De todas as desculpas atribuídas a Luiz Inácio Lula da Silva para não ir ao almoço no Itamaraty em homenagem a Barack Obama, a pior é a de que o ex-presidente não queria "ofuscar" sua sucessora, Dilma Rousseff. Trata-se de uma desculpa recorrente na corte lulista. Não é a primeira vez que ela aparece. O ex-presidente deve refletir sobre suas implicações. Essa é uma justificativa que diminui Dilma Rousseff, uma presidente em franco processo de afirmação, como demonstra a pesquisa Datafolha divulgada semana passada - 47% de bom e ótimo, o melhor primeiro ano de um novo governo desde a redemocratização.
Pior ainda, é uma desculpa que diminui o próprio Lula: ao não comparecer ao almoço no Itamaraty o ex-presidente cometeu uma descortesia com Dilma, que o convidou, não importa se por telefone, carta, e-mail, telegrama ou pelo cerimonial do Ministério das Relações Exteriores. E uma grosseria com Obama. Lula foi o primeiro presidente sul-americano recebido pelo americano, após sua eleição, no salão oval da Casa Branca.
Posteriormente, num encontro do G-20, em Londres, Obama voltou a festejar Lula, desta vez como o "político mais popular da terra". Enfim, "o cara".
Brasília é uma cidade de muros baixos, sabe-se que Lula não gosta de Obama e há indícios de que a recíproca é verdadeira. A inflexão de Lula em relação aos EUA é localizada a partir de 2005, quando o ex-presidente recorre a sua base social para enfrentar a crise do mensalão e a tentativa do impeachment. As relações deterioraram de vez com as respostas de Lula aos afagos de Obama, como a aproximação com o Irã. O então presidente brasileiro não escondia um certo ar debochado quando falava de Obama.
As relações políticas, internas ou externas, não devem ser marcadas por gostos pessoais. A escala é a razão de Estado. Neste aspecto, Dilma marcou um gol de placa ao convidar para o almoço com Obama todos os ex-presidentes brasileiros, desde a redemocratização. Um processo, aliás, que completou 25 anos na quarta-feira, o mais longo período de normalidade democrática vivido pelo país desde a proclamação da República, nos idos de 1889. Estavam lá José Sarney, do eternamente governista PMDB, Fernando Collor (PTB), ex-inimigo com o qual Lula agora troca afagos, Itamar Franco, um independente no PPS, partido de oposição, e, para alergia de muito petista, Fernando Henrique Cardoso.
Nada mais representativo da estabilidade da jovem democracia brasileira, na qual, em um quarto de século, todo o espectro político se revezou no poder; a superinflação foi domada; um presidente da República sofreu o impeachment e a oposição - no episódio do mensalão - aprendeu que não é possível arriar um presidente do poder sem o apoio das ruas. Estabilidade que contribuiu para o atual estágio de desenvolvimento do país e sobre a qual o Congresso deve refletir com cuidado, se estiver mesmo disposto a fazer uma reforma para aperfeiçoar o sistema político.
Quando Lula recusou o convite de Dilma para o almoço, aí sim, o ex-presidente se transformou em um protagonista do evento. É presunção dizer que ele ofuscaria Dilma, se tivesse ido à festa. É fato concreto que sua ausência provocou uma série de especulações sobre a solidez da política de reaproximação de Dilma com os EUA, quando se conhece a influência de Lula sobre o governo da presidente e o PT, partido ao qual são ligados alguns dos movimentos sociais que armaram os protestos com ar déjà vu contra a visita, no Rio de Janeiro.
Os temores da comunidade internacional não deixam de fazer sentido, quando se alega que Lula deixou no Palácio do Planalto seu principal assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, homem-chave na articulação com a Venezuela de Hugo Chávez e Cuba dos irmãos Castro. Pode também não passar de paranoia. Marco Aurélio Garcia aparentemente ficou um degrau abaixo do Itamaraty nas providências relâmpago que viabilizaram a viagem de Obama ao Brasil em menos de 90 dias de governo de Dilma Rousseff.
