A viagem de Barack Obama foi bem sucedida. Pelos dois lados. Dilma firmou seu estilo ao chamar os ex-presidentes, ao ser objetiva nas demandas comerciais. Obama e sua família deixaram a marca do carisma e da naturalidade. O que mais se pede de uma visita de presidente? Há sempre a expectativa de fatos concretos, mas uma viagem presidencial é um gesto, uma etapa do caminho.
O ingrediente inesperado foi o presidente Obama autorizar daqui do Brasil o ataque ao arsenal aéreo de Muamar Kadafi, na Líbia. Não deixa de ser irônico o fato de que antes dos aviões americanos os Rafale franceses foram precursores da ação internacional, no momento mesmo da conversa entre a presidente Dilma e o presidente Obama. Os Rafale poderiam ter sido a opção da compra dos caças se a decisão tivesse sido tomada no ano passado, e ainda estão na disputa. Mas os Estados Unidos foram mais discretos em seu lobby a favor dos FA-18, da Boeing.
Brasil e Estados Unidos têm o problema da anemia nas relações comerciais. Eles já foram nosso principal parceiro, deixaram de ser. Nós tínhamos um superávit comercial de US$10 bilhões, há quatro anos, e temos um déficit de US$7,7 bilhões, agora. E a explicação não é apenas a crise americana. Os Estados Unidos têm déficit com a maioria dos países, e superávit com o Brasil. Poderíamos vender mais para o maior mercado do mundo, mas encontramos barreiras ou temos incapacidade de superá-las. Em parte, o encolhimento da participação do comércio bilateral é derivado da falta de agressividade da política comercial brasileira no último governo em buscar espaço no mercado americano através de acordos e promoção comercial.
Os dois países têm contenciosos antigos e deles falou a presidente Dilma: aço, suco de laranja, algodão, etanol. Cada um enfrentando do outro lado lobbies bem organizados. De todos, o lobby que barra o etanol é o mais lesivo aos interesses dos próprios americanos porque por falta de terra eles só conseguem ampliar o cultivo de milho se deslocarem outras culturas. A alta do algodão dos últimos meses foi provocado justamente por queda de área plantada.
No discurso do Teatro Municipal, cabia falar de valores comuns, como ele fez, e muito bem. Brasil e Estados Unidos são países jovens, de grande extensão territorial, de populações grandes, mas que nunca serão grandes demais - eles têm 300 milhões, nós, menos de 200 milhões -, que foram colonizados, que viveram o flagelo da escravidão, que receberam ondas de migrantes de países diferentes. Temos inúmeras semelhanças e nossas diferenças: a história racial é diferente, mas não tanto quanto dizem os que cultivam o mito da democracia racial. Por isso, o fato de ele ser negro é um impulso ao sonho de milhões de negros no Brasil.
Os princípios da independência americana estavam presentes em rebeliões do Brasil como a Inconfidência Mineira, e nos projetos de José Bonifácio para a Nação. Tivemos uma história paralela, mas preservamos nossa autonomia mesmo no mesmo continente da maior economia do mundo. Por isso, o que nos cabe agora é de fato uma parceria, onde não há júnior e sênior. Pode dispensar a atitude infantil de reafirmar a independência em gestos e desaforos quem de fato se sente independente.
Em relação ao assento no Conselho de Segurança da ONU, sua declaração foi pálida, perto da forte indicação de apoio dado à Índia. Alvaro Gribel, que trabalha aqui na coluna, é compositor. Uma de suas melhores músicas tem o título perfeito "Agradeça o apreço". Pois é, agradecemos o apreço. O mais interessante na proposta brasileira não é o desejo de fazer parte desse clube exclusivo, mas o fato de que a forma de organização do poder nas Nações Unidas já não reflete mais a divisão do poder mundial, bem mais complexo com as potências médias, a diversidade, os emergentes.
O ponto mais fraco da visita à América Latina foi sua nenhuma relação com a imprensa brasileira. Convenhamos, entrevista por escrito como ele concedeu para a "Veja" e para o "El Mercurio", do Chile, é desconsideração. Entrevista por escrito qualquer assessor pode responder, além disso, tira do repórter sua principal arma que é a segunda pergunta. Numa rápida entrevista no Chile, não disse nada que não fosse previsível.
No começo do governo George Bush, a região foi tão negligenciada que nem havia um subsecretário para assuntos latino-americanos, e o primeiro escolhido era um cubano, que via o conflito com Cuba como a grande questão da região. Por isso, muitos analistas esperaram que na diplomacia de Barack Obama a região fosse ter maior visibilidade e importância. Não teve muito, mas a visita que faz agora a três países da região traz ganhos.
No Brasil, ele passou o fim de semana. E a imagem dele numa área antes ocupada pelo tráfico como a Cidade de Deus, ao lado de garotos negros como ele, jogando bola, tem um valor simbólico maior do que as costumeiras visitas de presidentes a projetos sociais bem sucedidos. É que desta vez é um bairro inteiro, um enorme bairro que é símbolo de um movimento do Rio contra a ocupação territorial do tráfico de drogas. Chicago, onde Michelle nasceu, sabe o que é lutar contra o crime. Em Santiago, ele falou no La Moneda, um dia bombardeado por um golpe que teve o apoio de Washington. Velhos e, felizmente, superados tempos.
