois da derrota: o prestígio de Ideli é exemplo disso, como também de Aloizio Mercadante, derrotado na disputa pelo governo de São Paulo, que deve ganhar um ministério.
Lula conhece os princípios, não vai impor um repeteco de seu governo. Até porque, nessa questão, o presidente tem acurada visão crítica do que ocorreu com os vizinhos argentinos.
Contam os registros da época que a presidente Cristina Kirchner enfrentava, em 2008, uma das crises mais fortes do governo, quando tentou fazer passar no Congresso uma lei de retenção, o imposto de exportação da produção agrícola, e o campo se rebelou. O vice-presidente da República deu voto de minerva no Congresso, contra seu próprio governo. A classe média urbana ficou a favor dos ruralistas e Cristina perdeu apoio. Lula passava por lá no auge da crise e foi chamado pela presidente argentina para um café privado, conversa de aconselhamento. Queria a presidente ouvir sua opinião sobre o que fazer, devido à experiência dele com a crise do mensalão.
Lula sugeriu-lhe criar um gabinete de crise, com dois ou três ministros no máximo, para não contaminar todo o governo que, isolado do problema, não ficaria paralisado. Disse-lhe também que havia, ali, a sombra do seu marido, o ex-presidente Nestor Kirchner, situação criticada pelos opositores. Ela ainda tentou argumentar, afirmando que quando Nestor era presidente e ela senadora, também diziam que ela mandava no governo.
O fato é que Cristina Kirchner levou a sociedade conjugal à Casa Rosada. Seu marido, morto na semana passada, tinha presença até física no governo. Chegava ao Palácio antes dela e, como se fosse o mais natural do mundo, despachava os assuntos de rotina com ministros.
Argentinação, portanto, não vai haver, Lula se horrorizou com o que viu. Não se deve, porém, afastar o paralelo americano: Hillary Clinton tinha tantas ideias e acompanhava tão de perto o governo que, quando saiu candidata a presidente, chegou à campanha com um programa pronto, detalhado e em muitos aspectos já experimentado.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Nenhum comentário:
Postar um comentário