A recusa de Lula é que acendeu os sinais amarelos. Afinal, quem tem o poder de ofuscar também tem o de boicotar. Lula nunca pode perder de vista que é um ex-presidente forte e que suas ações têm consequências. O problema das consequências, como costuma dizer o ex-senador Marco Maciel, é que elas nunca veem antes. É presunção dizer que Lula ofuscaria Dilma (e Obama), se fosse ao almoço. Cai na mesma categoria a explicação segundo a qual o ex-presidente não foi porque "o momento" é de Dilma.
A outra explicação é que Lula guarda "quarentena". Bobagem. O ex-presidente ficou desobrigado no momento em que recebeu o convite de Dilma Rousseff. Lula poderia ter inventado uma viagem ou uma conferência marcada com antecedência. Se não quisesse aparecer mais que a anfitriã ou o convidado, bastaria se comportar como FHC, o principal líder da oposição presente ao regabofe: discretamente.
Sem alarde, a presidente Dilma Rousseff vem estreitando seus laços com Minas Gerais, sua terra natal e principal território da mais promissora candidatura do PSDB para 2014. O governador tucano Antonio Anastasia foi o primeiro a ser recebido por Dilma, no Palácio do Planalto, e já esteve com ela outras duas vezes.
A primeira, na reunião dos governadores da Sudene, em Sergipe. A última, em Uberaba. Ainda este mês Dilma pode ir a Minas para o lançamento de um programa social do governo (Rede Cegonha). No dia 21 de Abril ela receberá a Medalha da Inconfidência e será a oradora oficial da solenidade em Ouro Preto.
Em menos de 90 dias de governo, Dilma já despachou quatro ministros a Minas Gerais: Orlando Silva, dos Esportes, José Eduardo Cardozo, da Justiça, Fernando Bezerra, da Integração Nacional e Ideli Salvatti, da Pesca. Dilma também esteve sempre presente durante as enchentes em Minas. Dilma já escolheu até o local para o escritório da Presidência em Belo Horizonte. Por fim, no almoço em homenagem a Barack Obama, cumprimentou o ex-presidente com a seguinte frase: "Nós mineiros somos muito jeitosos".
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília
Pior ainda, é uma desculpa que diminui o próprio Lula: ao não comparecer ao almoço no Itamaraty o ex-presidente cometeu uma descortesia com Dilma, que o convidou, não importa se por telefone, carta, e-mail, telegrama ou pelo cerimonial do Ministério das Relações Exteriores. E uma grosseria com Obama. Lula foi o primeiro presidente sul-americano recebido pelo americano, após sua eleição, no salão oval da Casa Branca.
Posteriormente, num encontro do G-20, em Londres, Obama voltou a festejar Lula, desta vez como o "político mais popular da terra". Enfim, "o cara".
Brasília é uma cidade de muros baixos, sabe-se que Lula não gosta de Obama e há indícios de que a recíproca é verdadeira. A inflexão de Lula em relação aos EUA é localizada a partir de 2005, quando o ex-presidente recorre a sua base social para enfrentar a crise do mensalão e a tentativa do impeachment. As relações deterioraram de vez com as respostas de Lula aos afagos de Obama, como a aproximação com o Irã. O então presidente brasileiro não escondia um certo ar debochado quando falava de Obama.
As relações políticas, internas ou externas, não devem ser marcadas por gostos pessoais. A escala é a razão de Estado. Neste aspecto, Dilma marcou um gol de placa ao convidar para o almoço com Obama todos os ex-presidentes brasileiros, desde a redemocratização. Um processo, aliás, que completou 25 anos na quarta-feira, o mais longo período de normalidade democrática vivido pelo país desde a proclamação da República, nos idos de 1889. Estavam lá José Sarney, do eternamente governista PMDB, Fernando Collor (PTB), ex-inimigo com o qual Lula agora troca afagos, Itamar Franco, um independente no PPS, partido de oposição, e, para alergia de muito petista, Fernando Henrique Cardoso.
