• Mercado minimiza risco de maior inflação no mundo
- Valor Econômico
O Brasil muda de presidente, a taxa Selic fica inalterada pela nona reunião consecutiva do Comitê de Política Monetária (Copom) e a economia, após cinco trimestres de queda, pode exibir sinais de esperança de saída da crise, principalmente na indústria e nos investimentos, mas ainda não trará o Produto Interno Bruto (PIB) ao terreno positivo. Esse é o roteiro seguido por boa parte do mercado financeiro nesta semana que encerra agosto e coloca o último trimestre de 2016 na antessala.
A soma de resultados do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, do desempenho do PIB no 2º trimestre e da decisão do Copom é candidata à âncora de ocasião da economia brasileira se o cenário externo estiver próximo de uma guinada em razão de um aumento de juro pelo Federal Reserve - o banco central dos Estados Unidos. Âncora efetiva será a emenda à Constituição que estabelece um teto para despesas públicas - ainda a ser aprovada no Congresso Nacional.
Sem isso, o Brasil segue vulnerável ao estresse que contamina ativos financeiros no mundo. Na sexta, esses ativos voltaram a sofrer em reação ao discurso mais duro de Janet Yellen, presidente do Fed, a favor do aumento de juro no exclusivo seminário que reúne apenas bancos centrais em Jackson Hole, Wyoming, Estados Unidos. Seu vice no Fed, Stanley Fischer, deu o norte ao mercado ao alertar que o pronunciamento de Yellen comporta dois aumentos de juros ainda neste ano.
Se crescer a expectativa de que a elevação do juro é iminente nos Estados Unidos, possivelmente haverá uma corrida de investidores globais para os títulos do Tesouro americano - os de maior liquidez no mundo, os mais seguros e baratos o bastante para prometer atraente remuneração em caso de aumento do juro de curtíssimo prazo no país.
Grandes bancos brasileiros e influentes consultorias preparam clientes e investidores para esse momento que mais dia menos dia chegará. O cenário ainda é muito positivo para o Brasil, mas está em mutação desde que o país perdeu o grau de investimento concedido, anos antes, pelas três maiores agências de classificação de risco de crédito: S&P, Moody's e Fitch.
Sintoma da mudança para pior, emissores brasileiros estão pagando bem mais caro para captar recursos externos com emissão de bônus. As gigantes Petrobras e Vale já arcaram com custos 40% maiores para levantar recursos em dólar neste ano - por prazo de dez anos - na comparação com o custo médio das últimas operações equivalentes, mostra levantamento realizado pelos jornalistas Alessandra Bellotto e Fernando Torres, do Valor.
Em março de 2014, ainda bem no início da Operação Lava-Jato e antes do risco de atrasar o balanço, o custo para Petrobras havia sido de 6,28%. Antes disso, nas emissões em dólar feitas em 2012 e 2013, a estatal de petróleo pagou 4,5% e 4,8%. Neste ano, em duas emissões perfazendo o total de US$ 3 bilhões por dez anos, a Petro pagou, em média, 8,88%. O rendimento médio pago por bônus de prazo equivalente por seus pares latinos YPF, Pemex e Ecopetrol estava, na mesma data, em 7,84%, 4,9% e 5,85%. A Vale levantou US$ 2,25 bilhão entre janeiro e abril de 2012, pagando retorno médio de 4,35% ao ano aos investidores. Na emissão de US$ 1 bilhão feita neste ano, pagou 6,25%. Para comparação, os bônus da australiana Rio Tinto para 2025 pagavam 2,90% também na mesma data.
Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, explica que pelo seu potencial de influenciar fortemente os mercados globais de ativos e moedas, a política de juros do banco central americano é vista como um foco de risco de curto prazo para a relativa "calmaria" recente dos mercados. A consultoria entende, porém, que uma retirada precipitada de estímulos monetários nos EUA ou em qualquer outra das principais praças financeiras mundiais parece ter baixa probabilidade.
"Entendemos que a evolução da conjuntura norte-americana e mundial instigará a retomada em ritmo lento do processo de normalização da política monetária do Fed no fim deste ano, fator que tenderá, mais adiante, a moderar, mas não reverter, o apetite dos mercados globais por ativos emergentes", diz Borges.
A equipe de estrategistas do Itaú Private Bank chama atenção para o fato de o crescimento nos EUA ter desacelerado, mas a alta do consumo continuar sólida. Parte da contribuição positiva para o crescimento da economia americana virá da acumulação de estoques até que cheguem à média - uma recomposição do desmonte dos estoques por cinco trimestres consecutivos que subtraiu crescimento do PIB.
"Esperamos que a próxima alta de juros nos Estados Unidos aconteça em dezembro. A economia americana está sólida, o mercado de trabalho continua aquecido e a economia internacional está em recuperação sem perspectivas de grandes choques, com isso as condições financeiras nos EUA estão melhorando", diz o Itaú.
Estevão Augusto Oller Scripilliti, economista do Bradesco, não vê reversão no cenário externo em poucos meses, e acredita que o mercado tende a ficar confortável com a simples perspectiva de que terá alguns meses de tranquilidade.
Scripilliti acrescenta, porém, que ao ampliar o horizonte de análise, é possível que ocorra, próximo da virada do ano, uma gradual mudança das condições para inflação com as quais as autoridades monetárias se defrontarão ao projetarem seus cenários para 2017 e 2018. "Neste momento, pode começar a ficar mais evidente que o trade-off entre atividade e inflação piorou e que as projeções para inflação cheia não estarão tão distantes das metas dos BCs, mesmo com taxas de crescimento econômico modestas mundo afora."
O risco de aumento da inflação adiante tem sido minimizado pelos mercados, diz Scripilliti. "Predomina a visão de que serão mantidas posturas monetárias ultra expansionistas em diversos países e por períodos extensos de tempo em resposta às taxas de inflação corrente baixas e à atividade econômica deprimida. A inflação implícita nos títulos públicos corrobora essa visão e a ancoragem das expectativas pode ser feita e níveis incompatíveis com o objetivo de diferentes bancos centrais. A consolidação de juros nominais cada vez menores também reflete a crescente percepção de que vão durar as condições de inflação baixa e crescimento potencial global mais moderado.
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