Uma avaliação isenta do governo da presidente Dilma Rousseff mostra resultados inegáveis no que diz respeito às relações entre moral e política. A denominada faxina ética tem dado mostras de eficácia com cinco ministros forçados a renunciar em dez meses de governo. E os cinco ministros em questão abandonaram o governo por razões éticas e, mesmo, legais, com suspeitas, em alguns casos bastante graves, de desvios de recursos públicos e/ou de corrupção.
Neste sentido, não deixa de causar espanto que muitos formadores de opinião ainda sustentem que nada mudou entre o governo anterior e o atual, sendo esse último uma mera prolongação do anterior. Basta comparar o que foi feito em relação a essa questão nos dois governos. Em um caso, foram cinco ministros em dez meses, no outro nenhum em oito anos. Pelo contrário, o ex-presidente Lula ainda afagava infratores e os instigava a resistir. Os fatos são eloquentes.
Não se trata, gostaria de salientar, de criar zizanha entre os dois presidentes, mas tão simplesmente ressaltar um fato de ordem empírico, que, enquanto tal, não deveria deixar lugar a dúvidas. Juízos morais e políticos se formam a partir de uma percepção verdadeira dos fatos. A nova presidente, de fato, neste domínio, está inovando, não pactuando com o desvio de recursos públicos e a corrupção. Só não vê quem não quer.
Ao fazê-lo, ela está dando um exemplo para o país. E exemplos são fundamentais na estruturação de uma nação, no modo mediante o qual ela se pensa e se representa. Se um governante dá como exemplo a leniência com a corrupção, torna-se, de certa maneira, "natural" que os cidadãos em geral se tornem também lenientes com os mais diferentes tipos de ilícito e de crime. Alguns passam a achar que é normal roubar, pois se os grandes o fazem é porque é permitido. A impunidade torna-se a regra. Se os governantes apresentam um outro tipo de exemplo, o freio, por assim dizer, vem de cima, mostrando que os infratores serão punidos.
Neste contexto, o exemplo da nova presidente, sim, deveria ser objeto de elogio e não de crítica, nem de reservas. Aliás, uma das reservas mais constantemente apresentadas é a de que, sendo criatura de Lula, não poderia fazer algo distinto. Não são poucos os casos históricos em que criaturas se distanciam de seu criador. No entanto, a questão é também outra, a de que uma pessoa nascida em um meio determinado não poderia dele livrar-se ou afastar-se.
Ora, se tal colocação fosse verdadeira, não poderíamos explicar como o Brasil saiu da ditadura militar por obra dos próprios militares. Não foi a esquerda armada que vez a transição, mas foram os próprios militares que criam as condições e foram, inclusive, os garantes da entrada do Brasil na democracia. Foram militares que tinham precisamente uma outra visão daquilo que tinha germinado em seu próprio meio. Ou seja, muitas vezes são aquelas próprias pessoas oriundas de um meio determinado que criam condições de saída deste.
Nesta última substituição ministerial, a do Esporte, teve-se, ademais, um ganho adicional, que também funciona a modo de exemplo, no que diz respeito ao financiamento público de ONGs. O novo ministro, Aldo Rebelo, já se manifestou contra esse financiamento público em sua pasta e, dado ser uma pessoa reconhecidamente proba e idônea, há que conceder-lhe crédito. A própria presidente, por sua vez, ordenou a suspensão de pagamentos a ONGs por 60 dias, tempo necessário para que um pente-fino seja passado nos convênios em vigor.
É bem verdade que há ONGs e ONGs, sérias e não sérias. Não é menos verdadeiro que se torna necessária uma avaliação mais criteriosa de suas formas públicas de financiamento, pois o dinheiro dos impostos, já bastante elevados em nosso país, deveria ser objeto de um emprego extremamente criterioso. De fato, é inadmissível que ONGs sejam utilizadas para o desvio de recursos dos contribuintes, em nome precisamente da causa pública. A perversão é total. A palavra "público" é apropriada para usos indevidos e ilícitos de alguns particulares.
Se, então, observarmos mais atentamente o que está ocorrendo, também poderemos verificar que estamos diante de uma reforma ministerial, que se está fazendo aos poucos, não sendo necessário aguardar por uma grande mudança. Foram seis ministros já substituídos, acrescentando o ex-ministro Jobim, que saiu por razões alheias a problemas de ordem ética.
Talvez possamos dizer que se trata do jeito dilmista de governar, com mudanças progressivas, aproveitando as ocasiões conforme vão sendo apresentadas. Poder-se-ia inclusive aventar a hipótese de que o próprio Palácio do Planalto estivesse sendo conivente com a publicização dessas denúncias, na medida em que vão sendo divulgadas pela grande mídia.
Pode-se suspeitar que a nova presidente não seja somente refém da mídia, como muitos têm destacado, mas seja ela mesma agente desse processo. Já há mesmo todo um ritual estabelecido de queda de ministros, em um cronograma preestabelecido que se desenvolve em pouquíssimas semanas, algo politicamente inaudito em nossa história recente. Aliás, o Palácio do Planalto tem ganhado, e não perdido tempo.
Claro que se pode sempre dizer que não há uma mudança estrutural, com vários esquemas sendo mantidos, com a substituição de certos personagens. Contudo, convém também esclarecer que mudanças políticas, principalmente em nosso país, são feitas gradativamente e não de uma forma abrupta. Nada se muda de um só golpe. Tudo dependerá da evolução dos acontecimentos, desta lógica da política, e de como os diferentes partidos, também os de oposição, vão se portar. O próprio PT está tendo de assimilar essas mudanças, porque elas não correspondiam ao modo lulista de governar.
Entretanto, há algo novo em curso, que deveria ser mais bem avaliado pelos distintos atores políticos.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
FONTE: O GLOBO
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