Nada mais representativo da estabilidade da jovem democracia brasileira, na qual, em um quarto de século, todo o espectro político se revezou no poder; a superinflação foi domada; um presidente da República sofreu o impeachment e a oposição - no episódio do mensalão - aprendeu que não é possível arriar um presidente do poder sem o apoio das ruas. Estabilidade que contribuiu para o atual estágio de desenvolvimento do país e sobre a qual o Congresso deve refletir com cuidado, se estiver mesmo disposto a fazer uma reforma para aperfeiçoar o sistema político.
Quando Lula recusou o convite de Dilma para o almoço, aí sim, o ex-presidente se transformou em um protagonista do evento. É presunção dizer que ele ofuscaria Dilma, se tivesse ido à festa. É fato concreto que sua ausência provocou uma série de especulações sobre a solidez da política de reaproximação de Dilma com os EUA, quando se conhece a influência de Lula sobre o governo da presidente e o PT, partido ao qual são ligados alguns dos movimentos sociais que armaram os protestos com ar déjà vu contra a visita, no Rio de Janeiro.
Os temores da comunidade internacional não deixam de fazer sentido, quando se alega que Lula deixou no Palácio do Planalto seu principal assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, homem-chave na articulação com a Venezuela de Hugo Chávez e Cuba dos irmãos Castro. Pode também não passar de paranoia. Marco Aurélio Garcia aparentemente ficou um degrau abaixo do Itamaraty nas providências relâmpago que viabilizaram a viagem de Obama ao Brasil em menos de 90 dias de governo de Dilma Rousseff.
A recusa de Lula é que acendeu os sinais amarelos. Afinal, quem tem o poder de ofuscar também tem o de boicotar. Lula nunca pode perder de vista que é um ex-presidente forte e que suas ações têm consequências. O problema das consequências, como costuma dizer o ex-senador Marco Maciel, é que elas nunca veem antes. É presunção dizer que Lula ofuscaria Dilma (e Obama), se fosse ao almoço. Cai na mesma categoria a explicação segundo a qual o ex-presidente não foi porque "o momento" é de Dilma.
A outra explicação é que Lula guarda "quarentena". Bobagem. O ex-presidente ficou desobrigado no momento em que recebeu o convite de Dilma Rousseff. Lula poderia ter inventado uma viagem ou uma conferência marcada com antecedência. Se não quisesse aparecer mais que a anfitriã ou o convidado, bastaria se comportar como FHC, o principal líder da oposição presente ao regabofe: discretamente.
Sem alarde, a presidente Dilma Rousseff vem estreitando seus laços com Minas Gerais, sua terra natal e principal território da mais promissora candidatura do PSDB para 2014. O governador tucano Antonio Anastasia foi o primeiro a ser recebido por Dilma, no Palácio do Planalto, e já esteve com ela outras duas vezes.
A primeira, na reunião dos governadores da Sudene, em Sergipe. A última, em Uberaba. Ainda este mês Dilma pode ir a Minas para o lançamento de um programa social do governo (Rede Cegonha). No dia 21 de Abril ela receberá a Medalha da Inconfidência e será a oradora oficial da solenidade em Ouro Preto.
Em menos de 90 dias de governo, Dilma já despachou quatro ministros a Minas Gerais: Orlando Silva, dos Esportes, José Eduardo Cardozo, da Justiça, Fernando Bezerra, da Integração Nacional e Ideli Salvatti, da Pesca. Dilma também esteve sempre presente durante as enchentes em Minas. Dilma já escolheu até o local para o escritório da Presidência em Belo Horizonte. Por fim, no almoço em homenagem a Barack Obama, cumprimentou o ex-presidente com a seguinte frase: "Nós mineiros somos muito jeitosos".
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília
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