O ser humano é especialmente mal equipado quando se trata de calcular riscos. Ele tende a exagerar tudo o que parece comprometer sua segurança pessoal. Afinal, segunda vida só existe em videogame. Por isso, levanta muros, instala câmeras de segurança, prefere carros com airbag e compra armas, muitas armas.
Talvez seja a consequência de um processo de seleção natural: os precavidos foram bem sucedidos na sobrevivência e se reproduziram mais do que os espécimes com especial gosto por se arriscarem. Há 7 bilhões de razões a confirmar essa hipótese. Até por serem minoria, os valentes são motivo de admiração, tema de filme e objeto de homenagens póstumas.
Mas esse defeito de fabricação também leva o ser humano a minimizar perigos reais e a maximizar outros riscos nem tão prováveis assim. O fenômeno é especialmente complicado quando envolve a opinião pública. Dependendo de sua repercussão, um fato isolado pode desencadear um comportamento de manada que beira a histeria coletiva.
Desde a metade dos anos 90, os Estados Unidos vêm experimentando uma queda rápida e consistente na taxa de crimes violentos. A despeito dos filmes policiais de Hollywood, a percepção dos norte-americanos sobre o tema acompanhava o ritmo de queda das estatísticas criminais.
De 1992 até 2001, o porcentual daqueles que diziam que estavam acontecendo mais crimes violentos do que no ano anterior despencou de 89% para 43% da população, segundo o Gallup. Os EUA estavam ficando mais seguros e seus habitantes percebiam isso. Aí veio o 11/9.
Após os atentados terroristas, a sensação de insegurança dos norte-americanos se espalhou como gripe. E reverteu a percepção da opinião pública sobre a criminalidade no país. A partir de 2002, a cada ano mais norte-americanos começaram a dizer que os crimes violentos haviam aumentado em comparação ao ano anterior. Em 2010, essa parcela chegou a 74% da população. Ao mesmo tempo, a taxa de criminalidade violenta caiu quase pela metade.
A esse crescimento irracional de 72% na percepção da violência pelos norte-americanos, completamente desvinculado dos fatos, se pode chamar de medo genérico. Ele molda a opinião pública dos EUA não apenas na percepção da violência, mas nas consequências dessa mudança de atitude.
Entre os atentados terroristas de 11 de setembro e este ano, aumentou de 39% para 53% o porcentual dos norte-americanos que se dizem contra uma lei que proíba a venda e posse de armas semiautomáticas conhecidas como fuzis de assalto - aqueles usados por franco-atiradores malucos. A fatia dos contrários à proibição chega a 73% quando se trata da posse de armas de mão, como revólveres e pistolas. Ou seja, os fabricantes de armas lucram com o medo.
Amor e ódio. Como se vê, a realidade e sua percepção são coisas distintas. Vivem uma relação de amor e ódio, alternando momentos de união com grandes hiatos de separação. E é mais fácil dissociar uma da outra quando o assunto é segurança. Quem já passou pela experiência sabe que a percepção individual de risco aumenta enormemente após um assalto. A sensação de perigo iminente nos dias posteriores pode ser avassaladora. Uma notícia de grande impacto, ou uma sucessão delas, tem o efeito de um assalto sobre a opinião pública. Pode mudá-la profundamente.
À época da eleição de governador, a percepção era que, com as UPPs (a polícia dita pacificadora), o Estado havia retomado o controle de porções do território do Rio antes dominadas pelo crime. A imagem simbólica dessa percepção foi a cena de dezenas de traficantes em fuga na operação policial-militar de 2010. As estatísticas apontando queda dos homicídios complementaram essa percepção.
Desde então, uma juíza que punia com rigor o crime organizado no Rio de Janeiro foi assassinada por uma quadrilha de policiais, um deputado estadual ameaçado de morte dezenas de vezes anunciou que iria deixar o país e mais um jornalista foi morto enquanto retratava a violência do narcotráfico numa favela carioca.
Publicou-se também que as estatísticas policiais escondiam centenas de mortes violentas na rubrica "intenção indeterminada", na qual cadáveres com múltiplas perfurações a bala não eram classificados como vítima de homicídio porque não se podia descartar a possibilidade de a pessoa ter cometido suicídio.
Na política, a percepção é a realidade. Se um político parece honesto e competente, aumentam suas chances de se eleger - independentemente de ele ser de fato honesto e competente. Mas, às vezes, a percepção se reconcilia com a realidade. Difícil é o casamento ocorrer em ano eleitoral.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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