FONTE: O GLOBO
O ingrediente inesperado foi o presidente Obama autorizar daqui do Brasil o ataque ao arsenal aéreo de Muamar Kadafi, na Líbia. Não deixa de ser irônico o fato de que antes dos aviões americanos os Rafale franceses foram precursores da ação internacional, no momento mesmo da conversa entre a presidente Dilma e o presidente Obama. Os Rafale poderiam ter sido a opção da compra dos caças se a decisão tivesse sido tomada no ano passado, e ainda estão na disputa. Mas os Estados Unidos foram mais discretos em seu lobby a favor dos FA-18, da Boeing.
Brasil e Estados Unidos têm o problema da anemia nas relações comerciais. Eles já foram nosso principal parceiro, deixaram de ser. Nós tínhamos um superávit comercial de US$10 bilhões, há quatro anos, e temos um déficit de US$7,7 bilhões, agora. E a explicação não é apenas a crise americana. Os Estados Unidos têm déficit com a maioria dos países, e superávit com o Brasil. Poderíamos vender mais para o maior mercado do mundo, mas encontramos barreiras ou temos incapacidade de superá-las. Em parte, o encolhimento da participação do comércio bilateral é derivado da falta de agressividade da política comercial brasileira no último governo em buscar espaço no mercado americano através de acordos e promoção comercial.
Os dois países têm contenciosos antigos e deles falou a presidente Dilma: aço, suco de laranja, algodão, etanol. Cada um enfrentando do outro lado lobbies bem organizados. De todos, o lobby que barra o etanol é o mais lesivo aos interesses dos próprios americanos porque por falta de terra eles só conseguem ampliar o cultivo de milho se deslocarem outras culturas. A alta do algodão dos últimos meses foi provocado justamente por queda de área plantada.
No discurso do Teatro Municipal, cabia falar de valores comuns, como ele fez, e muito bem. Brasil e Estados Unidos são países jovens, de grande extensão territorial, de populações grandes, mas que nunca serão grandes demais - eles têm 300 milhões, nós, menos de 200 milhões -, que foram colonizados, que viveram o flagelo da escravidão, que receberam ondas de migrantes de países diferentes. Temos inúmeras semelhanças e nossas diferenças: a história racial é diferente, mas não tanto quanto dizem os que cultivam o mito da democracia racial. Por isso, o fato de ele ser negro é um impulso ao sonho de milhões de negros no Brasil.
Os princípios da independência americana estavam presentes em rebeliões do Brasil como a Inconfidência Mineira, e nos projetos de José Bonifácio para a Nação. Tivemos uma história paralela, mas preservamos nossa autonomia mesmo no mesmo continente da maior economia do mundo. Por isso, o que nos cabe agora é de fato uma parceria, onde não há júnior e sênior. Pode dispensar a atitude infantil de reafirmar a independência em gestos e desaforos quem de fato se sente independente.
Em relação ao assento no Conselho de Segurança da ONU, sua declaração foi pálida, perto da forte indicação de apoio dado à Índia. Alvaro Gribel, que trabalha aqui na coluna, é compositor. Uma de suas melhores músicas tem o título perfeito "Agradeça o apreço". Pois é, agradecemos o apreço. O mais interessante na proposta brasileira não é o desejo de fazer parte desse clube exclusivo, mas o fato de que a forma de organização do poder nas Nações Unidas já não reflete mais a divisão do poder mundial, bem mais complexo com as potências médias, a diversidade, os emergentes.
O ponto mais fraco da visita à América Latina foi sua nenhuma relação com a imprensa brasileira. Convenhamos, entrevista por escrito como ele concedeu para a "Veja" e para o "El Mercurio", do Chile, é desconsideração. Entrevista por escrito qualquer assessor pode responder, além disso, tira do repórter sua principal arma que é a segunda pergunta. Numa rápida entrevista no Chile, não disse nada que não fosse previsível.
No começo do governo George Bush, a região foi tão negligenciada que nem havia um subsecretário para assuntos latino-americanos, e o primeiro escolhido era um cubano, que via o conflito com Cuba como a grande questão da região. Por isso, muitos analistas esperaram que na diplomacia de Barack Obama a região fosse ter maior visibilidade e importância. Não teve muito, mas a visita que faz agora a três países da região traz ganhos.
No Brasil, ele passou o fim de semana. E a imagem dele numa área antes ocupada pelo tráfico como a Cidade de Deus, ao lado de garotos negros como ele, jogando bola, tem um valor simbólico maior do que as costumeiras visitas de presidentes a projetos sociais bem sucedidos. É que desta vez é um bairro inteiro, um enorme bairro que é símbolo de um movimento do Rio contra a ocupação territorial do tráfico de drogas. Chicago, onde Michelle nasceu, sabe o que é lutar contra o crime. Em Santiago, ele falou no La Moneda, um dia bombardeado por um golpe que teve o apoio de Washington. Velhos e, felizmente, superados tempos.
FONTE: O GLOBO
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